Projecto de Resolução N.º 1420/XII/4.ª

Criação de uma rede pública de equipamentos de apoio à infância de qualidade a preços acessíveis e socialmente justos

Criação de uma rede pública de equipamentos de apoio à infância de qualidade a preços acessíveis e socialmente justos

Exposição de Motivos

I

A avaliação das medidas de incentivo à natalidade não dispensa a necessidade de gerar confiança aos casais que decidem pela maternidade e paternidade de que disporão de uma rede de equipamentos e serviços de qualidade e a preços acessíveis de apoio à infância.

A situação atual é marcada por uma insuficiente rede de equipamentos, designadamente na valência de creche, registando-se listas de espera ou a inexistência desta valência. Acresce os valores das mensalidades que pesam e muito no orçamento familiar dos jovens casais.

A atual rede de equipamentos de apoio à família revela de modo claro a desresponsabilização do Estado na área social, com o agravamento das desigualdades no acesso aos equipamentos, em função do nível de rendimento das famílias e da região onde vivem.

Através desta opção política, sucessivos governos incentivaram o alargamento da iniciativa privada nas áreas sociais e uma crescente transferência de responsabilidades para as instituições particulares de solidariedade social ou equiparadas, designadas como «rede solidária», atualmente responsável pela quase totalidade dos equipamentos existentes, com cerca de 800 mil utentes/dia e 250 mil trabalhadores a nível nacional.

Esta opção política visou a subversão do papel complementar atribuído às instituições particulares de solidariedade social ou equiparadas, conforme consagrado na Constituição da República, e progressivamente foram abandonadas as responsabilidades constitucionais atribuídas ao Estado, de criação de uma Rede Pública de Equipamentos Sociais, de âmbito nacional e adequada às necessidades concretas de cada região do território nacional.

Desde 2005 que, com base na Carta Social, não é possível aceder à quantificação dos equipamentos de acordo com a sua natureza, sendo apenas referido o número de equipamentos.

Não são conhecidas e deveriam ser, o número de instituiçoes de solidariedade social que fecharam por razões financeiras e quais as valências que deixaram de funcionar por esse facto.

De igual modo que se impõe a avaliação do processo de entrega de equipamentos da rede pública gerida pela Segurança Social para entidades privadas de solidariedade social ao abrigo da lei Decreto-lei 16/2011, de 25 de Janeiro.

Desde há vários anos que sucessivos governos têm às IPSS, para que assumam a prestação de serviços à comunidade, em diversas áreas, e tendo como principio, que estas fazem melhor trabalho e com menos custos.

A opção política de transferir a responsabilidades de funções sociais para as IPSS radica numa visão economicista e desresponsabilizadora e não no objetivo de ampliar o número utentes abrangidos e a qualidade das respostas sociais que devem ser prestadas.

Nas contas dos diversos Governos não são considerados: o trabalho voluntário dos muitos dirigentes destas instituições; a necessária valorização do estatuto sócio-profissional dos milhares de trabalhadores; a utilização de desempregados, ao abrigo programas ocupacionais e de jovens estudantes, por via de estágios.

O saldo desta opção encontra-se na insuficiente cobertura em equipamentos e respostas sociais, no aumento da comparticipação financeira que é transferida para as famílias, em detrimento da componente do Estado, na crescente seletividade no ingresso, privilegiando os agregados familiares com maiores rendimentos. Mas, esta opção cria, igualmente, desigualdades entre instituições de solidariedade social, de acordo com a sua dimensão e território onde intervém. Entre instituições, inseridas em zonas socialmente deprimidas, com forte taxa de desemprego, baixos salários e consequentemente prestações mensais baixas - e inúmeras vezes, com prestações em dívida - em contraponto a outras instituições, inseridas em meios sociais mais favorecidos ou mais estáveis, com melhores condições financeiras.

A situação recente de encerramento sem qualquer alternativa de equipamentos que eram património público comprovam as consequências graves para os utentes da opção política de desresponsabilização do estado e transferência de competências para outras entidades. Em Setembro de 2013, através de um memorando de entendimento celebrado entre o Instituto da Segurança Social e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), foi cedida em definitivo a maior parte dos cerca de 25 equipamentos da Segurança Social no âmbito do Centro Distrital de Lisboa, com transmissão de património a título gratuito, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2014. Na ausência de entidade interessada na gestão do equipamento, como o caso do Centro Infantil de Odivelas, o que tem vindo a suceder é o encerramento da resposta de creche e jardim-de-infância com prejuízos profundos para as crianças e suas famílias.

II

O Governo PSD/CDS tem vindo a expressar dissimuladas preocupações com a redução da natalidade visando ocultar a responsabilidade direta e indireta que tem no desrespeito pela função social da maternidade e paternidade e no incumprimento dos direitos que lhe estão inerentes, bem como na promoção dos direitos das crianças.

A demagogia do Governo em torno da «natalidade» assenta em conceções retrógradas de responsabilização individual das mulheres e das famílias pela renovação das gerações e na desresponsabilização do Estado, das entidades patronais e de toda a sociedade para com a função social da maternidade e da paternidade.

Os tempos que vivemos de baixa natalidade são inseparáveis dos impactos das políticas de direita que promovem a emigração, o desemprego, a precariedade da vida, o desrespeito e violação dos direitos de maternidade e paternidade nos locais de trabalho, os baixos salários, a desregulamentação e o aumento do horário de trabalho, os custos exorbitantes com a habitação, o custo dos bens e serviços essenciais, a falta de equipamentos de apoio à infância a custos acessíveis.

A responsabilidade pela redução da natalidade não é das famílias, é de sucessivos governos e das políticas que executaram. A natureza da política de direita é responsável pela redução da natalidade, e por isso para resolver este problema é urgente romper com estas opções e construir uma política alternativa, que integre medidas multissetoriais.

Para o PCP é urgente criar empregos com direitos e pôr fim à precariedade e à instabilidade; valorizar os salários e repor os salários cortados; organizar o tempo de trabalho, de forma a permitir a articulação entre a vida profissional e a vida familiar; reforçar os direitos de maternidade e de paternidade e uma fiscalização efetiva do cumprimento dos direitos consagrados; alargar as prestações sociais, em particular o abono de família; uma política fiscal que desonere as famílias; a criação de uma rede pública de creches; reforçar os cuidados de saúde primários e cuidados hospitalares, garantindo os direitos sexuais e reprodutivos, o planeamento familiar, a saúde materno-infantil e o reforço na área da infertilidade; o acesso à habitação a custos acessíveis.

O PCP defende que no conjunto de medidas de incentivo à natalidade se inscreve a criação de uma Rede Pública de Creches e Infantários e de ensino pré-escolar, de qualidade pedagógica e a preços acessíveis para os trabalhadores e suas famílias, planeada de acordo com as necessidades de cada região, é a garantia do superior interesse das crianças e da efetivação de parte dos seus direitos fundamentais.

A aposta nesta rede pública insere-se na promoção dos seus direitos, sem prejuízo da complementaridade das instituições de solidariedade social e do sector privado.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projeto de Resolução:

A Assembleia da República, ao abrigo do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomenda ao Governo:

1. A criação e gestão de uma Rede Pública de Apoio à infância e juventude que garanta a igualdade de acesso, com equipamentos de qualidade, a preços acessíveis e socialmente justos, para a generalidade das famílias, planeada de acordo com as necessidades populacionais e regionais;

2. A garantia de acesso aos equipamentos de todos aqueles que, se encontrem em situação de insuficiência de meios de subsistência aos equipamentos e serviços sociais;

3. A definição da relação do Estado com as Instituições Particulares de Solidariedade Social, baseada no respeito pelo que a Constituição da República Portuguesa consagra, nomeadamente quanto ao seu papel complementar relativamente às funções do Estado;

4. O envio à Assembleia da República de um Relatório Anual com informação relativa aos equipamentos de apoio à infância e juventude, ao número de instituições de solidariedade social que fecharam ou aboliram valências por razões financeiras, discriminando os seguintes dados por concelho:

4.1- Natureza da entidade gestora dos equipamentos;
4.2- Número de utentes e respetiva comparticipação financeira da Segurança Social;
4.3- Valor médio cobrado em cada uma das valências;
4.4- Número de trabalhadores e tipologia do vínculo contratual;

5. O envio à Assembleia da República de informação rigorosa acerca das entidades responsáveis pela gestão dos equipamentos da segurança social constantes no anexo I ao Decreto-lei n.º 16/2011, de 25 de Janeiro;

6. O envio à Assembleia da República de informação sobre o valor patrimonial dos equipamentos cedidos a título gratuito à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa pelo Instituto da Segurança Social.

7. A manutenção da resposta das Amas da Segurança Social, assegurando a sua contratação efetiva através de vínculo público.

Assembleia da República, em 10 de abril de 2015

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