Intervenção de

Debate sobre a execução orçamental - Intervenção de Lino de Carvalho

Senhor Presidente, Senhores Membros do Governo, Senhores Deputados,

O Governo entendeu tomar a iniciativa de requerer este debate sobre a execução orçamental o que, em boa verdade, só se compreende, à luz de um qualquer exercício de auto-flagelação.

Senão vejamos.

Todos os cenários previstos pelo Governo no Orçamento de Estado para 2002 e nas várias correcções que foi fazendo (três ao todo) estão claramente ultrapassados.

Confirma-se tudo o que vimos dizendo desde o debate orçamental: receitas artificialmente empoladas; despesas erradamente contraídas; perspectiva de um défice com o objectivo de convencer Bruxelas da boa aplicação do aluno português mas que nada tem a ver com a realidade. Os números são conhecidos: menos 25% na recolha do IRC em relação à execução de 2002; um IRS que apesar de ter dado um estranho salto entre Maio e Junho vai ficar longe do objectivo enunciado no Orçamento de Estado; um conjunto de impostos indirectos, com relevo para o Imposto Automóvel e para o IVA, que confirmam o desacerto das projecções iniciais do Governo. E não venham dizer, por favor, que a queda do IRC está a ser parcialmente influenciada pelo adiamento do Pagamento Especial por Conta face aos zigue-zagues do Governo nesta matéria. Não. É que a primeira prestação do PEC, a não ter havido adiamento, deveria ter sido paga em Março. E já então começava a ser visível a divergência entre as projecções irrealistas do Governo e a realidade da tesouraria.

Aqui chegados começamos a ver o Governo a começar a montar operações de engenharia dos números que, seguramente, no mínimo, o tempo explicará. Nas receitas, importa saber em que é que se baseia o brusco aumento de recolha do IRS entre Maio e Junho e em quanto é que afinal o adiamento do PEC para 15 de Julho (em que, estranhamente, um despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais altera os prazos previstos no Decreto-lei 128/2003 de 26 de Junho) influenciou a quebra do IRC. Mas importa também esclarecer qual a razão porque o Ministério das Finanças usou critérios diferentes para a contabilização das despesas no primeiro semestre de 2002 e no primeiro semestre de 2003. Isto é, porque é que em Junho de 2002 o Governo entendeu apresentar a estimativa de execução da despesa sem o reforço de pagamento das despesas de anos anteriores para evidenciar o esforço em matéria de contenção da despesa corrente e, agora, em Junho de 2003, já desapareceu essa preocupação e a execução de 2002 aparece empolada com 607 milhões de euros de anos anteriores. Mistérios. E quais as consequências para a sustentabilidade da Caixa Geral de Aposentações dessa operação de assumpção do défice do Fundo de Pensões dos CTT enquanto os seus activos virão a desaparecer na gestão das despesas correntes, em vez de se avançar para a sua capitalização.

E, sobretudo, importa saber que medidas efectivas é que o Governo está a tomar para combater a fraude e a evasão fiscal, para além da utilização do Pagamento Especial por Conta contra, sobretudo, os sectores mais frágeis da economia. Porque é que se continuam a permitir as elevadas taxas de rentabilidade do capital financeiro na Madeira, à custa obviamente das fraudulentas operações em off-shore, como revelou recentemente a própria Associação Portuguesa de Bancos; porque é que não se aposta no reforço dos meios da Direcção Geral das Alfândegas para combater a evasão em matéria de comércio intra comunitário; porque é que se continua a fazer tabu do sigilo bancário. Talvez por aqui se pudesse conseguir algum aumento significativo das receitas do Estado, à custa dos grandes interesses que defraudam o fisco e não à custa dos trabalhadores que pagam o IRS ou das micro e pequenas empresas com baixas taxas de rentabilidade que se vêem obrigadas a endividar-se para liquidar o brutal aumento do Pagamento Especial Por Conta.

Mas importa também saber, Sra. Ministra das Finanças, como vai manter a obsessão do défice de 2,4% para 2003, a não ser à custa de mais contracção no investimento público; de mais venda do património ao desbarato ou, eventualmente, de aumentos de impostos.

Porque ao contrário do que se pretende fazer crer, não parece que esteja em curso um qualquer processo de consolidação das finanças públicas. Como o Governo bem sabe se não fossem as receitas extraordinárias, em parte irrepetíveis, o défice de 2002 seria idêntico ao de 2001. O que tem estado em curso, pelo contrário, é um processo de contracção orçamental que não podia deixar de ter, como está a ter, sérias consequências na economia real. Um processo cego que não tem permitido utilizar o que nos resta de margem de manobra para dinamizar políticas anti-cíclicas. E não se trata de um problema de marketing, de explicação do que o Governo está a fazer em nome de um hipotético futuro cheio de venturosas esperanças, como defende o senhor deputado Pina Moura. O problema é de fundo, é de uma estratégia errada de completo alinhamento pelas estritas políticas monetaristas impostas pelo Pacto de Estabilidade, que está a contribuir para o acentuar da recessão da economia, para a continuada quebra de todos os indicadores, para o aumento vertiginoso do desemprego. Ninguém vislumbra, a não ser o primeiro-ministro sinais de recuperação. E muito menos se percebe como é que Portugal se vai colocar, nos próximos cinco anos entre os dez países mais desenvolvidos e atractivos da Europa, como anunciou ontem , na FIL, para espanto de todos os presentes, o Ministro da Economia. Mas, em Outubro, cá estaremos para ver como é que o Governo vai ajustar as suas contas e apresentar as suas projecções no Orçamento de Estado para 2004. Até lá, resta-nos dizer que o rei vai nu.

 

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