Projecto de Lei N.º 434/XIV/1.ª

Cria um regime excepcional e temporário de suspensão do contrato de trabalho por não pagamento pontual da retribuição

Exposição de Motivos

A situação criada em Portugal pelo desenvolvimento do surto do COVID-19 coloca como primeira prioridade a adoção de medidas de prevenção e de alargamento da capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde, visando o combate ao seu alastramento e a resposta clínica.

A situação que o país e o Mundo atravessam, com medidas excecionais para situações excecionais, não pode ser usado e instrumentalizado para, aproveitando legítimas inquietações, servir de pretexto para o agravamento da exploração e para o ataque aos direitos dos trabalhadores.

Estes dias dão um perigoso sinal de até onde sectores patronais estão dispostos a ir espezinhando os direitos dos trabalhadores. Indiciando um percurso que a não ser travado lançará as relações laborais numa verdadeira “lei da selva”, tem-se assistido à multiplicação de atropelos de direitos e arbitrariedades.

Para além dos despedimentos selvagens de milhares de trabalhadores, de que são particular exemplo os que têm vínculos precários, nomeadamente das Empresas de Trabalho Temporário e trabalhadores em período experimental; a colocação de trabalhadores em férias forçadas; a alteração unilateral de horários; a redução de rendimentos por via do Lay-off e também pelo corte de prémios e subsídios, entre os quais o subsídio de refeição, designadamente a quem é colocado em teletrabalho; a recusa do exercício dos direitos parentais; são exemplos que ilustram a ofensiva em curso contra os trabalhadores, os seus salários, os seus direitos e o seu emprego.

Para além destes exemplos existem milhares de trabalhadores no nosso país cujas entidades patronais decidiram encerrar os estabelecimentos, por iniciativa própria ou por orientação e imposição das autoridades de saúde e do Governo, sem prestar aos seus trabalhadores qualquer informação ou esclarecimento e em muitas situações com salários em atraso.

Milhares de trabalhadores encontram-se neste momento com salários em atraso relativos aos meses de março e abril e, ainda, em alguns casos, os salários relativos ao mês de fevereiro. A pretexto da situação epidémica muitos patrões decidiram desresponsabilizar-se do cumprimento pontual das suas obrigações perante os seus trabalhadores, nomeadamente do pagamento dos seus salários. Esta desresponsabilização deixa estes trabalhadores numa situação de extrema fragilidade, sem condições de assegurar sequer a sua subsistência e de cumprir de forma cabal os compromissos assumidos.

Os artigos 325.º e seguintes do Código do Trabalho estabelece e regula a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho por não pagamento pontual da retribuição dando aos trabalhadores a possibilidade de suspender os seus contratos de trabalho e de terem, por consequência, acesso a prestações por desemprego. Este regime foi criado com o objetivo de fornecer aos trabalhadores um instrumento para que, sem a necessidade de cessação do contrato de trabalho, possam ter acesso a prestações por desemprego.

No entanto este regime, conforme previsto no Código do Trabalho, é moroso e burocrático. Exige-se que para que os trabalhadores possam requerer a suspensão do contrato já existam salários em atraso há pelo menos 15 dias, ou seja, exige que o trabalhador esteja pelo menos 15 dias sem qualquer rendimento. Adicionando todos os prazos de antecedência e de possibilidade de resposta até à declaração da suspensão do contrato o trabalhador poderá estar pelo menos 33 dias sem qualquer rendimento. A estes dias deverá sempre ser acrescentado o tempo necessário análise e deferimento da atribuição da prestação por desemprego pela segurança social.

Sem prejuízo da eventual necessidade de alteração do regime previsto no Código do Trabalho, este projeto de lei do PCP visa criar um regime excecional e temporário de suspensão do contrato de trabalho por não pagamento pontual da retribuição com objetivo de redução substancial dos prazos.

Visa também assegurar que nestes casos os trabalhadores que requererem as prestações por desemprego vêm os seus prazos de garantia reduzidos para metade.

Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei cria um regime excecional e temporário de suspensão do contrato de trabalho por não pagamento pontual da retribuição, até à cessação das medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2.

Artigo 2.º

Requisitos da suspensão de contrato de trabalho

  1. No caso de falta de pagamento pontual da retribuição por período de 5 dias sobre a data do vencimento, o trabalhador pode suspender o contrato de trabalho mediante comunicação por escrito ao empregador e ao serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral com a antecedência mínima de três dias em relação à data da suspensão.
  2. O trabalhador pode suspender o contrato de trabalho antes de decorrido o período de 5 dias referido no número anterior, quando o empregador declare por escrito que prevê que não vai pagar a retribuição em dívida até ao termo daquele prazo.
  3. A falta de pagamento pontual da retribuição por período de 5 dias é declarada, a pedido do trabalhador, pelo empregador, no prazo de três dias ou, em caso de recusa, pelo serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral, no dia seguinte ao término do prazo concedido ao empregador.
  4. A suspensão do contrato de trabalho produz efeitos no dia seguinte ao decurso dos prazos previstos nos números 1 e 3 do presente artigo.
  5. A declaração referida no n.º 2 ou 4, deve especificar o montante das retribuições em dívida e o período a que reportam.
  6. O regime previsto no artigo 325.º e seguintes do Código do Trabalho aplica-se com as necessárias alterações.
  7. Constitui contraordenação grave a violação do disposto no n.º 3.

Artigo 3.º

Direito a prestações de desemprego em situação de suspensão de contrato de trabalho por não pagamento pontual da retribuição

  1. O trabalhador que suspenda o contrato de trabalho nos termos definidos na presente lei tem direito a prestações de desemprego durante o período de suspensão.
  2. As prestações por desemprego podem também ser atribuídas em relação ao período a que respeita a retribuição em mora, desde que tal seja requerido e o empregador declare, a pedido do trabalhador, no prazo de cinco dias, ou em caso de recusa, mediante declaração do serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral, o incumprimento da prestação no período em causa.
  3. Na situação prevista no número anterior o Estado fica sub-rogado nos direitos e privilégios creditórios do trabalhador, na medida dos pagamentos efetuados, acrescidos de juros de mora vincendos.
  4. Confere igualmente direito a prestações de desemprego o não pagamento pontual:
    1. Da retribuição devida em caso de suspensão do contrato de trabalho por facto respeitante ao empregador ou encerramento da empresa ou estabelecimento por período igual ou superior a 5 dias;
    2. Da compensação retributiva em situações de crise empresarial.
  5. Os prazos de garantia previstos para atribuição das prestações de desemprego são reduzidos para metade para as situações previstas no presente artigo.

Artigo 4.º

Financiamento

Os montantes suportados para execução do regime previsto na presente lei são assegurados pelo Orçamento do Estado.

Artigo 5.º

Entrada em vigor e vigência

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação e vigora até à cessação das medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2.