Intervenção de João Ramos na Assembleia de República

Debate sobre política de saúde

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Sr. Ministro da Saúde,

Em Portugal, os indicadores de saúde que, durante anos, nos orgulharam e colocaram o nosso País a par dos mais desenvolvidos do mundo, quando não acima, muito se devem à melhoria generalizada das condições de vida das populações, ao trabalho do poder local democrático, mas, acima de tudo, ao Serviço Nacional de Saúde saído da Revolução de Abril.

Os cuidados de saúde primários ocuparam um papel fundamental na conquista destes indicadores. A aposta numa rede de proximidade e de trabalho focado na prevenção da doença e na promoção da saúde foi o expoente máximo desse modelo. Não foi essa, infelizmente, a opção política de sucessivos Governos, que, ao invés de aprofundarem o caráter de proximidade e de apetrecharem os cuidados primários com mais meios humanos, financeiros e técnicos, optaram pelo encerramento de serviços de proximidade, de urgências, de atendimentos permanentes, de extensões de saúde, de postos médicos, ao mesmo tempo que reduziram profissionais, equipas, valências e horários.

Não é de estranhar que parte do foco do SNS esteja hoje centrado nas urgências hospitalares, onde acorrem os doentes na procura de respostas que não encontram noutro local.

As estatísticas apontam que o número de extensões de saúde em 2011 era metade do que existia na década de 80, no século XX. A explicação para isto não estará desligada do processo de mercantilização da saúde.

Entre 2002 e 2013, ocorreu um aumento dos hospitais, sobretudo privados. No mesmo período, os atendimentos de urgência em serviços privados duplicou e o número de camas em hospitais privados aumentou. Nestes 11 anos, o número de consultas externas em hospitais privados triplicou.

Esta tendência privatizadora também chegou aos cuidados de saúde primários, através do modelo C das unidades de saúde familiar (USF).

Os cuidados de saúde primários têm carência de todos os profissionais, como bem ilustra o mais de 1 milhão de portugueses sem médico de família.
As unidades de cuidados de saúde personalizados não têm as mesmas condições de funcionamento atribuídas às USF. A aposta séria nos cuidados de saúde primários passa, em primeiro lugar, por garantir os recursos humanos, técnicos e financeiros necessários ao funcionamento dos serviços, por garantir o médico e o enfermeiro de família a todos os utentes, por uma maior e mais eficaz articulação com os hospitais de referência, por garantir às unidades de cuidados de saúde personalizados as condições necessárias a uma prestação de cuidados de qualidade e atempada, por cumprir os compromissos assumidos com as USF e revogar o modelo C.

O investimento em cuidados de saúde primários é poupança futura em cuidados secundários e em reabilitação, pelo que é um investimento que, agora assumido, representará, no futuro, uma melhor saúde dos utentes e uma gestão mais eficiente dos recursos do SNS.
Sr. Ministro, não concorda que os cuidados de saúde primários necessitam desta valorização, fortalecendo-os, como base de todo o Serviço Nacional de Saúde?

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