Projecto de Resolução N.º 1487/XII/4.ª

Determina a recomposição e imobilização dos ativos detidos pelo Grupo Espírito Santo, o Banco Espírito Santo e os membros do Conselho Superior do GES

Determina a recomposição e imobilização dos ativos detidos pelo Grupo Espírito Santo, o Banco Espírito Santo e os membros do Conselho Superior do GES

Exposição de motivos

I
A privatização da Companhia de Seguros Tranquilidade e do Banco Espírito Santo (BES) e a sua entrega ao Grupo Espírito Santo (GES), em 1990 e 1991, respetivamente, iniciaram a reconstrução de um grupo monopolista sob a forma original de conglomerado misto, estimulado diretamente pelo Governo de então, já em contraciclo com as conquistas de Abril.

Ao longo de vinte e quatro anos, o GES utilizou uma instituição bancária para alimentar um grupo económico que, favorecido por sucessivos governos, atingiu um gigantismo que é suficiente para, por si só, ameaçar a estabilidade da economia nacional. Contrariamente aos objetivos fixados na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente aos que fixam o equilíbrio entre a economia privada, social e pública, bem como aos que determinam a responsabilidade governamental de combater a formação de grupos monopolistas, os Governos estimularam o crescimento e o alargamento da influência de um grupo económico e financeiro que ia ganhando um peso cada vez maior no funcionamento da economia. Ao mesmo tempo, o BES atingia dimensões que o colocavam cada vez mais claramente no patamar de Banco "demasiado grande para falir", pelas implicações sistémicas que uma tal falência representaria, bem além das implicações diretas para depositantes e investidores, mas alargando-se ao restante sistema financeiro e à atividade económica em geral.

Desde, pelo menos, o início do século, o BES financiava as empresas do próprio grupo em que se inseria. Em 2001 já o auditor externo produzira um relatório apresentado à comissão executiva do BES que alertava para um conjunto de problemas gravíssimos no funcionamento do banco, que representariam potencial risco para os clientes e para o banco. A concessão de crédito sem garantias, ou com garantias por comprovar, muitas vezes sem documentação, a exposição do Banco à situação de empresas do GES, a falta de procedimentos de avaliação do risco de crédito e a subavaliação de passivos ou de imparidades de crédito eram então apenas alguns dos problemas indicados. Desse relatório nunca foi informado o Banco de Portugal. Contudo, também nesse relatório é referido o conhecimento que o Banco de Portugal tem da situação do Banco, nomeadamente da exposição crescente à ESI e à ES Resources.

II
A promoção do BES como exemplo de sucesso da economia portuguesa, a exaltação dos seus quadros dirigentes como modelos sociais, a contratação de várias empresas do GES e o envolvimento do BES em diversos negócios em que o Estado foi parte, nomeadamente privatizações, “parcerias público-privadas”, contratos de leasing, assessorias e consultadorias, são apenas elementos que comprovam a proximidade do grupo monopolista ao poder político. Proximidade essa que por vezes se demonstrou como verdadeiro domínio, tendo o GES beneficiado diretamente de inúmeras medidas e decisões públicas, desde contratações diretas a medidas de desmantelamento do papel do Estado na economia, deixando para os grandes grupos económicos e financeiros uma capacidade de decisão sobre sectores estratégicos que se veio a mostrar absolutamente contrária ao interesse público, como é caso especialmente relevante o da intervenção do BES e GES na PT, resultante não apenas da promiscuidade entre a PT e o GES, mas também da retirada do Estado dessa empresa fundamental, bem como da retirada da Caixa Geral de Depósitos da PT, em cumprimento das orientações da troika estrangeira assumidas com grande empenho e servilismo por parte das instituições nacionais, capturadas pelo poder económico através de PS, PSD e CDS.

A gravidade dos problemas no GES e no BES não tendeu a diminuir. Antes pelo contrário, as práticas do GES e do BES iam expondo cada vez mais gente, cada vez mais empresas, aos riscos que o BES subavaliava para favorecer as empresas do GES e os interesses dos principais acionistas. O Grupo Parlamentar do PCP entende que essas práticas não foram o resultado apenas de reiterada má-gestão, são antes o resultado direto de um sistema financeiro todo ele concebido em função do favorecimento do lucro e da acumulação, regulado por um sistema de regulação e supervisão todo ele pensado e arquitetado para legitimar a apropriação de rendas, lucros e juros por parte do capital financeiro. Não existe contudo, um estádio de manutenção do capitalismo e sempre que os objetivos primordiais da acumulação conflituem com os interesses do Estado, a suposta disciplina e “honradez” dos dirigentes e dos grandes grupos económicos e financeiros sucumbe à maximização do lucro. Aliás, diariamente, o capital financeiro acumula com base numa arquitetura complexa, praticamente indescortinável, com recurso a múltiplas jurisdições, fazendo uso dos biombos internacionais que escondem o branqueamento, a fuga de capitais e a fraude fiscal.

III
O colapso do BES, pela elevada exposição ao GES e pelo desvio de riqueza sob a forma de crédito e de outras remunerações indevidas, pela falsificação de contabilidade, de activos e passivos começou a anunciar-se em meados de 2013. A aplicação da medida de resolução já em 2014 veio mostrar que o Governo, apesar do conhecimento que detinha sobre a situação do Grupo e da exposição do BES ao GES, permitiu que a situação atingisse o ponto de rutura. Os factos conhecidos apontam para vários contactos e para a existência de várias informações que já comprovavam a instabilidade a que estava sujeito o grupo, mesmo antes do conhecimento resultante do exercício de supervisão transversal a clientes de bancos, nomeadamente sobre a falsificação de contas da Espírito Santo International.

A fixação do Governo pela não intervenção do Estado na economia foi fatal para o desfecho e para o colapso de grande parte do GES e do BES, com perdas para o Estado, para o povo, para a economia. Ao contrário do que o Governo hoje afirma, não se tratava de salvar os acionistas ou deixá-los assumir as perdas, tratava-se de impedir a continuação de um rumo de desastre anunciado. Ou seja, ante a eminência do colapso, o Governo tinha a obrigação política de provocar uma intervenção, não no sentido de salvar o interesse privado, mas no sentido de lhe retirar capacidade de intervenção sobre um tão vasto conjunto de recursos fundamentais para a economia, dos quais se destaca o Banco Espírito Santo, mas também outros importantes ativos detidos pela Espírito Santo Finantial Group em Portugal e pela Rioforte ou ES Resources.

O que se veio a passar com o BPN e a Sociedade Lusa de Negócios, grupo em que se inseria, mostrou bem como o PCP tinha razão quanto à medida adequada. Os custos da operação de socialização dos prejuízos e manutenção dos lucros em mãos privadas são a ilustração do desastre que resultou da não consideração de todos os activos do Grupo para equilibrar o balanço da operação pública. O mesmo princípio se deve considerar no caso BES/GES.

As instituições públicas, quer o Governo, quer o Banco de Portugal, ficaram reféns do poder económico e do seu compromisso e submissão perante o grande capital. A intervenção das autoridades, no entendimento dos seus titulares, não podia beliscar o funcionamento regular do capitalismo, esse sim, a verdadeira origem do colapso do BES. Só uma intervenção pública rápida, decisiva e impositiva, poderia ter evitado o colapso do banco e as perdas tidas. A opção do Governo e do Banco de Portugal, porém, resultou claramente na extensão do tempo dado à administração do BES para proceder à sua descapitalização, canalizando os recursos do Banco para empresas várias, umas identificadas, outras por identificar, mas também para consumir a conta de provisão para os lesados do papel comercial vendido aos balcões do BES. Ou seja, ao invés de assegurar no imediato o controlo público do BES, mesmo que viesse a ser necessária a segregação de um "banco-mau", o Governo deveria de imediato ter procedido ao congelamento e imobilização de todos os bens relacionados com o GES, com os principais acionistas do GES e de todos os ativos do BES ou da ESFG sedeados em Portugal. Ao mesmo tempo, o Governo da República deveria - e deve ainda fazê-lo - conduzir um cuidado processo de negociação com os países em que insolveram entidades ou sociedades detentoras de bens e ativos em Portugal.

Tal como o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português propôs para o Grupo Espírito Santo Saúde, nomeadamente quanto à reversão da alienação e à sua integração no património do Estado nas componentes cuja valia tenha significado para o interesse público, importa travar a alienação de outros ativos que possam concorrer para fortalecer o atual Novo Banco e satisfazer os compromissos que possam estar colocados em causa por força do colapso do BES, como é o caso de responsabilidades perante empresas, cidadãos, outras instituições bancárias e o próprio Estado. Para assegurar esse desígnio, é fundamental assegurar a imobilização de todos os bens e ativos, com particular relevo para os que integravam o GES e tenham valor económico em Portugal, mas também os bens e ativos da família e de empresas detidas pelos membros do conselho superior do GES, no sentido de poder ser avaliado o contributo desses ativos para o cumprimento de compromissos assumidos pelo GES e BES que não devem ser transferidos para o Estado.

Para que uma tal estratégia possa ter resultado, não importa apenas a imobilização dos ativos para a valorização do Novo Banco e para o cumprimento de compromissos perante credores, mas é igualmente determinante cancelar o processo de venda do Novo Banco e assegurar o seu fortalecimento enquanto instituição de crédito pública, independentemente do formato que venha a ser considerado o mais adequado. A não concretização destas duas medidas fundamentais concorre para uma desvalorização contínua do Novo Banco e para a concentração capitalista, certamente aprofundando os problemas estruturais da economia portuguesa, entre os quais se encontra certamente o peso excessivo dos grupos económicos e financeiros privados na economia e na política nacional.

Assim, ao abrigo das disposições regimentais e constitucionais, a Assembleia da República resolve recomendar ao Governo que:

1. Adote as medidas legislativas, administrativas e outras necessárias à recomposição e imobilização dos ativos que integravam o Grupo Espírito Santo e o Grupo Banco Espírito Santo sedeados em Portugal, à data da determinação da estratégia de blindagem definida pelo Banco de Portugal.

2. Adote as medidas legislativas, administrativas e outras necessárias à recomposição e imobilização dos bens e ativos detidos, direta ou indiretamente, por membros do conselho superior do Grupo Espírito Santo à data da determinação da estratégia de blindagem definida pelo Banco de Portugal, cujo valor possa contribuir para a compensação dos passivos e de compromissos assumidos pelo Grupo Espírito Santo e Grupo Banco Espírito Santo junto de clientes e entidades privadas ou públicas exteriores ao grupo.

3. Proceda ao acompanhamento e assegure a intervenção necessária à salvaguarda do interesse e da economia nacionais dos processos de insolvência de entidades do Grupo Espírito Santo em outros países.

4. Adote as medidas legislativas, administrativas e outras necessárias ao processo de reversão das alienações já concretizadas ou em concretização, incluindo as respeitantes ao BESI - Banco Espírito Santo Investimento, à Tranquilidade e à Espírito Santo Saúde.

5. Cancele a privatização do Grupo Novo Banco e dos seus ativos, compensando o fundo de resolução com o resultado de potenciais encaixes pela imobilização de ativos do antigo Grupo Espírito Santo e Grupo Banco Espírito Santo, reorientando a direção do Novo Banco para o fortalecimento da instituição e para a manutenção do seu controlo público, subordinando esse controlo ao interesse nacional e a uma política de crédito ao serviço do crescimento económico, do povo e do país, assegurando que o Estado não assume qualquer encargo com o processo resultante da aplicação da medida de resolução.

Assembleia da República, em 22 de maio de 2015

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