Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

"Dois pesos e duas medidas"

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Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
As opções ideológicas do Governo e da maioria PSD/CDS que o suporta podem ser condensadas na expressão popular «dois pesos e duas medidas».
Para o grande capital, para os senhores do dinheiro, todas as facilidades. Para os trabalhadores, para o povo, brutais sacrifícios.
Todos os sacrifícios impostos nos últimos anos pelos PEC e pelo Programa da troica recaíram, e continuam a recair, sobre os trabalhadores e o povo. No reverso da medalha, o grande capital, nacional e transnacional, foi, e continua a ser, o beneficiário desta política, apropriando-se de parcelas crescentes da riqueza nacional.
Dois pesos e duas medidas: cortam-se salários para se continuar a pagar juros de uma dívida pública que não para de crescer; confiscam-se pensões, mas os encargos com as parcerias público-privadas continuam a aumentar; os portugueses são confrontados com brutais aumentos do IMI, mas as grandes empresas e os grupos económicos pagam cada vez menos impostos; o Governo penhora a casa a quem tem pequenas dívidas ao fisco, mas cria uma lista VIP, deixando por esclarecer se todos os cidadãos ou apenas alguns têm direito à proteção dos seus dados fiscais, se todos ou apenas alguns ficam sujeitos às medidas de combate à fraude e à evasão fiscais.
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Os mais recentes desenvolvimentos confirmam a existência de uma lista VIP de contribuintes.
Bastou uma semana, apenas uma semana, para que as afirmações do Primeiro-Ministro aqui, no Parlamento, fossem desmentidas. A lista VIP existe, mas mantêm-se as dúvidas sobre quem a pediu, quem definiu os seus objetivos, quem decidiu que nomes a integram. De acordo com notícias vindas a público, a lista poderá ter sido fornecida pelo Governo, através do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, à administração fiscal. Esta situação, a confirmar-se, seria de extrema gravidade e exige o absoluto esclarecimento sobre a proveniência da lista VIP e seus objetivos.
Como se coaduna a existência desta lista com a propaganda do Governo sobre o combate à fraude e à evasão fiscais? É outra questão que tem de ser esclarecida. Há cidadãos que estão protegidos deste combate? A proteção de dados fiscais é um direito de todos os cidadãos ou apenas de alguns? O Governo, além de esclarecer cabalmente todas estas questões e punir quem tenha de ser punido, tem de assumir a responsabilidade política pela existência desta lista VIP de contribuintes e isso exige que sejam retiradas consequências pelos responsáveis políticos do Governo.
Em matéria fiscal, a opção governamental de dois pesos e duas medidas não fica por aqui. Os dados da execução orçamental de 2014 confirmam essa opção: a receita de IRC caiu 580 milhões de euros, enquanto a receita de IRS aumentou na mesma medida, 540 milhões de euros.
Mas o Governo também mexeu no IMI, procedendo a uma reavaliação do valor tributário dos prédios, que resultou num agravamento brutal do imposto a pagar. Com a eliminação da cláusula de salvaguarda, que servia de travão ao crescimento do imposto, muitos proprietários de imóveis sofrerão, em 2015, agravamentos no IMI que, de acordo com a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, atingirão, em média, 35 a 45%.
Mas, ao mesmo tempo que esbulha os pequenos proprietários, o Governo e a maioria PSD/CDS recusam-se a eliminar a isenção de IMI e de IMT de prédios integrados em fundos de investimento imobiliário. Também aqui o Governo deixa clara a sua opção de dois pesos e duas medidas.
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Entre os constrangimentos que conduziram o País à desastrosa situação atual destaca-se a dimensão colossal da dívida pública. Uma dívida que não para de crescer quer em volume, quer em percentagem do PIB. Os mais recentes dados mostram que a dívida direta do Estado aumentou, em janeiro de 2015, quase 8800 milhões de euros. A dívida, na ótica de Maastricht, também aumentou 6600 milhões de euros em apenas um mês. Quanto aos juros da dívida, aumentaram, em janeiro, 34,5%.
Esta é uma situação que o capital financeiro nacional e transnacional, com a cumplicidade do Governo, pretende perpetuar com o objetivo de, a pretexto da dívida, condicionar a soberania nacional e prosseguir o saque dos nossos recursos por via dos juros que, em 2015, ultrapassarão os 8000 milhões de euros, mais do que é gasto no Serviço Nacional de Saúde.
O saque dos recursos nacionais também se concretiza por via das parcerias público-privadas, ruinosas para o País, mas extremamente lucrativas para o grande capital. Apesar de toda a propaganda governamental em torno da renegociação das PPP, a verdade é que, em 2014, os encargos aumentaram nas parcerias rodoviárias, ferroviárias e do setor da segurança.
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Portugal precisa de se libertar da ditadura da dívida e de pôr fim ao ruinoso negócio das PPP. Os milhares de milhões de euros gastos anualmente em juros da dívida e em encargos com as PPP fazem falta. Fazem falta para garantir a devolução de salários, pensões, prestações sociais e serviços públicos, para garantir o investimento no desenvolvimento do aparelho produtivo, para aumentar a produção nacional e criar emprego.
O Governo, antevendo uma pesada derrota nas urnas, tenta desesperadamente esconder a situação desastrosa a que conduziu o País e o retrocesso que infligiu aos trabalhadores e ao povo. Contando com a prestimosa ajuda do Presidente da República, que agora até consegue ver um crescimento económico de 2% para 2015, o Governo tenta disfarçar a sua opção política de dois pesos e duas medidas: para o grande capital, benefícios e privilégios; para os trabalhadores e o povo, exploração e empobrecimento.
Esta é uma política que não serve os trabalhadores, as populações, as micro, pequenas e médias empresas, os produtores, a economia nacional e o País.
É, pois, preciso derrotá-la, abrindo caminho a uma política patriótica e de esquerda, que devolva a Portugal e aos portugueses a esperança num futuro melhor.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Duarte Pacheco,
Não deixa de ser significativo que, quando o PCP traz aqui os problemas do País, o PSD, em vez de atacar os problemas do País, ataca o PCP.
Acusou-nos de fazer uma intervenção repleta de inverdades, mas o Sr. Deputado é que disse aqui uma inverdade. Disse que o PCP propunha o aumento da despesa pública e, ao mesmo tempo, a diminuição da receita por via da diminuição dos impostos.
No mínimo, o Sr. Deputado esteve distraído, porque, recentemente, apresentámos um projeto de lei em que propúnhamos o reforço da despesa pública nas funções sociais do Estado, mas também propúnhamos o aumento da receita fiscal, ao mesmo tempo que aliviávamos a carga fiscal que recai sobre os trabalhadores, sobre as famílias e sobre as micro e pequenas empresas.
Como é que se fazia, pergunta o Sr. Deputado. Mais uma vez, recomendo a leitura desse projeto de lei: aumentando a carga fiscal sobre o grande capital.
Apresentámos propostas concretas, quantificadas dessas medidas dirigidas ao grande capital e demonstrámos aqui, com cálculos, com números, que era possível, simultaneamente, aliviar a carga fiscal sobre os trabalhadores, sobre as famílias, sobre os micro e pequenos empresários, assim como reforçar as despesas com a saúde, a educação, a segurança social e a cultura, desde que, ao mesmo tempo, se tributasse, de forma adequada, o grande capital. Trouxemos essas propostas e, no mínimo, o Sr. Deputado esteve distraído.
Mas também disse outra inverdade, Sr. Deputado. Disse que os juros a 10 anos está perto de zero. Não, Sr. Deputado, a taxa de juro poderá estar muito baixa, mas os juros pagos anualmente no País continuam a crescer.
Apesar de todo esse foguetório em torno das descidas da taxa de juro a curto prazo, a 10 anos, a 30 anos, a verdade é que, em 2014, os juros pagos pelo País, pela dívida, aumentaram relativamente a 2013. E o próprio Governo reconhece que para 2015 os juros e os encargos da dívida irão aumentar.
Por fim, em relação à questão da lista. Sr. Deputado, há uma semana tivemos aqui o Sr. Primeiro-Ministro a negar a existência dessa lista. Cinco vezes disse nesta Sala que não existe lista VIP. Uma semana bastou para desmentir o Sr. Primeiro-Ministro: a lista VIP existe. Penso que o Sr. Deputado também já não terá dúvidas sobre isso.
Concluo, Sr.ª Presidente, dizendo que o Sr. Deputado Duarte Pacheco, reconhecendo a existência dessa lista, não deu resposta a questões que são importantes. Quem é que criou essa lista? Quem definiu os seus objetivos? Quem definiu os nomes que integram essa lista?
São estas as questões que gostaríamos de ver esclarecidas pelo Sr. Deputado Duarte Pacheco, que não o fez.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado João Galamba,
Tem razão, não foi apenas o Primeiro-Ministro que veio aqui cinco vezes negar a existência da lista. Durante a última semana, tivemos também a Ministra das Finanças a negar a existência da lista e o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais a negar veementemente a existência desta lista. Mas, hoje, tiveram de reconhecer essa existência, perante os factos que vieram a público e que não foram trazidos pelo próprio Governo.
Obviamente que, sabendo agora da existência da lista, temos de esclarecer aquelas questões que eu colocava há pouco, ou seja, quem é que criou esta lista. Porque há notícias, que vieram a público, de que poderá ter sido o Governo, através do Secretário de Estado, a dar indicações à Autoridade Tributária para criar esta lista ou poderá ter sido o próprio Secretário de Estado a entregá-la à Autoridade Tributária. Temos de esclarecer se isto aconteceu e quem decidiu os objetivos com que foi criada esta lista.
A questão que o Sr. Deputado João Galamba coloca é muito importante: será que todos os cidadãos têm direito à proteção dos seus dados fiscais ou apenas alguns, os que integram esta lista VIP?
E, relativamente ao combate à fraude e à evasão fiscais, todos os cidadãos estão sujeitos a este combate ou há alguns, os que integram esta lista VIP, que não estão sujeitos a este combate à fraude e à evasão fiscal?
São questões que têm de ser cabalmente esclarecidas. O Governo, durante uma semana, fugiu a responder, mas o Sr. Deputado Duarte Pacheco — permita-me que retome agora a sua interpelação — tentou «sacudir a água do capote» do Governo. Na ótica do Sr. Deputado, na da maioria e, provavelmente, na do Governo, a culpa é sempre das chefias intermédias, nunca é do Governo.
Nós rejeitamos essa posição. Independentemente do papel que as chefias intermédias possam ter tido — e, se agiram contrariamente à lei, tem de haver as necessárias punições —, o Governo tem a responsabilidade política pela existência desta lista VIP e, Sr. Deputado João Galamba, isso exige que sejam impostas consequências aos responsáveis políticos do Governo desta área.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Pedro Filipe Soares,
A existência desta lista, comprovada ao fim de uma semana de negação por parte do Governo, é, como disse, inaceitável e traduz o que dissemos na nossa declaração política sobre a opção do Governo de ter dois pesos e duas medidas.
A proteção dos dados fiscais dos contribuintes tem de ser para todos e não pode ser só para alguns que constem numa lista VIP. Todos os cidadãos estão sujeitos às medidas de combate à fraude e evasão fiscal. Não pode haver cidadãos, constantes numa lista VIP, que estejam fora da sujeição a este combate. A existência desta lista VIP é um sinal claro da parte do Governo da sua opção de ter dois pesos e duas medidas.
Relativamente às consequências políticas — e temos de frisar esta questão —, elas não podem ficar, Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, pela demissão das chefias intermédias. Disto tudo, não pode resultar apenas a responsabilização das chefias intermédias e o Governo «lavar as mãos» como se não tivesse nada a ver com isto.
Tem de haver uma responsabilização política do Governo pela existência de uma lista VIP na Autoridade Tributária e Aduaneira.
Para além de haver essa responsabilização, têm de ser cabalmente esclarecidas aquelas questões que já colocámos aqui: qual o papel do Governo na criação desta lista? Houve intervenção direta do Governo? Do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais? De que modo? Com que objetivos foi criada esta lista? Que nomes é que integram a lista ou, melhor, qual foi o critério para definir os nomes que integram esta lista?
Todas estas questões têm de ser esclarecidas, os responsáveis têm de ser punidos e o Governo tem de assumir a responsabilidade política por esta situação.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado José Luís Ferreira,
Agradeço a sua questão.
Disse o Sr. Deputado que para este Governo existem contribuintes de primeira e de segunda. Foi exatamente o que nós, na nossa declaração política, tentámos transmitir, isto é, que este Governo tem dois pesos e duas medidas no âmbito não só da sua política geral, mas também da sua política fiscal. Referimos a questão do IMI, em que o Governo retirou a cláusula de salvaguarda permitindo brutais aumentos do IMI, ao mesmo tempo que recusa propostas do PCP, apresentadas diversas vezes, para eliminar um benefício fiscal, que isenta de pagamento de IMI e de IMT prédios que estejam em fundos de investimento imobiliário.
Também a mesma discriminação — os dois pesos e duas medidas — em termos de IRS e de IRC. O Governo, em dois anos consecutivos, desceu a taxa de imposto de IRC, que incide sobre o lucro das grandes empresas, e, ao mesmo tempo, esmagou os trabalhadores e as famílias com uma carga fiscal brutal, cujo reflexo já foi visto no final do ano passado com a receita de IRS a subir na mesma medida em que descia a receita de IRC.
E esses dois pesos e duas medidas também existem, de forma clara, na lista VIP.
O Governo faz um grande foguetório em torno do combate à fraude e à evasão fiscais. Nós sabemos que os funcionários da administração fiscal, no âmbito das suas funções e no estrito respeito pela lei, podem ter necessidade de aceder aos dados dos contribuintes, aos dados fiscais, para, exatamente no âmbito do combate à fraude e à evasão fiscais, verificarem se essas infrações existem.
Com a existência desta lista VIP, ficamos a saber que os funcionários da administração fiscal, se conduzirem uma investigação no âmbito do combate à fraude e à evasão fiscais, respeitando o que a lei estipula, podem esbarrar numa lista VIP e já não podem fazer essa investigação para determinados contribuintes que integram essa lista. E esta é uma situação inaceitável.
Termino, Sr.ª Presidente, para concluir dentro do tempo, dizendo que, mais uma vez, a questão central é o apuramento cabal de tudo aquilo que aconteceu: quem criou esta lista, com que objetivos, quem decidiu os nomes que a integram.
Mas, independentemente desse apuramento, neste momento, o que se sabe é que a existência de uma lista desta natureza exige a responsabilização do Governo e dos responsáveis políticos desta área.

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