Debate &#8220;Direitos Sexuais e Reprodutivos &#8211; direitos sociais do nosso tempo&#8221;<br />Intervenção de Maria Manuela Antunes da

EDUCAÇÃO SEXUAL EM CONTEXTO ESCOLAR, HOJE.Há cinco anos atrás, durante o período que antecedeu o referendo sobre a despenalização do aborto, a educação sexual era apresentada pelos defensores do não, como uma das mais importantes soluções para prevenir o aborto clandestino. Hoje, não podemos deixar de olhar as escolas portuguesas, questionarmos os caminhos percorridos, os resultados alcançados e os retrocessos que estão em curso, resultantes da subversão dos valores contidos na legislação portuguesa, em matéria de educação sexual em contexto escolar, decorrentes do exercício do poder de um governo de direita no nosso país. Os normativos legais definem a educação sexual como uma componente essencial da educação, que não se restringe a uma mera instrução sobre aspectos biológicos e médicos, mas se orienta para os vários aspectos da formação pessoal e social das crianças e jovens. Nesse sentido, em todo o percurso escolar, no ensino não superior, têm de ser abordados, obrigatoriamente, aspectos vários que promovam a saúde sexual e a sexualidade humana, quer numa perspectiva interdisciplinar, quer integrados em disciplinas curriculares cujos programas incluam a temática. Cabe ao Estado a responsabilidade da integração da educação sexual no sistema educativo, criando as condições para que as escolas a incluam nos seus projectos educativos, planos curriculares de escola e de turma, envolvendo vários parceiros da comunidade, nomeadamente técnicos de saúde, para além da escola e da família. Com a mesma finalidade, a legislação aponta para a inclusão da educação sexual na formação inicial e contínua de professores. Com estes pressupostos, o Estado comprometeu-se a assegurar a informação e formação em educação sexual a 90% da população escolar, até ao ano 2003. Num balanço de 14 de Junho de 2002, do Ministério da Educação, recebido pelo MDM, através da Comissão de Educação da Assembleia da República, podemos constatar que: - a nível nacional, existiam 55 técnicos de promoção e educação para a saúde; - tinham sido criados grupos técnicos em cada Direcção Regional de Educação; - privilegiaram-se as escolas integradas na rede de escolas promotoras de saúde, para apoio e acompanhamento dos projectos de escola em matéria de educação sexual; - foram realizadas acções de sensibilização de algumas escolas superiores para integrarem nos seus currículos a educação sexual como base de formação de professores; - nas cinco Direcções Regionais realizaram-se oficinas de formação para professores do 1º ciclo, 2º e 3º ciclos e psicólogos, abrangendo 220 formandos; - quanto à formação contínua de professores, alegando que correspondia a uma área de intervenção da responsabilidade dos Centros de Formação Contínua de Professores, não existiam dados sobre as acções realizadas; - previa-se a realização de formação à distância, para professores, apoiada pela Internet, que não chegou a ser posta em prática; - no que respeita à formação levada a cabo pelos técnicos de promoção da educação para a saúde, a nível regional, abrangendo as áreas da DREN, DREC e DREL, tinham sido realizadas 2 497 horas de formação, abrangendo 344 escolas, 6381 professores, 1489 encarregados de educação, 293 associações de estudantes, 272 técnicos; - realizou-se um trabalho orientado para a formação inicial de professores na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, ESE de Leiria e ESE de Viseu ; - realizaram-se acções de sensibilização de directores de 8 centros de formação de professores, no âmbito da Direcção Regional de Lisboa. Mas, apesar do trabalho positivo desenvolvido nos últimos anos, para o qual muito contribuiu a existência de um protocolo entre o Ministério da Educação e a Associação de Planeamento da Família, responsável pelo apoio directo a mais de 1000 escolas em todo o país e as acções desenvolvidas por outros parceiros, nomeadamente os Centros de Formação dos Sindicatos de Professores da FENPROF e pelo Instituto Irene Lisboa, no âmbito da formação contínua de professores, estávamos muito longe de considerar que se tivesse realizado o investimento necessário para que a educação sexual fosse uma realidade nas escolas portuguesas. Entretanto, os estudos realizados sobre os comportamentos sexuais dos jovens portugueses continuam a revelar grandes insuficiências na sua informação e formação. Um estudo realizado pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, divulgado em Abril de 2002 , abrangendo 7238 estudantes do ensino secundário de todas as regiões do país, entre os 15 e os 19 anos, revela que: - 37,6% dos jovens inquiridos afirmam ter uma vida sexual activa, um terço dos quais, com mais do que um parceiro; - apenas 56,9% dizem usar sempre preservativo (64,1%, na faixa etária dos 15 anos e apenas 47% na dos 19 anos); - 2,2% dos de 15 anos e 5,3% dos de 19 anos revelam já ter realizado abortos, sendo o Distrito de Braga o detentor da taxa mais elevada do País, com 8,6% dos jovens a confessar ter abortado.Comportamentos de risco, grandes insuficiências de informação e formação sobre sexualidade marcam, por vezes de forma dramática, a vida e o futuro dos jovens. É, pois, com grande preocupação que assistimos hoje a uma política em matéria educativa, com concepções e práticas que põem em causa “um programa para a promoção da saúde e da sexualidade humana, no qual será proporcionada adequada informação sobre a sexualidade humana, o aparelho reprodutivo e a fisiologia da reprodução, SIDA e outras doenças sexualmente transmissíveis, os métodos contraceptivos e o planeamento da família, as relações interpessoais, a partilha de responsabilidades e a igualdade entre os géneros” Os retrocessos verificam-se, através de uma estratégia política que utiliza métodos e instrumentos vários para subverter os princípios em que assenta a educação sexual, tais como: - campanhas de intoxicação da opinião pública pondo em causa a idoneidade ética e moral de instituições como a APF, que tem desempenhado um papel fundamental na formação de professores e na orientação de projectos desenvolvidos nas escolas; - a desconfiança lançada por responsáveis do ME (de que é exemplo o discurso da Secretária de Estado Mariana Cascais, na Assembleia da República) sobre os Professores/as, considerados como moralmente incapazes de desenvolver uma acção adequada em matéria de educação sexual; - realização de um protocolo com o Movimento Pró-vida, cuja intervenção se orienta por critérios moralistas de abordagem das temáticas da sexualidade, nomeadamente no que respeita ao conhecimento e utilização de métodos contraceptivos; - introdução de mecanismos fiscalizadores da acção das escolas e redutores de espaços e tempos nos currículos escolares para a abordagem de temáticas que contribuam para a formação global dos jovens, onde se insere a educação sexual, privilegiando matérias e conteúdos meramente académicos, com vista ao “sucesso”, traduzido na classificação final dos alunos.Outra linha de intervenção do governo de direita PSD/PP tem-se desenvolvido com vista à alteração da legislação existente em matéria educativa, que se traduz na desvalorização da escola pública, no reforço do ensino privado e na elitização da educação. Subvertendo o princípio constitucional de garantia da liberdade de aprender e ensinar , o Governo PSD/PP introduz normativos que reconhecem aos pais, como primeiros educadores, a liberdade de opção sobre o projecto educativo dos filhos, reconhecendo-lhes o direito de se opor a que os filhos sejam obrigados a receber ensinamentos que não estejam de acordo com as suas convicções éticas e religiosas . Estas normas, reeditadas e ampliadas na proposta de Lei do Governo que altera a Lei de Bases do Sistema Educativo, induzem a um controlo ideológico do conteúdo da educação e da liberdade de exercer a função docente, o que poderá limitar, e manipular, ainda mais a intervenção sobre as temáticas da educação sexual, em contexto escolar. De facto, toda a educação tem um quadro ético de referência e nessa medida não pode ser neutra, sobretudo “ quando se abordam comportamentos humanos e, em especial, os comportamentos sexuais” . Mas tem regras, aquelas que decorrem dos valores expressos nos normativos legais que a sustentam e que, quanto à educação sexual, decorrem de valores civilizacionais consensuais na nossa sociedade, tais como: - o reconhecimento da sexualidade como algo positivo na condição humana e nas relações que estabelecemos; - a igualdade de direitos e de oportunidades entre homens e mulheres; - a responsabilidade nos actos individuais e nas relações que estabelecemos; - a recusa da violência e da exploração sexual; - a importância dos vínculos afectivos.Baseando-se nestes princípios, a escola deve assumir o papel de ajudar a preparar as crianças e jovens, desenvolvendo-lhes capacidades para fazer escolhas morais, respeitadoras de si mesmos e dos outros, sempre no maior respeito pela diversidade. Por isso, a escola não pode visar a promoção, ou rejeição de qualquer forma de comportamento sexual específico, excepto aqueles que não respeitem o quadro ético dos nossos valores culturais e humanos, como a pedofilia e comportamentos violentos e irresponsáveis. Isto significa, tão só, que a escola e os professores têm de recusar e não utilizar estratégias de doutrinação, pela simples razão de que não pode haver um pensamento único sobre a sexualidade e os comportamentos humanos. Neste contexto político-ideológico em que vivemos, em que, objectivamente, se pretende desvalorizar e subverter a educação sexual, como processo fundamental de socialização e construção individual e social de crianças e jovens, é cada vez mais urgente resistir e intervir, procurando reverter este processo. O debate público sobre a Lei de Bases do Sistema Educativo é um momento propício para estimular os vários parceiros das comunidades educativas e outros intervenientes , a intervir e a desenvolver um amplo movimento de opinião em defesa da educação sexual nas escolas, em conformidade com a legislação existente nesta matéria. Outra linha de acção deverá ser a de denunciar a ilegitimidade do governo, e dos movimentos que apoiam a sua política, em manipular e deturpar os valores e princípios éticos, defendidos em todas as normas nacionais e internacionais promotoras de uma educação sexual independente face a perspectivas morais impositivas, que não respeitem os direitos sexuais e reprodutivos. (1)Constituição da República Portuguesa (art.º 67º); Lei 3/84, de 24 de Março; Lei de Bases do Sistema Educativo(art.º 47º); Resolução do Conselho de Ministros nº 124/98, de 1 de Outubro, Lei 120/99 de 11 de Agosto; D.L 259/2000 de 17 de Agosto(2) jornal “público”, 24 de Abril de 2002(3) Lei 120/99 de 19 de Agosto(4) Artº. 43º da Constituição da República Portuguesa(5) Base XXVII da Lei de Bases da Família(6) Educação Sexual em Meio Escolar – linhas orientadoras – Ministério da Educação e outros, Outubro de 2000(7)professores, pessoal não docente, estudantes, escolas, sindicatos, associações de pais e encarregados de educação, associações de estudantes, autarquias(8) associações de mulheres, APF e outras associações que defendam os direitos sexuais e reprodutivos, instituições e técnicos de saúde, partidos políticos

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