Intervenção de

Debate sobre a Presidência Portuguesa da União Europeia<br />Intervenção do Deputado Honório Novo

Senhor Presidente Senhores Membros do Governo Senhoras e Senhores Deputados A 5 de Janeiro deste ano, o PCP afirmou que o Programa da Presidência Portuguesa da União Europeia não colocava como objectivos centrais iniciativas políticas próprias e inovadoras que, interessando a Portugal, pudessem reproduzir preocupações gerais de coesão e de solidariedade. O virar da página deste "semestre português" confirma no essencial as afirmações do PCP. A Presidência Portuguesa não soube ou não quiz influenciar positivamente o conteúdo de políticas comuns e de orientações globais que exercem fortes constrangimentos ao nível das capacidades económicas de muitos dos Estados-membros. O Conselho de Agricultura de Évora saldou-se por uma ronda turística dos Ministros dos Quinze e um total vazio de decisões. Nada foi decidido para eliminar a insuficiência de quotas leiteiras, para adequar as quotas de tomate, para definir novas e positivas orientações para as próximas reformas de organizações comuns de mercado, fosse nas frutas e legumes, no arroz ou na batata. Muito menos esta ronda turístico-ministerial se preocupou em debater bases para reparar as injustiças orçamentais da PAC que assim continua a prejudicar os países do Sul e a favorecer a indústria agro-alimentar do Norte da Europa. O mesmo se pode dizer das Pescas. O PCP considera que a Presidência Portuguesa não só não foi capaz de criar condições para que países como Portugal possam voltar a pescar na Gronelândia, como também não resolveu o problema do acordo de pescas com Marrocos. A frota nacional está parada há sete meses (!), os apoios terminaram no final de Junho, a Presidência Portuguesa nem sequer conseguiu determinar a renovação de compensações para quem quer trabalhar mas está impedido de produzir. Quanto à definição de políticas concretas que dessem conteúdo real ao estatuto ultraperiférico de regiões como os Açores ou a Madeira, o Conselho da Feira não podia ser mais claro: um repetir de declarações de boas intenções, um enorme vazio de medidas concretas, mais seis meses de espera para açorianos e madeirenses. Alguns comentadores e colunistas têm afirmado que neste semestre da Presidência, Portugal se prestigiou nos contextos europeu e mundial. Mas será que os portugueses vão passar a pescar ou a plantar prestígio? Será com prestígio que Portugal deixará de ter a maior taxa de abandono escolar ou os menores salários da U.E.? Será ainda com prestígio que os portugueses vão pagar os empréstimos que contraíram, quando é certo que o Primeiro Ministro e a Presidência Portuguesa "lavam as mãos" como Pilatos das decisões do Banco Central Europeu, no qual, diziam há ano e meio em vésperas de moeda única, Portugal "tinha que estar para poder influenciar e decidir"? Senhor Presidente Senhores Membros do Governo Senhoras e Senhores Deputados Como a tradição ainda é o que era, a Presidência Portuguesa tinha que ser um "enorme êxito", embora poucos dias depois da sua conclusão, já ninguém fale nem se lembre dela. Como parece confirmar o facto do Senhor Primeiro Ministro, a fazer fé nos relatos de imprensa, ter sido obrigado a apresentar os "êxitos" da Presidência Portuguesa para o hemiciclo de Estrasburgo quase vazio... No que ao alargamento diz respeito, a Presidência Portuguesa prosseguiu negociações com seis candidatos, abriu-as com os seis restantes. A gestão corrente imperou, faltou a inovação necessária. Continua a não haver avaliações exaustivas e independentes sobre os impactos económicos e sociais resultantes dos sucessivos alargamentos, seja para os actuais Estados-membros, seja para os países candidatos. Continua a não haver - e para tal a Presidência Portuguesa deveria ter contribuído, mas nada fez - sobre a urgente discussão relativa ao futuro financiamento de uma União alargada, sobre a necessidade de garantir um orçamento comunitário que preserve e reforce objectivos de coesão interna. Tal como estava previsto iniciou-se a Conferência Inter Governamental (CIG) para a revisão dos Tratados. A Presidência Portuguesa adicionou à agenda pré estabelecida (já de si potencialmente perigosa para os países economicamente periféricos) o conceito das cooperações reforçadas. Visava acalmar os que pretendem garantir nesta CIG o reforço de poderes para melhor dominar uma União alargada onde o "centro de gravidade" dos interesses económicos pode não ser exactamente o que é actualmente. E é aqui, no domínio sobre os interesses económicos, que reside o cerne da questão, não na pretensa (in)eficácia de uma União alargada onde, já hoje, 80% das decisões são tomadas por maioria qualificada. Só que o conceito das cooperações reforçadas não acalmou os poderosos. Abriu-lhes ainda mais os apetites dominadores. É ver o discurso de Fischer (MNE alemão), é ver as palestras de Chirac, é vê-los a glosar, já no singular, o conceito gentilmente oferecido pela Presidência Portuguesa, é vê-los a falar de vanguardismos e de federalismo, é ouvi-los a invocar a necessidade de uma Constituição Europeia - com ou sem Carta de Direitos Fundamentais. É ver o comboio federal franco alemão, popular e social democrata, a tentar destruir o espírito e a letra do Tratado de Roma e a tentar criar uma Europa a várias velocidades rebocada pelos e ao sabor dos poderosos. O PCP considera que o problema não é o da escolha do modelo de federalismo. O problema não reside em encontrar outra palavra em vez de federação para enganar os povos e as nações. O problema é o do conteúdo federal seja qual for a roupagem que utilize. O PCP considera que o modelo federalista de Fischer, de Chirac ou de certos responsáveis socialistas e não só, portugueses, pode ser bom para garantir, no contexto do alargamento, os interesses dos países poderosos e dos respectivos interesses económicos na gestão política e também na gestão de uma política externa e de defesa comum cada vez mais militarizada. O PCP considera que tal modelo pode servir para os poderosos. Não serve para Portugal, não serve para outros países pequenos e economicamente periféricos, não serve para a generalidade dos povos e nações. Senhor Presidente Senhores Membros do Governo Senhoras e Senhores Deputados A conclusão da reforma da Convenção de Lomé estava há muito prevista. Portugal e a Presidência Portuguesa fizeram o que lhes competia e encerraram um dossier há muito delineado. Já a Cimeira entre a U.E. e África, realizada no Cairo, constituiu elemento a destacar deste "semestre português" apesar de não ter sido incluída no Programa da Presidência Portuguesa. Ao contrário do que, mentindo, afirmam certos deputados colunistas, o PCP nunca condenou esta cimeira ao fracasso, antes afirmou, logo em Janeiro, valer a pena tentar concretizar tal cimeira ainda no semestre da Presidência Portuguesa. É certo que o conteúdo desta Cimeira foi muito limitado, é certo que nada decidiu, por exemplo, sobre o perdão global das dívidas externas dos países pobres africanos à U.E., mas também é verdade que o PCP considera que a institucionalização deste diálogo é cada vez mais essencial para o futuro dos dois continentes. Senhor Presidente Senhores Membros do Governo Senhoras e Senhores Deputados E, como manda a tradição, tinha que se "inventar" um acto mediático para encerrar a Presidência Portuguesa da União Europeia. Entre as várias hipóteses possíveis optou-se por uma declaração (há quem lhe chame semanticamente acordo) de intenções relativa à troca de informações fiscais sobre poupanças de não residentes. É uma declaração de intenções tão frágil que há já quem diga (por exemplo, o El País de 21 de Junho) que não será para cumprir. Basta ler o seu texto para assim se concluir. Depende de uma proposta de directiva que não existe, depende de uma decisão sobre essa proposta virtual a tomar até final de 2002, depende da aceitação dos princípios dessa proposta fictícia por parte de países paraísos-fiscais não pertencentes à U.E., depende da aceitação destes países a sua observância em certos países da U.E. e, depois de tantas dependências verificadas, será para aplicar daqui por dez anos... Como ironia mediática, não poderia a Presidência Portuguesa ter encontrado melhor. Até parece que o Dr. Paulo Portas fez escola na Presidência Portuguesa... Assim não se estranha que esta declaração (ou acordo) de intenções virtuais tenha sido particularmente saudado por todos aqueles que nunca desejaram um maior equilíbrio entre a taxação dos capitais e do trabalho, entre todos aqueles que sempre se opuseram a desenvolver qualquer acção coordenada contra os paraísos fiscais ou as deslocalizações. Senhor Presidente Senhores Membros do Governo Senhoras e Senhores Deputados A ratificação pelo Conselho da Feira das conclusões da Cimeira de Lisboa apelidada eufemisticamente de cimeira do emprego não podia constituir o remate mediático para a Presidência Portuguesa. É que o recorte propagandístico do conclave de Lisboa estava já esgotado e não seriam nem a prometida baixa das tarifas da internet, nem as reiteradas e justas intenções de apostar na educação e formação profissional - ainda que, no contexto, nada se tenha dito sobre o reforço urgente do papel escola-pública - capazes de ocultar por mais tempo decisões - essas sim bem concretas - de desregulação e de liberalização económicas em novos sectores estratégicos. As novas pressões para acelerar os processos de desregulamentação e precarização do mercado de trabalho, as grandes orientações económicas que prevêem o reforço e a antecipação de constrangimentos decorrentes do Pacto de Estabilidade e cujas consequências no domínio económico e social são facilmente previsíveis, são, elas sim, o cerne central das decisões da Cimeira de Lisboa que assim corre o risco bem sério de, a prazo e aos olhos de todos, poder ficar conhecida como Cimeira da Precaridade e do Desemprego. Mas a Presidência Portuguesa da União Europeia foi também marcada por traços bem positivos que nos permitem concluir pela existência de fortes razões de confiança num futuro colectivo diferente e melhor. Durante o "semestre português" realizaram-se três grandes cimeiras de trabalhadores e agricultores europeus. Dezenas e dezenas de milhar de cidadãos portugueses e de quase todos os países europeus, em Lisboa, em Évora e no Porto, foram capazes de se manifestarem em unidade e em defesa de um outro rumo para a União Europeia; de uma U.E. que não produza o desemprego e a precaridade, que seja capaz de produzir uma política agrícola nova, justa e equilibrada, que não promova a exclusão social nem o xenofobismo, que não marginalize os povos das decisões sobre o seu futuro, que seja capaz de defender a Paz, a cooperação e a solidariedade entre os Povos e as Nações! Disse.

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