Intervenção de

Declaração sobre a &quot;Reforma do Sistema Político&quot; (conferência de imprensa)<br />Intervenção do Deputado António

Sobre este tema ver também: Atracção pelas falsas soluções - Octávio Teixeira no "Diário Económico" -07.05.2002 Sem punhos de renda - Vítor Dias no "Semanário" - 02.05.2002Senhores Jornalistas,Como sabem, a chamada "reforma do sistema político" voltou à ordem do dia da Assembleia da República. Não estamos propriamente perante uma novidade. Desde há mais de vinte anos que, no início das legislaturas, no final das legislaturas, e antes, durante e após os sucessivos processos de revisão constitucional (e foram seis nos últimos vinte anos) que os dois maiores partidos elegem a "reforma do sistema político" como o alpha e o ómega da resolução dos problemas nacionais.O PCP encara com entusiasmo e empenhamento quaisquer medidas que possam ser tomadas no sentido de valorizar a participação dos cidadãos na vida política e de contribuir para uma prática que prestigie a actividade dos órgãos de soberania e dos eleitos políticos em geral, perante o povo a quem devem a eleição e a quem devem regular e seriamente prestar contas da sua actuação.Em todo o caso, é preciso afirmar com toda a clareza que não há um problema de sistema político em Portugal. O sistema político e constitucional vigente, tem permitido, no essencial, o funcionamento regular das instituições democráticas. Os maiores problemas com que o povo português se confronta não são os que decorrem da configuração do sistema político. As baixas pensões e os baixos salários, o acesso a cuidados de saúde e a um sistema educativo gratuito e de qualidade, esses sim, são os problemas que estão seguramente no centro das preocupações dos portugueses.O descrédito em que a vida política vai caindo aos olhos de muitos cidadãos, e que se traduz em quebras preocupante da participação eleitoral, não resulta de qualquer repúdio popular em relação ao sistema de representação proporcional ou à existência de círculos plurinominais para a Assembleia da República. O descrédito da vida política resulta acima de tudo da prática de certos políticos que prometem muito antes de eleitos a fazem pouco depois de eleitos e de governantes que, uma vez empossados, esquecem tudo o que prometiam quando estavam na oposição. No entanto, também desta vez, a legislatura começou sob o signo da "reforma do sistema político", e também desta vez, os dois maiores partidos se apresentam com propostas que, a avaliar pelo que foi tornado público, em vez de contribuírem para aperfeiçoar o sistema político e valorizar o papel dos cidadãos, se traduzem afinal na repetição de propostas já estafadas de instrumentalização do sistema político a favor de interesses partidários.Quando se verifica que a intenção dos dois maiores partidos quanto à "reforma do sistema político" volta a traduzir-se nomeadamente na insistência já obsessiva da redução ainda maior do número de deputados e na introdução de círculos uninominais de candidatura à Assembleia da República, chega-se mais uma vez à conclusão que o que move os dois maiores partidos é, afinal de contas, reduzir ainda mais a proporcionalidade do sistema eleitoral e a pluralidade da composição da Assembleia da República por forma a obterem alternadamente na secretaria as maiorias absolutas que os eleitores lhes negam nas urnas.Assim, no processo de "reforma do sistema político" cujo início agora se anuncia, o PCP bater-se-á contra nova redução do número de deputados à Assembleia da República. A redução do número de deputados não obedece a qualquer intuito sério de valorizar o trabalho da Assembleia da República. Os argumentos que agora são utilizados para defender a redução de 230 para 180 deputados são precisamente os mesmos que foram utilizados em 1989 para impor a redução de 250 para 230, facto que teve como único resultado, não o aumento da qualidade do trabalho da Assembleia da República, mas antes, a redução da proporcionalidade e a acentuação artificial da bipolarização. Não há um único problema do sistema político que seja resolvido com a redução do número de deputados. Se com o actual número de deputados (230), Portugal já possui um Parlamento reduzido em termos numéricos, com 180, tornar-se-ía um dos mais exíguos parlamentos mundiais. Não estamos a comparar com os 1736 deputados britânicos, com os 956 italianos, com os 898 franceses ou com os 741 alemães ou com os 607 espanhóis. Estamos a comparar com os 247 da Áustria, os 221 da Bélgica, os 300 da Grécia, os 225 da Holanda ou os 349 da Suécia.Dizer, como diz o PS, que defende a redução do número de deputados para 180 sem prejuízo da proporcionalidade, releva de uma total hipocrisia, na medida em que a redução da proporcionalidade é exactamente o único objectivo visado com essa alteração.Por outro lado, o PS volta a insistir na criação dos círculos uninominais. Depois do triste espectáculo dado na passada legislatura, em que um deputado, em nome de supostos interesses de um município que afirmava representar no Parlamento, aceitou viabilizar Orçamentos do Estado na base de um negociata sem princípios, para descrédito da vida política portuguesa, volta o PS a insistir na criação de um modelo de representação que tornaria o Parlamento numa soma de "deputados limianos", tornando meia Assembleia da República numa câmara de procuradores locais. E não deixa de ser irónico que, mais uma vez, os partidos que tudo fizeram para transformar as eleições para a Assembleia da República na eleição directa de supostos "candidatos a Primeiro-Ministro" se mostrem agora muito preocupados com a "ligação entre os eleitos e os eleitores". O objectivo é, evidentemente, outro. O objectivo é, mais uma vez, reservar aos dois maiores partidos o direito de eleger deputados, remetendo à irrelevância e à ausência de representação o voto dos eleitores que não se conformem com esse falso direito de escolha. Para o PCP, o caminho da reforma do sistema político, deve ser outro. Em matéria de sistema eleitoral, a prioridade deve ser o reforço da proporcionalidade, já tão debilitada no actual sistema, nomeadamente através de um reequilíbrio da representação regional e da adopção de sistemas de aproveitamento de muitos milhares de votos que, devido às actuais distorções, não contribuem para a eleição de qualquer deputado. A reforma do sistema político deve passar pela urgente revisão do Regimento da Assembleia da República, valorizando o debate político e a capacidade deste órgão de soberania para fiscalizar devidamente a actividade do Governo e da Administração Pública. O que passa, por uma melhor conjugação e valorização da actividade do Plenário e das Comissões, pela reformulação do mecanismo das "perguntas ao Governo" (acabando com o absurdo direito de escolha, pelo Governo, das perguntas a que se propõe responder), e por uma pronta e regular presença dos membros do Governo (e concretamente do Primeiro-Ministro) na Assembleia da República.A reforma do sistema político deve passar, acima de tudo, pela valorização da iniciativa dos cidadãos junto da Assembleia da República. Nesse sentido, o PCP proporá a reformulação do regime de apreciação das Petições e a regulamentação legal do direito dos cidadãos apresentarem projectos de lei à Assembleia da República, que a Constituição já consagra, mas cuja aplicação tem vindo injustificadamente a ser protelada pelos maiores partidos.No processo de "reforma do sistema político" que agora se inicia, o PCP não deixará de se empenhar, mas pautará a sua actuação pela apresentação de propostas que visam seriamente melhorar a qualidade da representação política (com o reforço da proporcionalidade do sistema eleitoral), melhorar o funcionamento da Assembleia da República e a sua relação com os eleitores e, acima de tudo, valorizar a participação dos cidadãos na vida política.

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