Projecto de Lei N.º 468/XIII- 2.ª

Define o Regime jurídico da psicologia em contexto escolar e a contratação e colocação de psicólogos nos estabelecimentos públicos de ensino

Define o Regime jurídico da psicologia em contexto escolar e a contratação e colocação de psicólogos nos estabelecimentos públicos de ensino

A Constituição da República Portuguesa é muito clara na responsabilidade do Estado sobre a Educação. No artigo 73.º podemos ler que é papel fundamental do Estado promover a democratização da educação; contribuir para a igualdade de oportunidades; a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais; “o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida coletiva”.

A Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) assume que “o sistema educativo responde às necessidades resultantes da realidade social, contribuindo para o desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos indivíduos, incentivando a formação de cidadãos livres, responsáveis, autónomos e solidários e valorizando a dimensão humana do trabalho”.

Na União Europeia existe hoje um consenso generalizado quanto ao impacto positivo dos psicólogos no contexto escolar (“Education, Training, Professional Profile and Service of Psychologists in the European Educational System; 2010”), nomeadamente nas áreas de ação e intervenção: saúde mental global da comunidade educativa; efetiva educação para a saúde; melhoria das aprendizagens; prevenção do abandono, da insegurança e da indisciplina; gestão de conflitos entre pares, entre alunos e professores e entre diversos agentes educativos; promoção de competências transversais; processo de tomada de decisão vocacional; inclusão de alunos com necessidades educativas especiais e melhoria das suas aprendizagens; integração de minorias étnicas e melhoria das suas aprendizagens; promoção da igualdade entre homens e mulheres; aproximação dos encarregados de educação à escola; melhoria da saúde mental dos professores; formação do pessoal docente e não docente. Importa salientar que na larga maioria dos países da União Europeia existem, no sistema educativo, equipas de apoio ao trabalho da psicologia em contexto escolar que integram assistentes sociais, profissionais das ciências da educação, animadores socioculturais.

Este impacto positivo tem tido expressão no combate ao abandono e insucesso escolar; maior qualidade na aquisição de conhecimentos e no processo de aprendizagem; maior sinergia de recursos humanos; maior decisão vocacional; mais e melhor saúde sexual e reprodutiva; menor consumo de substâncias psicotrópicas; maior participação dos diversos agentes educativos. Ao reconhecimento e valorização do trabalho dos psicólogos em meio escolar é fundamental que correspondam condições efetivas de estabilidade laboral, pessoal e pedagógica, bem como a possibilidade de ingresso e progressão na carreira.

No entanto, a política educativa de sucessivos governos particularmente durante o Governo do PSD/CDS tem contrariado a Constituição da República Portuguesa e a LBSE pelo contínuo desinvestimento nas condições materiais, humanas e pedagógicas da escola pública, nomeadamente no que aos psicólogos e outros profissionais das ciências da educação diz respeito.

Apesar da legislação existente reconhecer os Serviços de Psicologia e Orientação (SPO) como “unidades especializadas de apoio educativo integrados na rede escolar que “desenvolvem a sua ação nas áreas “do apoio psicopedagógico, orientação escolar e profissional e apoio ao desenvolvimento do sistema de relações da comunidade escolar”; e da criação da carreira de psicólogo dos SPO (DL300/97), o último concurso para a admissão na carreira data de 1997. Desde então a progressão na carreira e mobilidade encontra-se congelada.

O regime de contratação dos psicólogos nas escolas segue os procedimentos previstos nos “Regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário e de formadores e técnicos especializados”, sendo assim contratados, como técnicos especializados, através de contratação de escola. Neste sentido, estes trabalhadores são exemplo do recurso à precariedade

Este tipo de contratação anual, que usualmente é crivada de atrasos na colocação e de grande rotatividade dos trabalhadores leva a que a qualidade da intervenção psicológica seja afetada negativamente, não permitindo um trabalho e planificação continuada. Coloca também em causa a devida inserção e envolvimento mais profundo do psicólogo na escola e na comunidade escolar para dar resposta a necessidades permanentes do sistema educativo.

O PCP entende a psicologia em contexto escolar como um instrumento de reforço da escola pública de qualidade. Assim, apresentamos agora esta iniciativa legislativa que pretende dar um contributo para o ingresso e estabilidade na carreira dos psicólogos e na resposta às necessidades das escolas.

O número de psicólogos nas escolas portuguesas tem vindo a reduzido. Hoje existem nas escolas cerca de 778 psicólogos para 1 280 000 alunos e são vários os casos em que há apenas um psicólogo para 2000 alunos.

Estudos e recomendações internacionais apontam para um rácio de 1 psicólogo para 1000 alunos, os 778 psicólogos no sistema educativo correspondem a um rácio 1 psicólogo para 1645 alunos. Neste sentido e para respeitar estas recomendações internacionais seriam necessários mais de 500 psicólogos nas escolas. Já o Sindicato dos Psicólogos refere que o rácio deveria ser de 1 psicólogo para 500 alunos.

Foi anunciado na discussão de especialidade do Orçamento do Estado por parte do Ministro da Educação a contratação de psicólogos, tentando-se atingir o objetivo de 1 psicólogo para cada 1100 alunos, todavia as verbas são provenientes de fundos comunitários, nomeadamente do POCH.

O PCP considera que estes trabalhadores são essenciais às escolas, tendo de existir e número suficiente para poderem dar resposta às necessidades daquelas, e nesse sentido, as verbas a sua contratação devem ser previstas anualmente em Orçamento do Estado (e não através de fundos comunitários), inseridas nas transferências para os orçamentos de funcionamento dos estabelecimentos de ensino.

A continuidade da política de degradação das condições de trabalho dos psicólogos em contexto escolar, com consequências gravosas para estes profissionais e para toda a comunidade educativa, põe em causa a qualidade da Escola Pública, de Qualidade, Democrática e Inclusiva para todos.

Com a apresentação deste Projeto de Lei o PCP pretende que os estabelecimentos públicos de ensino pré-escolar, básico e ensino secundário tenham, nos seus quadros de pessoal e de acordo com as necessidades específicas da comunidade escolar, o número adequado de psicólogos. Considerando também a situação precária destes trabalhadores, criamos também um regime de recrutamento e contratação de psicólogos, deixando de se aplicar a estes trabalhadores as normas do regime de recrutamento e contratação docente.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Objeto

A presente lei define o regime jurídico da psicologia em contexto escolar, bem como o regime de contratação e colocação de psicólogos nos estabelecimentos públicos de educação e ensino.

Artigo 2.º
Âmbito

A presente lei aplica-se a todos os estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário.

Artigo 3.º
Conteúdo funcional

O Governo fixa o conteúdo funcional do trabalho dos psicólogos em contexto escolar e os termos da sua concretização, através de legislação própria, assegurando:
a) A capacidade de intervenção do psicólogo com formação na área da psicologia educacional junto da comunidade escolar;
b) A capacidade de desenvolver intervenção psicológica baseada nas necessidades da comunidade escolar, sejam elas de carácter preventivo, promocional ou remediativo, de forma direta ou com base em modelos de consultadoria, nos domínios da aprendizagem, das relações interpessoais, da inclusão e da orientação vocacional, orientada para os alunos, para os diferentes agentes educativos e para a escola enquanto estrutura organizacional.
c) A possibilidade de colaboração ou participação em equipas multidisciplinares constituídas nas escolas e de apoio à comunidade docente, para efeitos pedagógicos;
d) Outros serviços de psicologia, que possam ser definidos no âmbito da autonomia escolar.

Artigo 4.º
Psicologia em meio escolar

1 - Os estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico ou secundário, são dotados de um quadro de pessoal para apoio à comunidade escolar, durante todos os tempos letivos diurnos, que assegura o funcionamento do serviço de psicologia e acompanhamento vocacional, nos seguintes termos:
a) Em escolas agrupadas: um psicólogo a tempo inteiro por cada 800 estudantes inscritos
b) Em escolas do 2.º ciclo do ensino básico não agrupadas: um psicólogo a tempo inteiro;
c) Em escolas do 3.º ciclo do ensino básico não agrupadas:um1 psicólogo a tempo inteiro;
d) Em escolas secundárias não agrupadas: um psicólogo a tempo inteiro por cada 800 estudantes;
e) Em escolas básicas integradas, ou secundárias com ensino básico não agrupadas: um psicólogo a tempo inteiro por cada 800 estudantes;
f) Em escolas básicas integradas, escolas do 2.º e 3.º ciclo do ensino básico e em escolas secundárias com número inferior a 800 estudantes inscritos ou os agrupamentos de escolas com número inferior a 800 estudantes inscritos: um psicólogo a tempo inteiro por cada estabelecimento de ensino.
2 - É permitido aos estabelecimentos públicos de ensino o reforço do número de psicólogos, atendendo ao número de alunos com necessidades educativas especiais e às especificidades geográficas de cada agrupamento de escola, nos termos de regulamentação específica.
3 - Aos estabelecimentos públicos com ensino secundário e aos agrupamentos de escolas é assegurada a possibilidade e garantidos os meios para contratação, se for essa a sua opção no âmbito da autonomia escolar, de um profissional de Ciências da Educação, para apoio a toda a comunidade escolar.

Artigo 5.º
Recrutamento e colocação de psicólogos nos estabelecimentos públicos de ensino

1 - O recrutamento e colocação de psicólogos nas escolas, de acordo com o artigo anterior, são concretizados através de concurso nacional de colocação por lista graduada de acordo com o tempo de serviço e classificação profissional, a realizar anualmente, nos termos da legislação aplicável à contratação em funções públicas.
2 - O Governo, através do Ministério da Educação, fixa anualmente os termos do concurso de colocação de acordo com as necessidades identificadas no sistema educativo, nomeadamente com as necessidades identificadas por cada agrupamento de escolas ou escolas não agrupadas e com o disposto no presente artigo.

Artigo 6.º
Mobilidade

Aos psicólogos é assegurado um regime concursal de mobilidade, nos termos de legislação específica.

Artigo 7.º
Multidisciplinariedade

1 - Os psicólogos em meio escolar podem desenvolver a sua atividade em conjunto com equipas multidisciplinares, Serviços de Psicologia e Orientação nas escolas.
2 - O previsto no número anterior aplica-se aos psicólogos colocados de acordo com o regime concursal previsto no número anterior
3 - Sem prejuízo do conteúdo funcional específico do papel definido na presente lei, os psicólogos colaboram na definição e execução de projetos da comunidade escolar e da escola ou agrupamento.

Artigo 8.º
Norma Regulamentar

O Governo regulamenta a presente lei 60 dias após a sua publicação.

Artigo 9.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com a Lei do Orçamento do Estado subsequente à sua aprovação.

Assembleia da República, 24 de março de 2017

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