Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

Debate de actualidade sobre a grave situação nos hospitais portugueses

Sr.ª Presidente,
Srs. Secretários de Estado,
Srs. Deputados:

Queria dizer, em particular à Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, que não trazemos aqui nenhuma posição alarmista, mas estamos alarmados.
E quem não estiver hoje preocupado com a situação que os portugueses vivem no tocante à saúde ou está de má-fé ou, então, pelo menos, anda muito distraído, muito distraído.

É porque não está em curso nenhuma melhoria de gestão. O que está em curso é o corte naquilo que de essencial há no funcionamento dos hospitais. Os vários casos que têm vindo a ser divulgados são disso um bom exemplo.

Não vale a pena dizer que está tudo a correr bem e que as pessoas estão a ser atendidas como merecem e como têm direito, porque não é verdade e todos sabemos que não é verdade. Todos sabemos que não é verdade!

Sabemos que há constrangimentos no acesso às urgências; que há gente acumulada em macas; que há medicamentos cujo acesso não está disponibilizado como anteriormente; que há tratamentos que são evitados; que há exames que são cortados e adiados. Sabemos que isso está a acontecer, e também sabemos que há muitas pessoas que não estão a ir aos serviços de saúde, porque fazem as contas às taxas moderadoras que terão de pagar.

Todos sabemos isso, todos sabemos! Não vale a pena fazer de conta que esta situação não está a ocorrer. E também não vale a pena vir com a ideia de que não há dinheiro e que, portanto, tem de ser assim.

Onde é que os senhores pensaram no problema das contas públicas quando entregaram o dinheiro ao BPN?

Onde é que os senhores pensaram no problema das contas públicas quando entregaram o dinheiro à banca?

Onde é que pensaram nisso? Não pensaram! Só há problema nas contas públicas quando é para cortar na saúde e em outras áreas essenciais. Porque a saúde das pessoas é menos importante do que a saúde financeira dos que compraram o BPN por tuta e meia, com o apoio do Estado.

Sabemos, hoje, que há pessoas que não têm transporte para ir aos seus tratamentos, por não poderem pagá-lo; que não têm acesso a consultas de especialidade, porque há uma lista de espera a aumentar; que não têm acesso a cirurgias essenciais… Isso está a acontecer, digam os senhores o que disserem!

E, Sr. Secretário de Estado, para a próxima, quando quiser referir-se à intervenção do meu camarada Jerónimo de Sousa, não leia só as notícias — coisa que criticou a outros —, mas veja, de facto, o debate, porque não houve nenhuma referência ao pico da gripe. Repito: não houve nenhuma referência ao pico da gripe!

Por acaso, é estranho que o Governo não tenha procurado nem intervir, nem procurar rapidamente uma explicação para essa situação.
Nós sabemos que as situações têm de ser analisadas. Em saúde pública, não se podem tirar conclusões precipitadas. Mas o Governo não se preocupou em tirar nenhuma conclusão, deixou andar, deixou andar… Foi esta a postura do Governo em relação a esse pico da gripe.

O que o meu camarada Jerónimo de Sousa disse, e que agora vou repetir, é que, quando há medidas que impedem as pessoas de ter acesso aos cuidados de saúde, isso significa que a sua saúde e a sua vida estão a ser postas em perigo. Quando há medidas que impedem o acesso dos doentes crónicos à sua medicação, porque não têm dinheiro para a pagar, e que, depois, ficam descompensados e precisam de ser tratados por episódios agudos, isso significa tirar saúde e tirar vida a essas pessoas.

Os senhores podem não gostar de ouvir isto, mas esta é a realidade concreta. E não é nenhuma acusação pessoal; é uma acusação à política que os senhores estão a seguir e, enquanto a seguirem, vão ter de aceitar esta acusação que fazemos às consequências da vossa política.

(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados,
Sr. Secretário de Estado,

Vejo que não retomou o que tinha dito em relação à intervenção do meu camarada Jerónimo de Sousa, e ainda bem.
Queria, ainda, colocar-lhe duas questões.

Primeiro, nós, PCP, na intervenção inicial que fizemos neste debate, referimos várias vezes a questão da lei dos compromissos e do seu efeito desastroso na gestão das unidades de saúde dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde. Até o Ministro da Saúde já o reconheceu, embora por outras palavras, naturalmente.

No entanto, até agora, não há nenhuma solução para esse problema, porque o que o Governo vai fazer, se mantiver este tipo de regras, é impedir o funcionamento e a resposta, em muitos aspetos fundamentais, a unidades de saúde que não se compadecem, na sua atividade diária, com aquele tipo de regras. E sobre isso o Sr. Secretário de Estado ainda não disse nada…, mas, como ainda dispõe de 30 segundos, tem oportunidade para falar do assunto.

Há um outro problema: fala-se da falta de dinheiro. Este ano, as transferências para as parcerias público-privadas na área da saúde são de 320 milhões de euros.

São 320 milhões!

E ainda não sabemos exatamente, mas estima-se que seja à volta de 600 milhões de euros, os pagamentos da ADSE aos grandes hospitais privados, que continuam a ocorrer. Aí está o dinheiro, que falta depois, aos hospitais públicos.

E o que temos nas parcerias público-privadas na saúde? Temos um Hospital de Loures com a urgência a funcionar com uma médica e quatro internos…! É isto a qualidade dos cuidados de saúde que os senhores nos apresentam?!…

Temos um Hospital de Braga que não tem médicos nem macas suficientes para acolher os doentes na urgência, já para não falar do «turbo-anestesista»…

Temos as unidades entregues ao setor privado, como é óbvio, a extorquir o máximo de dinheiro ao Estado, prestando o mínimo de cuidados aos utentes. Sobre isso, o Governo não tem nenhuma preocupação…, não há problema…! Esse dinheiro pode ir, não pode é ir para os hospitais públicos, que dele precisam para prover aos seus serviços e para dar condições para que as pessoas sejam atendidas.

Sr. Secretário de Estado, as pessoas não estão a ter os cuidados de saúde de que precisam. Pode não ter o pico da mortalidade, já como reflexo de todas essas medidas, mas a prazo vai ter. É isso que queremos prevenir, e é para isso que o Governo tem de entrar. Não podemos ter um país em que há um pacote mínimo de cuidados, como dizia o programa do PSD, e ainda por cima, só para alguns, para aqueles que tiverem dinheiro para ir comprá-lo ao setor privado.

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