Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

"É crucial a titularidade pública de empresas estratégicas ou equipamentos estruturantes"

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:
Nesta discussão sobre captação de investimento e crescimento económico importa, antes de mais, clarificar aquilo de que falamos quando referimos o investimento.
É que a realidade concreta do investimento direto estrangeiro, assim chamado, tem vindo a demonstrar que a estratégia seguida até agora tem servido, fundamentalmente, para garantir chorudos dividendos para os grupos económicos estrangeiros que investiram, digamos a assim, em Portugal. Vejam-se os casos da ANA - Aeroportos de Portugal, da Fidelidade, da REN-Redes Energéticas Nacionais ou ainda — se o PSD e o CDS tivessem conseguido — da STCP (Sociedade de Transportes Coletivos do Porto, SA), da Carris e da Metro. Aliás, nos dados mais recentes da estrutura do investimento direto estrangeiro por setores, constata-se que apenas 6,4% se encontra investido na indústria transformadora, 2,6% na construção e 77% no setor dos serviços, com particular destaque para o subsetor das atividades financeiras e seguros. Isto comprova que a esmagadora maioria desses investimentos correspondem, afinal, a meras aplicações financeiras, pouco ou nada contribuindo para o investimento produtivo nacional.
O que é preciso é investimento que seja digno desse nome, que permita modernizar as nossas infraestruturas, desenvolver o nosso potencial produtivo, dinamizar a atividade económica e a nossa capacidade de criar riqueza.
Isto para o PSD e para o CDS não faz diferença nenhuma, mas para o nosso País e para a nossa economia faz toda a diferença.
De resto, desengane-se quem pensa que este problema é de agora! Entre 2000 e 2007, o investimento líquido teve uma quebra de 31,3%, e entre 2007 e 2011 caiu 90,9%. Com a ingerência da troica e com o Governo PSD/CDS, o País passou, pela primeira vez, para um valor negativo do investimento líquido. Em quatro anos, o saldo acumulado do investimento líquido negativo atingiu 15,9 mil milhões de euros. Negativo, Srs. Deputados! Foi isto que tivemos em década e meia, mas o PSD indigna-se: «Estava tudo tão bem e agora vêm estragar isto!» Como há dias escrevia um camarada meu, pensávamos que gestores experimentados e de excelência, empresários, empreendedores e amigos do risco investiam quando sentiam, através dos seus sensores «empreendedorísticos», uma oportunidade de negócio, quando julgavam azado o momento para a expansão das atividades ou para a modernização de um projeto industrial e afinal é tudo muito mais simples: trata-se de ter o Governo com gente amiga, que dê confiança, que não faça faltar os benefícios fiscais e mesmo uma reduçãozita do IRC (imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas), chorudos subsídios comunitários e outros, enfim, gente do peito, ou seja, que garanta um Estado mínimo mas que dê um máximo de facilidades e ajudas ao capital privado, porque sem isso ele não se mexe. Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, não há pirueta nem cambalhota que permita ignorar esta questão central: o investimento tem de ser dinamizado não como um caminho para a acumulação de lucros em grupos estrangeiros mas para o desenvolvimento económico e para a transformação e modernização das nossas infraestruturas.
(...)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:
Como, mais uma vez, acabámos de ouvir, a teoria económica aqui trazida por PSD e CDS vem colocar o centro do problema no financiamento e, principalmente, na confiança: quem tem confiança não tem fundos e quem tem fundos tem medo. E pergunta-se: medo de quê? O PSD e o CDS respondem: «Dos comunistas». E está resolvido!
Aliás, recorde-se a recente afirmação do Presidente da CIP (Confederação Empresarial de Portugal): «Não há confiança na relação de forças que sustenta o Governo e isso continua a gerar muita instabilidade que não atrai investimento essencial à criação de emprego e ao crescimento da economia». A primeira coisa a perguntar seria: porque não investiram quando o Governo era o do PSD e do CDS, de Passos Coelho e de Paulo Portas, que tinha toda a sua confiança política, a tal gente do peito que tanto ambicionam?! Os dados conhecidos são esclarecedores: durante o mandato do Governo PSD/CDS, de 2011 a 2015, o investimento privado caiu, em termos reais, perto de 25%. Mas, se não houve disponibilidade para o investimento ou, pelo menos, para reduzir a dívida empresarial, já houve — e muita! — para distribuir dividendos, nem que fosse por recurso a novos empréstimos. Em 2015, 8 das 12 empresas cotadas em bolsa distribuíram aos acionistas mais de 70% dos lucros, que tinham subido, em 2015, para 2910 milhões de euros — mais 280 milhões do que em 2014. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O que este debate vem evidenciar é a importância crucial da titularidade pública de empresas estratégicas ou de equipamentos estruturantes. Um País não pode estar dependente, na realização desses investimentos, da boa vontade ou do humor dos grandes grupos económicos, quando eles se movem com uma agenda política e ideológica evidentemente destinada a maximizar os seus lucros. Pode um país como Portugal permitir que os investimentos em grandes centros eletroprodutores, em infraestruturas fundamentais da nossa economia, em redes de transporte de energia, se realizem ou não conforme os negócios e interesses do capital privado? Não pode! E podemos repetir, mais uma vez, para ver se é desta que os Srs. Deputados do CDS entendem, como é absolutamente decisivo o investimento público, especialmente neste momento difícil que Portugal atravessa, até para fazer arrancar e dinamizar o investimento privado. Falamos de centros de saúde e hospitais; da modernização da ferrovia e da rodovia; de equipamentos sociais. Falamos da necessidade de inverter este caminho de degradação e obsolescência de infraestruturas, máquinas e equipamentos com que PSD e CDS brindaram o nosso País e a nossa economia. Que o digam os utentes dos serviços públicos! Que o digam as populações do Alentejo Litoral, com o que se passa no IC1 ainda hoje! Mas também é preciso desmascarar a inacreditável hipocrisia política do PSD e do CDS, que passaram tão depressa de inimigos do investimento público, no Governo, a campeões do investimento público, na oposição. O PCP continuará a sublinhar e a alertar para esta questão central para o futuro do nosso País. Temos de avançar para esse futuro, com emprego, direitos, produção, soberania. Voltar para trás, não, obrigado!

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