Declaração de Voto sobre o Código de Trabalho<br />Apresentada pelo Deputado Bernardino Soares

Senhor Presidente, Senhores Deputados, Apesar da propaganda que apresenta o Governo como sendo um Governo em acção, como um Governo de reformas, como um Governo de mudanças, nada disso se pode confundir com a realidade do país.Ao contrário do que a maioria tenta a todo o custo apregoar, o país não está mais moderno, nem mais reformado. O país está em crise, vê avolumar-se o seu atraso e enfrenta um gravíssimo ataque aos direitos dos trabalhadores e das populações. A desigualdade cresce e degradam-se as condições de vida e de trabalho.O que verdadeiramente marca a acção deste Governo e desta maioria na sessão legislativa que agora termina é um profundo retrocesso legislativo, económico e social.Para além disso, como mais uma vez se comprovou nas votações que acabámos de efectuar, o Governo e a maioria ficarão para a história como os campeões das inconstitucionalidades, tal o número de violações à Constituição que teimosamente quiseram impor.Foram as primeiras alterações em matéria de televisão, foi o rendimento mínimo garantido – agora social de inserção – foram as regras do domínio hídrico na Madeira, foram as regras sobre aposentações na Função Pública, foram agora a Lei dos Partidos e o Código do Trabalho.Neste processo como noutros o Governo começa sempre por jurar que não há inconstitucionalidades, para depois ter de dizes que afinal havia mas eram poucas.No caso do Código de Trabalho, o Governo diz agora que só foram declaradas quatro inconstitucionalidades. Mas isso não significa que outras não existam, porque o Tribunal Constitucional só se pronunciou sobre as matérias sob solicitação do Presidente da República. E mesmo as inconstitucionalidades declaradas têm óbvios efeitos noutras normas, também elas inconstitucionais, e fixam nalguns casos interpretação conforme à Constituição, que contraria a vontade evidente do Governo e do grande patronato. Nada disto significa que não venhamos a ter, e certamente teremos, muitas fiscalizações concretas da constitucionalidade. Mas entendemos também, que os que contestam a constitucionalidade de muitas das normas deste Código devem utilizar as prerrogativas que assistem aos deputados em matéria de fiscalização sucessiva abstracta da constitucionalidade. Pela nossa parte manifestamos desde já essa disponibilidade e intenção, na certeza de que este processo não acaba aqui.Para além da questão constitucional, não pode contudo ser desvalorizada a questão política. É que, independentemente da conformidade ou não com a Constituição, o Código de Trabalho é politicamente inaceitável e merecerá a contestação política do PCP e certamente de muitos trabalhadores. E estamos certos que acabará por ser derrotado na vida. Esta maioria entende a Constituição como obstáculo à sua política anti-social, como obstáculo aos seus ímpetos privatizadores. A maioria vai lançando a espantosa e inaceitável doutrina de que a Constituição é um entrave aos avanços na nossa sociedade, quando o que ela é de facto é um entrave à sua política de direita e aos retrocessos que ela impõe.As reivindicações de uma futura “limpeza” constitucional, devem prevenir todos os que contestam esta política, especialmente aqueles que nas revisões constitucionais assumem a co-responsabilidade das alterações feitas.O Código de Trabalho, verdadeiro pacote laboral de diminuição de direitos é um exemplo da obsessão do Governo em diminuir direitos e remover obstáculos à exploração de quem trabalha; é um exemplo de que o Governo despreza a preservação da vida familiar, ao agravar as condições de precariedade e incerteza em que trabalham as mães e os pais deste país; é um exemplo de como o Governo compromete o futuro das novas gerações, quando lhes destinar seis anos de contratos a prazo, ou lhes quer negar os direitos das convenções colectivas duramente conquistadas pelas gerações anteriores de trabalhadoresNuma situação de maioria absoluta de facto mais se justifica o exercício pleno das responsabilidades fiscalizadoras da AR, pelo debate político e pelos instrumentos regimentais, incluindo as comissões de inquérito, por exemplo em relação ao Hospital Amadora Sintra, em que a criação de uma comissão de inquérito cada vez mais surge aos olhos de todos como indispensável para um mínimo de transparência e esclarecimento, o que a maioria teima em recusar, receosa dos seus efeitos sobre os negócios em curso de privatização de mais hospitais.Com a lei de bases do financiamento do ensino superior público hoje aprovada, o Governo determina um grave aumento das propinas para todos os que frequentam este ensino, apesar de a Constituição atribuir ao Estado a responsabilidade de “Estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino”; o Governo financia o Ensino Superior Privado, aos mais diversos níveis, agravando simultaneamente o desinvestimento no sector público; cria um regime de Acção Social Escolar, que funcionará não para superar as desigualdades económicas dos candidatos ao Ensino Superior Público, mas de acordo com as disponibilidades financeiras do Orçamento de Estado; o Governo discrimina negativamente todas as instituições do Ensino Superior Público, retirando-lhes apoios nas áreas científicas e de investigação, enquanto assegura estes apoios no ensino superior privado.A metodologia atabalhoada e apressada imposta pelo Governo e pela maioria, impediu que tão importante matéria fosse objecto de uma discussão ampla e participada, não tendo sido possível, por exemplo, que o Conselho Nacional de Educação formulasse, como desejava e lhe competia, o respectivo parecer em tempo útil. As propostas da comunidade educativa não foram também consideradas.A proposta de lei do Governo não garante a igualdade de oportunidades, a democratização do Ensino Superior Público e não tem em conta a necessidade de qualificação dos portugueses e o desenvolvimento do país.Nestas duas matérias se demonstra bem que o Governo quer manter o mesmo modelo económico e social, não apostando na qualificação dos portugueses e aumentando a exploração dos trabalhadores.Este é o modelo do governo para o país: mais elitismo e menos qualificação, Mais discriminação e menos direitos, mais atraso e menos desenvolvimento.

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