Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

"Convocar eleições antecipadas para defesa do nosso destino coletivo"

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Senhora Presidente,
Senhoras e senhores Deputados,
Senhores membros do Governo,

Perante a nona declaração de inconstitucionalidade, desta vez relativa às normas do Orçamento do Estado para 2014, a obrigação do governo era respeitar o Tribunal Constitucional, acatar o acórdão e tomar as medidas necessárias a que o mesmo fosse cumprido respeitando a Constituição.

Aquilo a que temos assistido desde o dia 30 de Maio é, exatamente ao contrário, à escalada do confronto com o Tribunal Constitucional por parte do Governo e dos partidos que o suportam que têm procurado fazer de tudo para não dar cumprimento ao acórdão.

Primeiro com declarações de responsáveis partidários, deputados da maioria e até membros do Governo onde se inclui o Primeiro-Ministro, a desferirem novos e mais graves ataques contra o Tribunal Constitucional, as suas decisões e os próprios juízes.

Depois com falsas dúvidas e incompreensões quanto ao teor do acórdão e um pedido de aclaração que não podia ter existido e apenas serviu para usar a Assembleia da República como arma de arremesso contra o Tribunal Constitucional.

Finalmente, e perante a resposta de que não havia nada a aclarar, havia era que cumprir o acórdão, surge a decisão de desrespeitar frontalmente o acórdão e o anúncio de medidas de novos cortes e penalizações aos trabalhadores e reformados.

A verdade é que este Governo e a maioria parlamentar que lhe dá suporte continuam a colocar-se à margem da lei e da Constituição, sem legitimidade política e eleitoral nem apoio social que lhes permitam manter-se em funções.

Senhora Presidente,
Senhoras e senhores Deputados,
Senhores membros do Governo,

Desde as primeiras reações do Governo e da maioria ao Acórdão, que o PCP alertou para a as suas verdadeiras intenções de lhe não darem cumprimento.

A confirmação de que assim era e de que eram falsas as dúvidas suscitadas pelo Primeiro-Ministro na carta que enviou à Assembleia da República com o pedido de aclaração foi confirmada no próprio dia da resposta do Tribunal Constitucional.

Perante a resposta de que não havia nada a aclarar, havia era que cumprir o Acórdão, de que essas dúvidas não resultavam do Acórdão mas da leitura que o Governo dele fazia e de que não era responsabilidade do Tribunal Constitucional dizer aos restantes órgãos de soberania como deviam cumprir as suas funções, o Governo apressou-se a afirmar, numa atitude revanchista e vingativa contra os trabalhadores, que se era assim iam ficar sem os subsídios de férias e de Natal por inteiro porque o Governo não compensaria o que já fora cortado.

No próprio dia o Ministro Poiares Maduro dizia que não seriam pagos os subsídios de férias e de Natal que já haviam sido pagos na totalidade ou parcialmente em duodécimos.

Confrontado pelo PCP com a ilegalidade e até inconstitucionalidade dessa decisão, o Governo acabou por recuar parcialmente em relação ao subsídio de férias mas mantém-se determinado em não cumprir o acórdão relativamente ao subsídio de Natal.

Senhora Presidente,
Senhoras e senhores Deputados,
Senhores membros do Governo,

O problema que temos não é um problema jurídico, é um problema político. Se o Governo tomar a decisão política de cumprir o Acórdão e pagar o que deve aos trabalhadores, pagando por inteiro os subsídios de férias e de Natal, não há problemas jurídicos que se coloquem, muito menos de natureza constitucional.

Os problemas jurídicos só surgem porque o Governo continua a insistir politicamente em não dar cumprimento ao Acórdão e em não se conformar com a Constituição.

O pagamento por inteiro dos subsídios levanta alguma problema de desigualdade entre trabalhadores? Não, mas a decisão de não compensar aquilo que já foi cortado deixa trabalhadores em situações de desigualdade, suscita novo confronto com o artigo 13.º da Constituição e suscita novas dúvidas de constitucionalidade.

O pagamento por inteiro dos subsídios aos trabalhadores não levanta problemas nenhuns quanto à remuneração relevante para o seu cálculo mas a decisão de não pagar por inteiro esses subsídios obriga a discutir qual é a remuneração relevante para determinar o seu montante.

O pagamento por inteiro dos subsídios não suscita dúvidas rigorosamente nenhumas quanto à aplicação do Acórdão e aos seus efeitos no tempo mas o não pagamento por inteiro levanta dúvidas quanto ao efeito daquela decisão, que apenas diz respeito aos cortes nos salários e não a outras componentes da remuneração que dele estão dependentes.

As declarações do Primeiro-Ministro no debate de sexta-feira passada na Assembleia da República são bom exemplo do pântano político e jurídico em que o Governo vai ter de arrastar-se se decidir não cumprir o Acórdão ao não pagar por inteiro os subsídios aos trabalhadores.

Sustentando-se no artigo 35.º do Orçamento do Estado, que se refere ao pagamento em duodécimos e à forma como o duodécimo deve ser calculado, e ignorando o artigo 207.º do Regime Geral de Trabalho em Funções Públicas aprovado pela Lei n.º 59/2008, que define o montante do subsídio de Natal, o Primeiro-Ministro enreda-se num imbróglio jurídico do qual dificilmente sairá ileso.

E nem sequer dá resposta a outra questão que é a de saber se pode o Governo manter o pagamento do subsídio de Natal em duodécimos. Sendo o pagamento por duodécimos imposto aos trabalhadores que tinham os seus salários cortados e tendo este corte sido declarado inconstitucional, o artigo 35.º do Orçamento que estabelece o pagamento em duodécimos deixou de ter âmbito subjetivo, deixou de ter um universo de pessoas a quem se aplicar.

Pergunta-se: valerá a pena criar todos estes problemas jurídicos para não pagar aos trabalhadores o que deve ser pago?

Valerá mesmo a pena levantar todas estas dúvidas legais constitucionais para não pagar os subsídios por inteiro?

E mais: o estado de direito democrático, o regular funcionamento das instituições, o respeito pelo juramento de cumprir e fazer cumprir a Constituição aguentam este tipo de afronta e de confronto permanente por um órgão de soberania?

Senhora Presidente,
Senhoras e senhores Deputados,
Senhores membros do Governo,

Ninguém tinha dúvidas que tínhamos um Governo sem base social de apoio, sem legitimidade política e eleitoral para se manter em funções, suportado numa maioria de deputados que apenas existe artificialmente nesta Assembleia da República, contra a vontade e as opções dos portugueses.

Agora passámos também a ter um Governo a monte, que foge com o dinheiro dos subsídios de férias e de Natal nos bolsos, fugindo das suas responsabilidades e escondendo-se do acórdão do Tribunal Constitucional atrás de falsos argumentos jurídicos e orçamentais para prosseguir a sua política de violação da Constituição, enquanto vai preparando novas medidas de assalto aos rendimentos e ataque aos direitos dos trabalhadores e do povo.

O que é indesmentível é que, enquanto este Governo se arrastar em funções, o destino do país será o da degradação da situação política, institucional, social e económica.

Nem Portugal nem os portugueses merecem tal destino nem ele é compatível com a democracia.

Demitir o Governo, dissolver a Assembleia da República, convocar eleições antecipadas são por isso medidas de elementar defesa do nosso destino coletivo.

Disse,

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