Intervenção de

Declaração política sobre os direitos humanos e os direitos dos trabalhadores - Intervenção de Odete Santos

Senhor Presidente
Senhores Deputados

Há bem pouco tempo comemoraram-se os 50 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

E foi tempo de ouvir falar de dignidade. Todos os direitos para todos
como se proclamava num Relatório do Alto Comissariado para os Direitos
do Homem das Nações Unidos.

Este acontecimento que justamente se celebrou e o avizinhar do próximo
Milénio, tornam mais chocante muitas realidades quotidianas que
patenteiam chocantes violações de elementares direitos do ser humano.

Chocante foi ver anunciar, por exemplo, que a Ford Electrónica oferece
o despedimento aos trabalhadores que ao seu serviço contraíram uma
grave doença profissional vulgarmente chamada tendinite.

Chocante, foi ver a forma como a Ford Electrónica anunciava aos
trabalhadores esse remédio amargo para as lesões irreversivelmente
contraídas ao serviço dos lucros da multinacional.

Em vésperas de Natal, em carta Ford Electrónica anunciou aos
trabalhadores que eufemisticamente trata de colaboradores, aos
trabalhadores que privou do direito à saúde, do direito á realização
profissional no trabalho, um pacote de benefícios! Textualmente. Os
benefícios anunciados são pura e simplesmente, o desemprego com míseros
patacos que a empresa se propõe negociar com os trabalhadores, dando
preferência às trabalhadoras mais afectadas por tendinite ou com sérios
riscos de agravamento do seu estado clínico.

À missiva da empresa não falta o remate cínico de quem se arroga o
direito de lesar a saúde de quem trabalha. A carta termina
despudoradamente com a afirmação de que assim ( com o despedimento) se
dá um passo frente para a resolução do problema provocado pelas
tendinites. E de que assim ( com o despedimento) se proporciona aos
profissionais afectados por tendinite, a continuação da carreira
profissional nas melhores condições possíveis de modo a que atinjam a
sua realização pessoal e profissional.
Tartufo não diria melhor!

Mas se isto é um escândalo, a verdade é que a indiferença das
multinacionais à vida dos trabalhadores, acentuada pelo retrocesso que
no último quartel deste século se verificou relativamente aos direitos
humanos dos trabalhadores, aquela indiferença não nos espanta.

A Ford Electrónica conseguiu um subsídio do Estado Português de 10
milhões de contos, usando de má fé ao omitir que o seu sistema de
produção causava graves doenças profissionais aos trabalhadores.

Sim, porque depois do que aconteceu no Brasil, onde milhares de
trabalhadores ficaram afectados de tendinite, a multinacional sabia que
em Portugal iria lesar a saúde de seres humanos.

Mas de uma multinacional que se deslocaliza procurando sempre melhores
condições de exploração de quem trabalha, não admira que se tivesse
calado. Não admira que não tivesse corrigido a sua estrutura produtiva,
porque para ela valem mais os cobres que assim poupou, do que a saúde
dos outros.

Dos que chama de colaboradores.

E também não admira que tivesse escondido a doença profissional
enviando os trabalhadores lesionados para a Segurança Social se
tratasse.

E que tivesse tentado fazer passar a ideia de que a situação não era
grave, e de que todas as denúncias eram manobras dos Sindicatos.

Mas há outro maior escândalo de espantar!

O que espanta e revolta é a indiferença com que o Governo trata este
grave problema, que grassa noutras empresas, mas que assume maior
relevância na Ford Electrónica pelo número de trabalhadores afectados.
Na maioria jovens. Na maioria mulheres.

O anterior Governo nada fez. É certo.

Mas desde que o PCP aqui começou a denunciar a gravidade da situação (
e tal aconteceu ainda com a anterior Ministra do Emprego, e tal
aconteceu por várias vezes, a última das quais no início do corrente
ano) o que é que o actual Governo fez para impor à multinacional o
respeito pelas normas nacionais e mesmo internacionais, que protegem a
saúde dos trabalhadores ?

Pouco mais que nada. E o pouco que diz ter feito de nada serviu porque
as tendinites continuaram a aumentar incapacitando gente jovem,
cerceando-lhe a sua felicidade, tornando inúteis para as crianças os
braços das suas mães.

Até um estudo que o senhor Ministro da Solidariedade prometeu
encomendar para que correctamente se ordenassem as medidas a
implementar pela empresa se foi por água abaixo, não passando de uma
promessa.

Pergunta-se: Por que motivo não se cumpriu a legislação sobre higiene,
saúde e segurança no trabalho que impõe a realização de estudos como o
prometido?

A quem deve o Ministério a Solidariedade que ostenta no nome? Aos trabalhadores ou às multinacionais?

A verdade é que a Ford Electrónica continuou a laborar sem um estremecimento...

A verdade é que mais dia menos dia demandará outros rumos, incólume,
sem ser responsabilizada pela violação de elementares direitos humanos
dos trabalhadores.

E pergunta-se ainda:

Perante a denúncia de que a Ford pretende tratar as tendinites com
despedimentos, o que é que o Ministério já fez para pôr cobro a mais
uma arbitrariedade?

Nada.

Em matéria de sinistralidade laboral a política deste Governo saldou-se
por uma lei de favorecimento das seguradoras, que se viu forçado a
apresentar dadas as iniciativas legislativas do PCP, e por gritantes
inércias em casos como os da Ford Electrónica.

Sendo revoltante tanta indiferença, a verdade é que não admira que a
verdadeira solidariedade, esteja praticamente ausente da política
laboral deste Governo.

Porque o Senhor 1º Ministro, procede como se tivesse um compromisso,
quase um Pacto de Sangue, com as grandes Centrais patronais,
hipotecando-lhes o futuro dos trabalhadores, o futuro do País.

Foi isso que resultou das posições do Ministério do Emprego e do Senhor
1º Ministro relativamente à lei da flexibilidade e polivalência,
menorizando a Assembleia da República face a uma dita Comissão de
Acompanhamento criada no âmbito da Concertação Social, tendo sido
instruída a Inspecção do Trabalho para adoptar a interpretação de que
as pequenas pausas destinadas a preservar a saúde dos trabalhadores não
são tempo de trabalho.

Na luta porfiada e prolongada que os trabalhadores travaram pela defesa
das suas conquistas, o Ministério do Emprego foi solidário com o grande
patronato, honrando os pactos do Senhor 1º Ministro:

E é isso também que se passa com a aplicação da lei que transpôs a Directiva sobre tempo de trabalho.

As Centrais do grande patronato, perturbadas com a aprovação de uma
proposta do PCP que consagra, de facto, as pequenas pausas como tempo
de trabalho, logo obtiveram a ajuda do Director Geral das Relações
Colectivas de Trabalho, do próprio Ministro, para que numa
interpretação absurda da lei, se continuasse a impor à Inspecção de
Trabalho o agir em conformidade com os interesses patronais.

Mais uma vez contra o que a Assembleia da República aprovou. E para honrar os compromissos do Senhor 1º Ministro.

E as promessas feitas em Campanha eleitoral, à luz do dia? Que valor têm para o Governo?

Relativamente à solidariedade devida aos trabalhadores estamos conversados.

Porque adoptando medidas cuja falência já é bem evidente mesmo em
países que se apresentaram em miragens, o Governo quer ainda
flexibilizar mais, desregulamentar mais, solidarizando-se com o poder
económico e demitindo o Estado da protecção devida aos direitos dos
trabalhadores. E falamos do diploma sobre trabalho a tempo parcial, com
que noutros países se mascaram as altas taxas de desemprego, e se
formam os novos pobres - os que empobrecem a trabalhar. Com que noutros
países se feminiza ainda mais a pobreza.

E depois venham falar de igualdade relativamente às mulheres.

O objectivo da igualdade conhece e conhecerá retrocessos com medidas que flexibilizem e desregulamentem as relações laborais.

Senhor Presidente
Senhores Deputados

A luta dos trabalhadores impôs-se às tentativas de maior flexibilização.

Com a incomodidade manifesta do Governo.

Mas é necessário que o Governo saiba que sendo a Assembleia o órgão
legislativo por excelência em matéria de direitos dos trabalhadores é à
Assembleia que os trabalhadores recorrem usando de um direito, quando
emitem os seus pareceres sobre a legislação laboral.

Ao contrário do que o Senhor 1º Ministro disse a uma dirigente Sindical
da Função Pública que em Castelo Branco o interpelou, os trabalhadores
não fazem negociatas na Assembleia.

Os trabalhadores reclamam a manutenção de direitos, a consagração de novos direitos.

E não são pedra de um tabuleiro de xadrez a que se dê xeque-mate.

Neste quinquagésimo aniversário dos Direitos Humanos, os trabalhadores
continuam a lutar pela dignidade. Pelo direito à cidadania.

Disse.

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