Intervenção de

Debate sobre a Conferência Intergovernamental (CIG)-Intervenção de João Amaral

 

Senhor Presidente, Senhor Primeiro Ministro, Senhores Membros do Governo, Senhores Deputados,

Recusamos este debate como um debate faz-de-conta, uma encenação para o bloco central do PS/PSD dizer améns às opções estruturantes da construção europeia tal como resultam do Tratado de Maastricht. Não estamos aqui para aceitar os espartilhos de uma discussão que querem centrada essencialmente no limitado campo de manobra imposto à revisão do Tratado pela Conferência Inter-Governamental, e para ignorar, ou passar ao de leve, pelo cerne dos problemas que afectam os países e os povos da Comunidade Europeia, e que resultam, sem dúvida nenhuma, da opção moeda única, dos critérios monetaristas impostos no Tratado de Maastricht (agravados com o Pacto de Estabilidade) e das políticas neo liberais que dominam a União Europeia e os Governos dos Estados que a compõem.

Esta revisão do Tratado de Maastricht está inquinada desde o começo. Ela está fundada num pacto político de batota, no qual os Governos e os dois partidos europeus mais largamente representados a nível governamental, o PSE e o PPE, se comprometeram a não tocar na União Económica e Monetária, isto é precisamente na componente mais federalista do Tratado de Maastricht, e na que contém as imposições monetaristas que vêm espartilhando o desenvolvimento da Europa, e causando o actual estado de alastramento do desemprego e da pobreza. Para os governos que o ano passado lançaram a Conferência Inter-Governamental, a moeda única é uma espécie de vaca sagrada. Dizem, a moeda única não se pode discutir e ... "prontos". É com esta profundidade e riqueza de argumentos que justificam este injustificável tabu.

Mas a vida e a vontade dos povos tiveram mais força do que os jogos das cúpulas partidárias que sustentam o Tratado de Maastricht. Tiveram mais força que o black out imposto aos meios de comunicação social em torno das questões económicas e sociais decorrentes do Tratado de Maastricht. A Europa assistiu nos últimos anos a formidáveis movimentações sociais de protesto, que se espalharam pela França, Alemanha, Itália, Espanha, Grécia, Bélgica, Portugal. As opiniões públicas mais informadas e interventoras, como a dinamarquesa ou a sueca, põem os respectivos governos a jogar à defesa, a procurarem todos os meios para apagarem a imagem de fiéis cumpridores de Maastricht. E onde há eleições, os governos são severamente julgados pela política que seguem e que se funda na aceitação estrita dos critérios monetaristas de Maastricht, e são irremediavelmente corridos pelo voto popular.

Hoje, a Europa está assolada por uma tempestade política como há muito não se via. As movimentações sociais, greves e manifestações de protesto, e os verdadeiros movimentos de revolta dos eleitores, tiveram forçosamente consequências no plano político. Há escassos dias, o Governo daSuécia decidiu não integrar o grupo de paísesfundadores do euro. Tudo foi feito para apagar este facto, apesardo enorme alcance político de que se reveste. Nãohouve nenhum título principal, nenhuma notícia deabertura. Os Governos onde foram obrigados a falar, fizeram comentáriosdesvalorizadores, do género "isso são os suecos,já se sabe", um bocado como nos anos cinquenta e sessentase lhes atribuía essa coisa esquisita que era o "amorlivre". Mas, apesar das desvalorizações e dossilêncios, os suecos tomavam a decisão históricade se juntar a outros países, para já a Dinamarcae o Reino Unido, que saltam do barco dos fundamentalistas da moedaúnica. Senhor Primeiro Ministro: não teria sidoboa ocasião para pensar seriamente sobre toda esta questão?

A sua resposta é teimosamente negativa, toda a gente o sabe, o senhor não quer pensar sobre esta questão, e prefere a fuga para a frente, prefere ser o bom aluno, como já o seu antecessor Cavaco Silva quis ser.

Mas, por favor, Senhores Deputados da maioria maastrichtiana, não venham com o "patati-patata" sobre os que são contra a Europa. É fácil assim arrumar uma discussão e sossegar as consciências. Exige-se dos senhores a honestidade intelectual de discutirem esta questão como deve ser discutida. Não é a construção ou não da Europa que está sob fogo, é a forma de o fazer, é a questão central de saber que Europa se está a construir, e quem paga a factura.

Com as eleições em França e as posições assumidas pelo novo governo francês a tempestade aumentou. O Governo francês veio dizer publicamente o que era evidente para quem não estivesse cego pela obediência aos critérios de Maastricht. Jospin veio dizer que neste caminho para o euro, o emprego e as políticas sociais estavam a ser comprometidas. Jospin chamou particularmente para cima da mesa o Pacto de Estabilidade, instrumento essencial para o espartilho monetarista de Maastricht, através do qual os Governos se obrigam, sob a ameaça de pesadas sanções financeiras, a manterem para o futuro, para além destes anos de 97 e 98 de julgamento das condições de acesso ao euro, o mesmo estrito cumprimento dos critérios de Maastricht. Jospin tem de responder a uma opinião pública que mostrou por todas as formas o seu descontentamento. Jospin obteve o seu resultado eleitoral, não a dizer loas aos critérios de Maastricht, mas pelo contrário, a criticá-los, juntamente com outros, designadamente com os comunistas franceses.

Agora que é a França a levantar interrogações, já não é possível, como com a Suécia, apagar os acontecimentos ... e os problemas. Agora todos já dizem que é necessário fazer alguma coisa pela vertente social da Europa. Até a Alemanha, apanhada na armadilha da rigidez dos critérios de Maastricht que ela própria defendeu e impôs e que agora não consegue cumprir, vítima ela também da economia retraccionista que o monetarismo causou. Até a Alemanha, que, quando quis manipular o valor das reservas de ouro, foi apanhada pela armadilha do poder autocrático do banco central que ela própria Alemanha defendeu e impôs também à Europa no Tratado de Maastricht.

Aqui em Portugal, o Senhor Primeiro Ministro quer trazer para si os louros de Jospin. "Eu sempre disse", "eu já lhes tinha dito", etc., etc.. Pois é: talvez tenha dito em muitos sítios, mas quando aqui se discutiu o Pacto de Estabilidade, o que ouvimos vindo do Governo foram elogios, foi a defesa integral do seu conteúdo sem a mais pequena reserva. "Sem quaisquer reservas" é a exactamente a expressão usada no projecto de resolução subscrito pelo PS e PSD em 12 de Fevereiro passado. O grande problema da cruzada do Senhor Primeiro Ministro sobre o emprego é que ela terá sido dita aqui onde era ineficaz nos discursos para os desempregados por óbvios motivos políticos, mas nunca foi traduzida em actos, lá onde podia ser eficaz para a efectiva mudança das políticas que conduziram à actual situação.

Agora, que o capítulo sobre o emprego adquiriu o estatuto de questão prioritária, é bom que se alerte para que não basta fazer capítulos para resolver os problemas. A questão do emprego não se resolve enquanto não forem abandonados os critérios restritivos de Maastricht e as orientações neo-liberais da política que lhe estão associadas. São aqueles critérios e estas orientações que tolhem o processo de desenvolvimento, impedem o investimento público, que deixam a economia em estado inerte, que causam o desemprego, que acentuam as desigualdades nacionais, regionais e sociais, que fazem alastrar a pobreza e a exclusão.

Da nossa parte, PCP, se entendemos que é sempre tempo para mudar as orientações fundamentais da construção europeia, afirmamos que, com a revisão do Tratado em curso e com a crise social e política que a Europa atravessa, estamos no momento certo para ter a coragem de fazer agora essa mudança de orientação. Vivemos a oportunidade certa para o fazer.

É o momento certo para defender e conseguir que a revisão do tratado de Maastricht coloque, como objectivos centrais, os objectivos da coesão económica e social, da afirmação das políticas social, de emprego e desenvolvimento, e da igualização no progresso das condições de vida e de trabalho. Mas, para que isso suceda, é preciso questionar e reconsiderar todo o capítulo da União Económica e Monetária. Não há ninguém exterior à própria vontade dos governos europeus a impor que a UEM e a moeda única não possam ser discutidas nesta revisão do Tratado. Foi a própria vontade dos governos que impôs o tabu, é à vontade política de qualquer governo que incumbe o dever de o quebrar. Não há vontade exterior à vontade dos governos europeus que imponha o Pacto de Estabilidade, nem o carácter estruturalmente monetarista que o enforma, nem as inaceitáveis sanções que ele contém para os países que entendam necessário seguir com prioridade uma via de desenvolvimento, em vez da submissão às espartilhantes condições nele contidas. O pacto de estabilidade não está firmado definitivamente, só o seria em Amsterdão, é por isso a altura certa para o recusar. É um primeiro passo para inflectir as orientações de Maastricht. Sabemos que não estamos isolados nesta proposta política. Não o estamos na Europa, onde vários países se insurgem contra estas orientações, e onde ocorrem grandes movimentações sociais de contestação. Nem o estamos no país, face a uma economia que, a acreditar no Ministro Sousa Franco é um retumbante sucesso, mas perante a qual os cidadãos se interrogam legitimamente sobre a parte que lhes cabe, porque não é a parte do sucesso, é a dos pesados custos em matéria de desemprego, precaridade, baixas condições de trabalho, insegurança.

A par destas questões, há os trabalhos da CIG, que estão presentes em fórmulas provisórias, inacabadas, sujeitas a golpes de última hora que podem alterar significativamente o seu conteúdo. Os debates têm sido preocupantes. A questão dos comissários, com o Governo português a admitir que Portugal perca o actual nível de representação na Comissão, mostra como estão em perigo alguns princípios fundamentais que marcam o espaço próprio das Nações no quadro da união e que são instrumentos essenciais de garantia da soberania e de defesa de interesses próprios. Para o PCP esses princípios de soberania são absolutamente inegociáveis. Falando dos que têm sido mais referidos, consideramos inegociáveis princípios como a presidência rotativa, a presença nacional em todos os órgãos e instâncias, o peso relativo de Portugal nas votações equivalente ao actual, a manutenção do actual nível real de fundos comunitários e de coesão para Portugal no âmbito do próximo QCA, o português como língua oficial e de trabalho, o reforço da participação activa dos Parlamentos nacionais na vida comunitária, a imperiosidade de qualquer alteração dos tratados ser feita com o procedimento previsto nas constituições de cada país para aprovação e ratificação dos tratados.

Apesar do carácter provisório dos textos de revisão do Tratado, é possível desde já concluir que as orientações que presidiram à sua elaboração, para além da muita demagogia em torno da participação dos cidadãos, representa um aprofundamento dos 2º e 3º pilares no sentido federalizador. Isso é particularmente visível no 3º pilar, com a comunitarização dos acordos de Schengen, com o novo título que inclui as questões do asilo e da imigração, e com o alargamento a esta área das competências do Tribunal de Justiça das Comunidades. Mas essa via federalizadora está também presente com a previsão da intervenção permanente de um alto funcionário "o Secretário-Geral do Conselho" na PESC; com os avanços em relação à UEO, com a incorporação no Tratado das Missões Petersberg e a previsão de todos os Estados (incluindo os que não integram formalmente a UEO) poderem participar na execução dessas Missões no quadro da UEO; com o alargamento dos processos de decisão maioritária; com a atribuição da personalidade jurídica à União; com a introdução dos mecanismos de flexibilidade e da "abstenção positiva", etc., etc..

Não há um único argumento válido para defender e propugnar por alterações ao Tratado que atingem a soberania portuguesa, que constróem uma Europa-fortaleza, que levantam dificuldades acrescidas a uma política portuguesa autónoma, que vão tornando a política externa portuguesa um apêndice das políticas externas das grandes potências europeias e que paulatinamente vão dando passos para a Europa potência militar. É espantoso ouvir responsáveis com experiência de análise estratégica comprometerem passo a passo os atributos da soberania de Portugal num espaço político e económico federalizado onde o país acaba forçosamente reduzido a uma condição de periferia economicamente débil e de escasso peso demográfico.

Seria essa a reflexão necessária a fazer, em vez de um blá-blá acrítico sobre o desígnio nacional. Nenhuma Nação pode ter como desígnio nacional a abdicação dos instrumentos essenciais para permanecer como Nação livre e independente.

Da nossa parte recusamos esta orientação e as propostas que se inserem nela.

Mas não é nesse sentido que vão as propostas de resolução apresentadas pelo PS e pelo PSD. Apesar de, ao contrário do que sucedeu no debate do passado dia 13 de Fevereiro sobre a moeda única e o Pacto de Estabilidade o casamento PS/PSD não ter chegado ao ponto da subscrição conjunta de uma proposta, os conteúdos são em substância coincidentes, quase complementares. Ajustando-se às negociações em curso, visam no essencial dar luz verde ao Governo e não verdadeiramente posicionar a Assembleia no debate dos conteúdos da revisão. Os projectos do PS e do PSD valem pelas coincidências e pela vontade política comum de que o Governo aprove o método seguido pela CIG, de afastar a UEM e a moeda única dos temas em debate, e aprove os conteúdos de aprofundamento da vertente federal da União. Os projectos de resolução do PS e do PSD são a carimbadela que o bloco central maastrichtiano quer dar às orientações de Maastricht. O PSD é tão denunciado nesse objectivo federalista que já dá escandalosamente natureza "constitucional" e "para constitucional" às normas de natureza institucional do Tratado.

O próprio PP não se afasta deste esquema. Não se fala só, nem fundamentalmente, da natureza das propostas do PP. Propostas como a da criação de um Senado, eufemisticamente chamado pelo PP "Câmara das Nações Europeias", aponta obviamente no sentido federal, e pressupõe o reforço dos poderes da estrutura parlamentar da União. Aliás, também a substituição dos actuais comissários por comissários com o estatuto de ministro nos governos nacionais dá a essa nova à Comissão um peso muito maior do que tem hoje a actual.

Mas, mais importante que esta novidade que é o vezo federalista do PP, é a confirmação da que já se adivinhava quanto ás posições do PP sobre a União Económica e Monetária. O PP aceita implicitamente o euro e os critérios de Maastricht já que apresenta uma resolução sobre a revisão do Tratado que deixa intocada a UEM. Não há uma palavra sobre o euro. Nem uma palavra sobre a vertente social da construção europeia, nem uma palavra sobre a questão do emprego.

Todos nós podemos perceber que uma resolução como a do PP, por causa dos compromissos firmados para Amsterdão, não será apoiada pelo PS e pelo PSD. A via alternativa para o reforço federal da União que o PP propõe não está agora em condições de ser acolhida. Mas, confessem Senhores Deputados do PS e do PSD: há ali ideias que gostariam de ter tido, não é verdade?

Vai assim, o Senhor Primeiro Ministro e a sua comitiva para Amsterdão com o conforto dos votos da maioria maastrichtiana e com este beneplácito implícito do PP.

Mas, não se acredita que vá sossegado com a sua consciência. Disse,

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