Intervenção de

Declaração política, reprovando a aplicação da proibição aos funcionários dos tribunais de prestarem declarações à comunicação social, bem como de esta recolher imagens no interior dos tribunais<br />Intervenção de Odete Santos

Sr. Presidente e Srs. Deputados,Confessadamente, há muito que o actual Ministro Alberto Costa ambicionava a pasta da Justiça, por tal forma que, enquanto Ministro da Administração Interna, se popularizou através da caracterização feita pela comunicação social da seguinte maneira: «Este não é o meu ministério! Esta não é a minha polícia!». Sendo tão antigo o sonho, esperava-se do Ministro que tivesse um programa coerente para resolver a crise da Justiça, dando-lhe as características de um serviço público, ao dispor de todos os cidadãos. Assim não é, de facto! A estratégia do Governo relativamente à Justiça começa a ficar cada vez mais clara, num percurso sinuoso. Apresentados os magistrados, os funcionários judiciais e os advogados como privilegiados, estava criada uma eventual desconfiança e descrédito sobre denúncias que os mesmos fizessem acerca das precárias condições de trabalho. Falava-se, lá por fora, que, para o Sr. Primeiro-Ministro, aqueles senhores tinham férias de luxo, tinham serviços sociais de luxo, se calhar, quanto às condições de trabalho, não seria tanto assim como diziam. Mas a verdade irrompe sempre, como aconteceu, por exemplo, aquando da inundação de águas pluviais no tribunal de Braga ou do incêndio no tribunal de Tavira. E se em Tavira, a Sr.ª Directora-Geral da Administração da Justiça não conseguiu impedir que, em nome da independência dos tribunais, a Juíza Presidente prestasse declarações à comunicação social, já em Braga funcionou em pleno a «lei da rolha», e o Governo, através da Directora-Geral, proibiu a RTP de proceder à recolha de imagens no interior do tribunal, dando provas de que «faz gato sapato» da soberania dos tribunais, afirmada constitucionalmente. A equipa da RTP foi impedida pelo Governo de filmar os baldes de água espalhados para recolher a água das chuvas num tribunal inaugurado em 1995 e sujeito, há dois anos, a obras de recuperação. Sim que o sobressalto do Sr. Ministro foi, com certeza, muito, quando anteriormente foi confrontado com as imagens transmitidas pela televisão de caso idêntico, sucedido no tribunal de Vila Nova de Gaia! Pela forma como o Sr. Ministro da Justiça defende as proibições da Direcção-Geral, não é difícil visionar para a série da BBC Sim, Sr. Ministro um episódio sobre a gestação de uma circular daquela Direcção-Geral, emanada pouco depois dos episódios de Braga e de Tavira. «Sim, Sr. Ministro» — e a circular correu célere, com um mandato de silêncio para os funcionários judiciais, com a privação do poder de decidir sobre recolha de imagens pela comunicação social no interior dos tribunais, poder que só ao Juiz Presidente pertence efectivamente e não à Directora-Geral. Mas a Directora-Geral, da confiança política do Governo, quer, para ela, este poder, para que não se vejam as condições em que se trabalha nos tribunais. Os funcionários de justiça são intimados a colocar superiormente — ao Secretariado da Direcção-Geral da Administração da Justiça — quaisquer pedidos de declarações que um jornalista lhe apresente sobre matéria de serviço (isto consta da circular), a saber, sobre a situação de degradação de instalações, a acumulação processual, as horas extraordinárias que se fazem, etc. Tudo isto é matéria de serviço, e isto é a «lei da rolha»! Cabe mesmo perguntar: também quer a Directora-Geral controlar a actividade sindical nos tribunais? Mas se isto não fosse suficiente, e para dar razão ao aforismo popular «não há duas sem três», a recente crise na Polícia Judiciária vem também juntar mais alguns indícios de que prossegue a já identificada intenção de governamentalizar a investigação criminal. E este é um ponto sempre nevrálgico. É aqui que o poder Executivo se sente constantemente ameaçado pela independência dos tribunais — «não vá o diabo tecê-las!» e revelar crimes incómodos… A estabilidade na Polícia Judiciária é de extrema importância. No entanto, há muito que não vem sendo concedida. E já que o Sr. Deputado Paulo Rangel revelou casos passados, eu diria que não só agora (agora, é com mais intensidade) mas também no tempo do governo PSD/CDS se sucederam demissões na Polícia Judiciária, precisamente na área do crime económico-financeiro. A estabilidade na Polícia Judiciária é de extrema importância, repito. A investigação criminal que se quer moderna, no combate às formas sofisticadas de crime, não se compadece com cortes orçamentais, com a degradação dos meios ao dispor desta polícia. Por asfixia financeira, já se tornou quase rotina o pedido feito pela PJ à GNR e à PSP para a inquirição de testemunhas e arguidos nos seus próprios inquéritos. A questão da investigação criminal e da Polícia Judiciária é, de facto, um ponto importante. Daí que tenha vindo a ser objecto de várias tentativas de governamentalização, sucedendo-se demissões, como referi, já no anterior governo. O despacho do Sr. Primeiro-Ministro José Sócrates a demitir o Director-Geral da Polícia Judiciária é elucidativo e inaudito. A demissão é justificada, segundo se diz no despacho, por não ser sustentável uma posição institucional desconforme com o pleno exercício por parte do Governo da liberdade de acção político- legislativa. Ou seja: por falta de confiança política. A investigação criminal tem de ser independente do poder político. O PS já teve esta opinião — há muitos anos!… Já se esqueceu… No nosso modelo, a investigação criminal tem de ser independente do poder político. A anunciada transferência das relações com a Europol e a Interpol para o tal gabinete de coordenação e segurança seria mais um caminho no sentido da desjudicialização da investigação criminal. Enfim, vamos ver o que acontece… Mas também, se se fizer a governamentalização da Polícia Judiciária, também isto não é o fundamental para o Partido Socialista; o fundamental é governamentalizar de qualquer maneira. E este foi um episódio «Costa versus Costa», que vamos ver como será dirimido. Tratar-se-ia de uma opção que causaria a maior das preocupações na área dos direitos, liberdades e garantias. Vai ficando cada vez mais claro que a chamada «lei da política criminal» não passa de mais um instrumento neste caminho da governamentalização. Esta política, na área da justiça, é avessa a um modelo de justiça ao serviço dos cidadãos — e aí, tardam as medidas. Pudera, não! Os objectivos do Governo são outros e vem cumprindo um programa avesso ao modelo constitucional de justiça. O Sr. Ministro da Justiça, perante o actual modelo legal, que ainda o é, da Polícia Judiciária, pode continuar a dizer: «Esta não é a minha polícia!».

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