Div?rcio por m?tuo consentimento e div?rcio litigioso<br />

Senhor Presidente Senhores Deputados: Quando comparamos a evolu??o da hist?ria do casamento, das proibi??es e restri??es ? dissolubilidade do v?nculo, com as transforma??es permanentes da c?lula familiar e do papel atribu?do a cada um dos membros do agregado familiar, podemos aperceber-nos da incid?ncia das transforma??es econ?micas na modela??o e transforma??o das rela??es familiares. S?o estas transforma??es que empurraram e empurram o Direito de Fam?lia para novas defini??es do casamento, para a perda da exclusividade do mesmo como fonte da institui??o fam?lia, para um novo estatuto dos membros do agregado familiar. Foram e s?o aquelas transforma??es que refor?aram e refor?am a individualidade dos seus membros, o direito, dentro da fam?lia, ? liberdade e ? autonomia individual, o direito ? felicidade que n?o se compadece com a concep??o j? ultrapassada de uma institui??o, onde, em seu nome se sacrifica aquela felicidade. De facto, podemos aperceber-nos na evolu??o do direito da fam?lia, como o modelo da institui??o familiar desenhado como uma forma de defesa da patrim?nios, sacrificou direitos fundamentais, nomeadamente no que concerne ao sexo feminino. O C?digo Civil de Seabra ? uma fonte inesgot?vel de exemplos de sacrif?cios impostos ? mulher e aos filhos. Em nome da autonomia familiar, sacrificou-se a autonomia individual dos membros do agregado familiar, conferiu-se ? mulher um estatuto de menoridade aviltante, aviltantes se tornaram la?os familiares, a que se chamou de ileg?timos. E em nome dessa autonomia individual que se dizia querer ver defendida das intromiss?es do Estado, o Estado invadiu a privacidade impondo, por exemplo, ? liberdade individual, o car?cter perp?tuo do v?nculo matrimonial. Assim aconteceu no C?digo Civil de Seabra. As transforma??es sociol?gicas entretanto operadas, por for?a das transforma??es econ?micas, por for?a do desenvolvimento do liberalismo, conferindo ? Mulher um novo Estatuto no mercado de trabalho, a progressiva transforma??o da fam?lia de unidade econ?mica em unidade de consumo, acabaram por introduzir altera??es na pr?pria institui??o casamento. O qual perdeu o car?cter perp?tuo, imposto pelo Estado, para passar a ser apenas presuntivamente perp?tuo, como aconteceu na Rep?blica. E se embora a 1? Rep?blica, pelo seu car?cter burgu?s, n?o conferiu ? mulher o Estatuto de plena cidadania, a verdade ? que a n?vel de direito da fam?lia, muitos direitos estabelecidos nas leis da fam?lia vieram conferir uma nova dignidade na fam?lia ?s mulheres e ?s crian?as. O car?cter apenas presuntivamente perp?tuo do casamento trouxe inevitavelmente a estatui??o legal do div?rcio como causa de dissolu??o do casamento. Prosseguindo-se assim, o objectivo de atingir a verdade nas rela??es familiares, com o que se ganhou muito em termos de compreens?o da conjugalidade como factor da felicidade individual. O Estado abdicava assim do seu papel de interventor em defesa de rela??es familiares familiares degradadas, em nome de um pseudo interesse p?blico na defesa da fam?lia como Institui??o. Caminhava-se para uma menor publiciza??o do direito da fam?lia. A hist?ria ?, no entanto, feita de fluxos e refluxos. E tamb?m nesta mat?ria a hist?ria fez-se com a regress?o a que se assistiu no regime fascista. Confundindo-se o Estado com a Igreja, a proibi??o de dissolu??o dos casamentos cat?licos celebrados de pois da Concordata com a Santa S?, viria a ser de tal forma causa de convuls?es sociais, de infelicidades, de discrimina??es de que foram especialmente v?timas as crian?as e as mulheres, que um poderoso movimento nacional pr?- div?rcio afrontou o regime, reivindicando o direito de casais, n?o unidos entre si pelo v?nculo matrimonial, ? felicidade. O direito das crian?as a n?o serem tituladas de ileg?timas ou de filhos de m?es inc?gnitas. O C?digo Civil de 1966 trouxe algumas modifica??es positivas ao estatuto da mulher na fam?lia. Como era inevit?vel. Mais uma vez as transforma??es econ?micas acompanhadas pela guerra colonial, catapultaram as mulheres para um novo estatuto na sociedade, e aceleraram a transforma??o da fam?lia numa unidade afectiva e de consumo. Mas estes aspectos foram acompanhados pelo refor?o da presun??o da perpetuidade do casamento, restringindo o Estado o direito ao div?rcio, que s? por vias ?nvias se podia conseguir. Atrav?s da obten??o da separa??o judicial de pessoas e bens que s? posteriormente podia ser convertida em div?rcio. Desta feita se refor?ava a intromiss?o do Estado nas rela??es familiares. Ao mesmo tempo, o C?digo continuou a assegurar atrav?s do Estado o car?cter perp?tuo do casamento cat?lico. A realidade sociol?gica da institui??o fam?lia, comprovava, no entanto, o afastamento das solu??es legais em rela??o ?quela. E foi com os diplomas de 1975 e 1976, diminuindo o papel do Estado na sua intromiss?o nas rela??es familiares, que se correspondeu ? necessidade de conferir transpar?ncia e verdade ?quelas rela??es. Surgindo a conjugalidade mais relacionada com o seu objectivo de prossecu??o da felicidade individual. A transpar?ncia e a verdade foram prosseguidas nomeadamente com a altera??o da Concordata com a Santa S?. Foram tamb?m prosseguidas com o retorno ao div?rcio ruptura, que impede a manuten??o das rela??es familiares quando ? ?bvio que as mesmas j? n?o traduzem la?os de afectividade. A reforma do C?digo Civil de 1977 manteve, no essencial, o quadro legislativo post 25 de Abril. Entretanto os indicadores demogr?ficos a n?vel de Portugal e da Uni?o Europeia no seu conjunto, traduzem a realidade por todos apreendida. A diminui??o da taxa de nupcialidade ? acompanhada de um aumento da taxa de divorcialidade. Na Uni?o Europeia, no seu conjunto, 1/3 dos casamentos arriscam-se a terminar em div?rcio. Esta realidade demonstra que os casais entendem o casamento e a fam?lia da? resultante, como uma forma de realiza??o pessoal atrav?s da afectividade, que dever? terminar quando a fam?lia assim constitu?da j? n?o represente a unidade que traduz a afectividade. O Projecto de Lei em debate reflecte as muta??es havidas. D? mais um passo no sentido de uma menor intromiss?o do Estado no direito ? intimidade da vida familiar. As solu??es preconizadas merecem, no geral a nossa concord?ncia. Concordamos que n?o seja preciso o requisito da dura??o m?nima do casamento para que se possa requerer o div?rcio por m?tuo consentimento. Concordamos com a redu??o do prazo da separa??o de facto de 6 para 3 anos. N?o concordamos por?m que o prazo de reflex?o no div?rcio por m?tuo consentimento seja aumentado de 3 para 6 meses. N?o h? efectivamente nenhuma raz?o para tal aumento. A n?o ser a preocupa??o de n?o se sofrer o ataque dos antidivorcistas. A verdade ? que s?o raros os casos em que, ap?s proposta uma ac??o, se d? a reconcilia??o entre os c?njuges. Um per?odo de reflex?o de 3 meses, acrescido ainda por cima do prazo que os Tribunais demoram a marcar a 2? confer?ncia, ? per?odo suficiente para pondera??o. D?vidas se nos oferece a solu??o encontrada para uma nova causa de constata??o da ruptura do div?rcio. Estou a referir-me ? proposta para que o div?rcio possa ser decretado com base na separa??o de facto por um ano, se n?o houver oposi??o do outro c?njuge. ? claro que se entende que na base desta proposta est? a tentativa de superar as dificuldades colocadas ao div?rcio por m?tuo consentimento, pela necessidade de acordo em rela??o ? regula??o do poder paternal, ? casa de morada de fam?lia, ? pens?o de alimentos, ? rela??o de bens. Mas esta forma de dissolu??o do casamento se destina a fazer gorar a resolu??o mais c?lere de alguns problemas, e sendo certo que no caso de n?o haver acordo, sempre algumas das quest?es s?o solucionadas ? margem do processo de div?rcio (como a regula??o do exerc?cio do poder paternal, as pens?es de alimentos e a casa de morada de fam?lia) ent?o seria prefer?vel a instaura??o oficiosa de incidentes destinados a resolver as quest?es n?o acordadas. Excepto quanto ? rela??o de bens que nos parece poder ser dispensada dada a possibilidade de recurso ao arrolamento e ao invent?rio, n?o se inviabilizando, desta forma, o div?rcio por m?tuo consentimento, menos traumatizante do que o litigioso. O que vem proposto parece-nos menos transparente e com voca??o para determinar improced?ncia de ac??es. Senhor Presidente Senhores Deputados: O neoliberalismo provoca altera??es profundas nas fam?lias. Provocando a m?xima explora??o, acaba por determinar, contra a sua pr?pria vontade, a reivindica??o do direito ? dignidade, insepar?vel dos direitos individuais. E nessa consci?ncia surge tamb?m a consci?ncia de que o direito ? felicidade assenta na conjugalidade baseada no afecto, e n?o no interesse do Estado. E, por isso mesmo, n?o ser?o estas, seguramente as ?ltimas altera??es a introduzir no Direito de Fam?lia. Disse.

  • Justiça
  • Assembleia da República