Intervenção de João Ferreira no Parlamento Europeu

Debate conjunto - Acordo de pesca com as Comores

As relações bilaterais no domínio da pesca entre a União Europeia e as Comores datam de 1988. Ou seja, há três décadas que a União Europeia mantém com as Comores algum tipo de acordo de pescas, que lhe permite o acesso aos recursos pesqueiros deste país.

As Comores integram o lote dos países menos desenvolvidos. O sector das pescas, o segundo mais importante do país, logo a seguir à agricultura, corresponde a 10% do emprego e a 8% do PIB (segundo dados de 2013).

Todas as operações domésticas, que envolvem cerca de 8.000 pescadores, são artesanais e de pequena escala.

Os stocks susceptíveis de exploração na Zona Económica Exclusiva das Comores correspondem na sua maioria a grandes peixes pelágicos - atum e espadarte. As capturas anuais efectuadas pelos pescadores locais correspondem a menos de metade dos stocks estimados. As restantes quantidades de peixe são exploradas por frotas industriais estrangeiras, que as desembarcam noutros locais. O processamento do pescado é igualmente realizado fora das Comores, incluindo as capturas da frota local.

Este é o quadro que devemos ter presente ao analisar a proposta da Comissão Europeia de denúncia do Acordo de Pescas entre a União Europeia e as Comoros.

Esta denúncia torna-se inevitável em face do envolvimento das Comores em operações que violam o Regulamento relativo à Pesca Ilegal, Não Declarada e Não Regulamenta (pesca INN), nomeadamente ao permitir a troca de bandeira a embarcações envolvidas nestas actividades de pesca.

Entendemos todavia chamar a atenção da Comissão Europeia, através da resolução que hoje discutimos, para algumas questões.

A Pesca Ilegal, Não Declarada e Não Regulamenta (pesca INN) constitui um sério problema ambiental e económico, de dimensão mundial.

O combate à pesca INN não deve incidir exclusivamente na identificação de países terceiros não cooperantes. Uma luta efectiva contra todas as formas de pesca INN passa por encontrar formas de auxiliar os países, em particular os pequenos Estados insulares em desenvolvimento, como é o caso das Comores, a melhorarem as suas políticas de gestão marinha.

Nessa medida, é lamentável que, ao longo dos quase 30 anos em que a União Europeia manteve com as Comores acordos de pescas, não tenha sido possível lograr resultados mais palpáveis no desenvolvimento do sector das pescas comoriano, nomeadamente ao nível da capacidade de controlo e vigilância, do desenvolvimento científico e da formação técnica de pescadores e observadores, entre outros domínios.

É com viva apreensão que registamos que avaliações realizadas por organismos das Nações Unidas criticam a posição de poder da União Europeia no estabelecimento dos acordos de pesca e na definição dos preços do pescado (pagando abaixo do preço estimado por atacado de atum), ao mesmo tempo que referem que os acordos de parceria falharam no apoio ao desenvolvimento da indústria local.

Esta realidade justifica que, no contexto da presente resolução, se façam propostas susceptíveis de contribuir para a continuidade do apoio ao desenvolvimento e para a facilitação da melhoria das condições de pesca nas Comores, para a melhoria das actividades conexas, para a melhoria da qualidade de vida dos pescadores e das comunidades piscatórias e, bem assim, para o combate à pesca INN.

Defendemos que esta denúncia não deve significar o fim de uma relação de cooperação entre a UE e as Comores no domínio das pescas e instamos a Comissão Europeia a trabalhar no sentido de restabelecer logo que possível essa relação, que deve considerar as comunidades piscatórias e as pescas artesanais e de pequena escala como um factor central do seu desenvolvimento, nomeadamente promovendo investimentos e assistência técnica nas seguintes áreas:

- Sistema de administração e governação das pescas, legislação, estrutura institucional, capacitação de recursos humanos (pescadores, cientistas, fiscais, outros), valorização comercial e cultural das artes tradicionais e do pescado comorianos;
- Capacidades de monitorização científica, de proteção da costa, de fiscalização, de vigilância e de controlo da qualidade;
- Activação de estruturas de refrigeração, distribuição e processamento do pescado;
- Construção e reforço de infraestruturas de desembarque e de segurança dos portos e barras;
- Renovação da frota de pequena escala comoriana, em termos de segurança, capacidade de permanência no mar e de pesca.

Chamamos a atenção para a necessidade de uma melhor articulação entre os instrumentos disponíveis no âmbito da cooperação para o desenvolvimento, designadamente o Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED), e o apoio global ao desenvolvimento de capacidades no setor das pescas.

Os acordos de pesca sustentável celebrados pela UE com países terceiros devem trazer benefícios mútuos, devendo o reforço da soberania dos países terceiros sobre a sua pesca, o desenvolvimento de atividades económicas associadas e a proteção dos recursos marítimos, das comunidades e dos trabalhadores pesqueiros assumir caráter prioritário nestes acordos. Esse desenvolvimento, não a depauperação dos recursos, é o modo mais eficaz e justo de combater a pesca INN.

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