Intervenção de

Debate da Proposta de Lei nº 1/VIII de Alteração ao OE para 1999 - Intervenção de Octávio Teixeira

Senhor Presidente,
Senhores Membros do Governo
Senhoras e Senhores Deputados

O que está verdadeiramente em causa com a apresentação e discussão desta alteração do Orçamento de Estado para 1999, é a política para a Saúde desenvolvida pelo Governo do eng. Guterres e do PS nos últimos quatro anos. Porque os números, os resultados orçamentais da actividade desenvolvida no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, são mera expressão e consequência das orientações e práticas políticas assumidas.

Fundamentalmente, são a expressão da degradação financeira, directa e visível, decorrente da ausência de acção, da manifesta falta de capacidade, de vontade e de determinação políticas demonstradas pelo Governo do PS para enfrentar os poderosos grupos de interesses que continuam a dominar o sector da saúde no nosso País.

Ao longo dos últimos quatro anos, por múltiplas vezes o PCP criticou forte e fundamentadamente o Governo por prosseguir, sorridentemente, o caminho da degradação financeira do sector e da manutenção das evidentes insuficiências, quantitativa e qualitativa, na prestação de cuidados de saúde à população.
Fizemo-lo em interpelações ao Governo, nos debates orçamentais e em muitos outros debates.

Mas fizemo-lo igualmente com a apresentação e discussão de vários projectos de lei que apresentámos para o sector da saúde. Em particular os projectos de lei relativos à racionalização dos gastos públicos na área dos medicamentos, à implementação de uma gestão racional e rigorosa das unidades públicas de prestação de cuidados de saúde e à redução das listas de espera.

A resposta do Governo e do PS foi sempre alicerçada num grave autismo: tudo estava sob controlo, tudo corria bem e a caminho de correr ainda melhor. Com a excepção do referente às listas de espera (que aliás não está a ser cumprido ou o é de forma muito insuficiente) os projectos de lei do PCP foram, pura e simplesmente, recusados pelo Governo e rejeitados pelo grupo parlamentar do PS.

A verdade está, mais uma vez, à vista de todos. Incluindo, agora e segundo parece, à vista do Governo e do PS.
Mas se pode ser motivo para cumprimentar o Governo o facto de querer agora dar mostras de ter acordado para a realidade que sempre esteve à sua frente, é porém politicamente inaceitável que o Governo se apresente com o discurso catastrofista em relação ao SNS.
Desde logo, porque o PS não chegou agora ao Governo. O Governo do PS esteve à frente do Ministério da Saúde, e de todos os outros, designadamente o das Finanças, nos últimos quatro anos. E, tal como hoje, o Primeiro-Ministro na anterior legislatura foi o eng. Guterres.
Também porque é eticamente reprovável que os governantes de hoje, que também o foram ontem, procurem “sacudir a água do capote” e responsabilizar, por tudo e exclusivamente, a anterior titular da pasta da Saúde. Terá sido ela a única responsável pelo sub-financiamento assumido do SNS nos últimos quatro anos, ou essa foi uma opção de todo o Governo?

E ainda porque esse discurso catastrofista só pode servir os interesses dos que pugnam pela privatização do SNS. E se é esse o objectivo do actual Governo do PS, então tenham a coragem de o dizer clara e frontalmente. Que não lhes faleça aqui a afoiteza que não têm tido com a indústria e o comércio farmacêutico ou com o negócio privado dos meios auxiliares de diagnóstico e terapêuticos que prospera à volta, e à custa, do SNS.

Quanto ao conteúdo estrito da alteração orçamental, quanto aos números que nos são apresentados, importa referir três questões que nos parecem as essenciais.

Em primeiro lugar, se o Governo quer ser levado a sério, se o Governo quer que a Assembleia da República acredite que desta vez é de facto para valer a sua afirmação do virar de página, da transparência nas contas e do fim do sub-financiamento crónico e voluntário do SNS, então tem necessariamente que tomar a atitude correspondente: não nos propor nem deixar que transitem para o próximo ano 41,4 milhões de contos de dívidas do passado. Se é para “mudar de vida”, então exige-se que não deixem “rabos de palha” para trás.

Em segundo lugar, quero deixar a nossa opinião sobre a chamada desorçamentação por efeito da transferência directa de divida de anos anteriores para a dívida pública, e que para alguns parece ser “o alfa e o omega” desta proposta de alteração orçamental.

Por um lado, parece-me conveniente haver alguma prudência na dimensão política que se quer atribuir a esse facto: porque nos Orçamentos do quadriénio 1992/95, o montante de dívidas anteriores assim regularizadas ascendeu a 757 milhões de contos; acrescendo que no Orçamento de 1995, por essa via foram regularizados 75 milhões de contos do SNS.

Por outro lado, e isto me parece mais importante, porque ainda ninguém conseguiu explicar como é que poderíamos ter uma qualquer despesa registada num determinado ano na óptica das contas nacionais e noutro ano diferente na óptica da contabilidade pública. Ou, ainda, se o que prevalece é o momento da realização da despesa ou o do seu pagamento.
Isto não significa que não haja, nestas situações e conforme o declara o Tribunal de Contas, uma ilegalidade. A ilegalidade existe, de facto. Mas existe quando a despesa é realizada sem ter cobertura orçamental. Não quando é feito, legalmente autorizado, o pagamento daquela despesa ilegalmente realizada. Por isso o Tribunal de Contas reporta sempre as suas afirmações ao incumprimento do artigo 18º da Lei de Enquadramento Orçamental ...

Assim sendo, como julgamos que é (e tendo para nós como inequívoco que a prestação de cuidados de saúde e consequente realização de despesas não pode ser interrompida em nenhuma circunstância) só há uma forma de acabar com estas ilegalidades e correspondentes desorçamentações: erradicar da prática orçamental os sub-financiamentos crónicos e exigir que as alterações que a execução orçamental torne necessárias se façam no mesmo ano.

E essa será, pela parte do PCP, uma questão central a ter em conta no Orçamento de Estado já para o próximo ano, bem assim como um acompanhamento parlamentar rigoroso e regular da execução orçamental do SNS ao longo de todo o ano.

Mas, e para além do mais, não se use um tal e tão fraco pretexto “contabilístico” para justificar a rejeição, hoje, em “primeira leitura”, da Proposta de alteração orçamental, mas com a eventual intenção pré-assumida de a vir a viabilizar, daqui a uma semana, em “segunda leitura”. Com o objectivo de criar uma dramatização política aparente para aparecer, posteriormente, como o “salvador da pátria”!
Poupem-nos a jogadas políticas desse jaez e, fundamentalmente, poupem os portugueses a encenações desse calibre.

Em terceiro lugar, e por último, refiro-me à proposta de dotação de 10 milhões de contos para Timor. Tem ela o nosso total e inequívoco apoio. Também nós consideramos que essa dotação deve ser inscrita numa rubrica autónoma e visível. Todos os portugueses têm orgulho em ajudar financeiramente a reconstrução de um território devastado e a construção de um País livre e independente. Mas, e para além disso, consideramos que deve ficar legalmente prevista a possibilidade de reforço dessa verba, se vier a tornar-se necessário e a execução orçamental o possibilitar. O que pela nossa parte não permitiremos é que de tal dotação possam ser desviadas verbas para quaisquer despesas orçamentais que nada tenham a ver com Timor LoroSae.

Termino, dizendo ao Governo e aos senhores Deputados que podem ter duas certezas.

Uma, a de que o PCP continuará a contribuir positivamente para a melhoria do SNS, para a implementação do rigor e da responsabilidade não gestão dos serviços de saúde e nos gastos com os mesmos, para reduzir os preços dos medicamentos, para combater os interesses ilegítimos instalados, para aumentar rapidamente o número de formandos em medicina e em enfermagem no nosso País.

A segunda, e concomitantemente com a anterior, podem ter a certeza absoluta que faremos uso de todas as nossas forças e de todos os meios legítimos ao nosso alcance para rechaçar quaisquer intentos de privatização do SNS. A saúde dos portugueses não pode estar sujeita ao lema “quem quer saúde que a pague”.

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