Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

Discussão da proposta de lei n.º 81/XIII/2ª— Define os objetivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2017-2019

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Sr.ª Ministra da Justiça,

Queria começar por dizer que esta discussão não permite ainda ultrapassar muitas das dúvidas que têm surgido, praticamente desde há 10 anos — em 2007 —, quando discutimos pela primeira vez a lei de prioridades da política criminal, na sequência da aprovação da lei-quadro da orgânica criminal.

É que, de duas uma, ou aprovamos uma lei inconsequente para não pôr em causa a autonomia do Ministério Público, para não beliscar a própria separação e independência do poder judicial ou, para tornarmos a lei consequente, de facto, temos de pôr em causa esses valores.

Esse tem sido, de resto, o problema, aliás, acho que esta intervenção do Sr. Deputado Carlos Peixoto revela isso mesmo: a intenção de dar consequência à lei é dificilmente compatível com o respeito pela autonomia do Ministério Público e com as competências próprias do Ministério Público em matéria de ação penal.

Sr.ª Ministra, gostava de lhe dizer que continuamos a entender que esta lei é perfeitamente desnecessária e que, pelo contrário, aquilo que devia ser feito não era, de dois em dois anos, retomarmos a discussão e a aprovação de leis de prioridades mas, pelo contrário, ir à lei orgânica da investigação criminal e revogar, de uma vez por todas, a definição desta lei.

E dou-lhe um exemplo, Sr.ª Ministra, da desnecessidade de leis de prioridades de investigação criminal, que foi aquilo que aconteceu entre 2011 e 2015. Aliás, pode até dizer-se que uma das boas coisas que o Governo anterior fez, em matéria de justiça, foi não fazer, foi precisamente onde o Governo não fez que fez alguma coisa acertada.

O Governo anterior — e a anterior Ministra da Justiça era muito conhecida pela crítica que fazia a esta matéria das prioridades de política criminal — decidiu não apresentar uma lei de prioridades da política criminal entre 2011 e 2015. Nós perguntamos: deixou de haver investigação criminal?

Não, não deixou!

Mais: o próprio parecer do Ministério Público, apresentado naquela altura, em 2015, dizia precisamente que, durante esse período de quatro anos, o Ministério Público, no âmbito das suas competências próprias em matéria de ação penal, não deixou de estabelecer objetivos, identificar prioridades, desenvolver projetos de acordo com esses objetivos e essas prioridades, com base na perceção da evolução dos fenómenos criminais e na execução das opções de política criminal subjacentes à legislação penal e processual penal.

Portanto, Sr.ª Ministra, nós, de facto, continuamos convencidos de que esta lei de prioridades da política criminal é perfeitamente desnecessária, porque terá de ser sempre o Ministério Público, no âmbito da sua autonomia, a definir aquelas que são as prioridades, a alocar os recursos e a definir os objetivos em função de tudo isso.

E isto, Sr.ª Ministra, coloca-nos exatamente no mesmo ponto em que temos estado, em que estivemos em 2007 e 2009 e em que estivemos, depois, em 2015, quando o anterior Governo acabou por apresentar uma lei que nós, de forma relativamente acertada na previsão que fizemos, identificámos logo, na altura, como sendo uma lei para o Governo que viesse a seguir. Isso veio mesmo a confirmar-se.

Mas continuamos confrontados com os mesmos problemas. A Sr.ª Ministra fez aqui referência ao RASI e consta, de facto, do anexo que integra a proposta de lei essa referência ao Relatório Anual de Segurança Interna como um elemento-base para que o Governo aponte os critérios das prioridades em matéria de política criminal, mas nós perguntamos, Sr.ª Ministra: há alguma avaliação já feita pelo Governo relativamente à lei anterior, à forma como definiu as prioridades, à forma como foram definidas as opções pela anterior lei de prioridades da investigação criminal?

É que nós encontramos nesta lei a repetição de muitos dos critérios e das opções que foram seguidos na anterior lei, apresentada em 2015, e alguns deles motivo de crítica.

Para terminar, Sr. Presidente, e não abusar da sua tolerância, vou apenas dar um exemplo à Sr.ª Ministra: a prioridade deixa de ser prioridade quando houver risco de prescrição, que é um problema das anteriores propostas e também desta, no n.º 3 do artigo 4.º.

Quanto ao envolvimento do DCIAP e dos DIAP distritais na monitorização, que já aqui foi referido e a que a Sr.ª Ministra já deu resposta, esperamos que ele possa ainda ser ultrapassado.

Relativamente à definição do terrorismo como prioridade, já vinha da anterior lei, já foi motivo de crítica e mantém-se.

Concluo, Sr. Presidente, com esta referência: há um problema que persiste no artigo 15.º, com as equipas especiais, que, sendo constituídas pela Procuradoria-Geral da República e mantendo-se na dependência funcional do Ministério Público, mantêm também a dependência hierárquica dos respetivos membros.

Sr.ª Ministra, nós consideramos que estes problemas não estão em condições de ser resolvidos enquanto continuarmos a discutir uma lei que é, de facto, uma lei de prioridades, sem poder definir efetivamente prioridades, para não pôr em causa a autonomia do Ministério Público, que é, de facto, um valor que julgamos que não pode, de forma nenhuma, ser beliscado.

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