Nota do Gabinete de Imprensa dos Deputados do PCP ao PE

Conselho Europeu de Nice - A vitória das grandes potências

Tendo em conta as conclusões do Conselho Europeu de Nice, os deputados do PCP ao Parlamento Europeu consideram importante salientar que:

Relativamente à revisão dos Tratados, e sem prejuízo de uma tomada de posição posterior, tendo em conta que neste momento ainda não são conhecidos os exactos contornos e o real alcance das decisões tomadas:

Em termos globais, e apesar das contradições e dificuldades evidenciadas, as decisões tomadas reforçam e aprofundam o caminho para uma maior integração de orientação federalista, comportando graves consequências para a soberania de Portugal, confirmando-se, assim, os riscos anteriormente apontados.

As cooperações reforçadas apresentam-se como o instrumento que de futuro institucionalizará uma União Europeia com diferentes níveis de integração em torno e dominada por um "directório" das grandes potências, tendo-se simplificado o mecanismo da sua implementação, nomeadamente a anulação do direito de veto e a diminuição do número de Estados membros necessário à sua implementação. A sua aplicação alarga-se ainda a outros domínios. Recorda-se que foi iniciativa da Presidência portuguesa a sua inclusão na agenda da Conferência Intergovernamental.

Constata-se mais um avanço, mesmo que não tão significativo quanto os mais "federalistas" desejariam, na limitação do direito de veto, nomeadamente quando estejam em causa a defesa de interesses fundamentais de Portugal, sendo uma séria limitação à soberania do nosso país, como nos fundos estruturais ou nos acordos de política comercial através da extensão da aplicação da decisão por maioria qualificada, mesmo que mais ou menos condicionada.

O conjunto das grandes potências vê o seu poder no processo de tomada de decisão no Conselho reforçado face aos restantes países, nomeadamente Portugal, através da valorização do critério demográfico em detrimento da representatividade dos Estados enquanto tais, com significativos reflexos ao nível da ponderação dos votos e na possibilidade de bloqueio nas decisões.

Coloca-se em causa o principio da presença de todos os Estados membros na Comissão Europeia, o órgão que detém o poder de iniciativa legislativa na UE, reforçando o seu carácter supranacional. Isto, ao mesmo tempo que a decisão quanto ao presidente e à composição da Comissão passa a ser tomada por maioria qualificada e se reforçam os poderes do seu presidente.

Tal como os deputados do PCP defenderam, ao contrário de outros, uma solução equilibrada para a repartição de lugares do Parlamento Europeu só seria possível ultrapassando-se o limite de 700 lugares. As grandes potências vêem mantida a sua influência, com a significativa e exclusiva manutenção por parte da Alemanha do seu número de deputados.

Os governos das grandes potências, mesmo que com contradições, antecipando a adesão de novos países à UE e a consequente perda de algum do seu peso político, procuram reforçar o seu domínio e, por outro lado, assegurar a possibilidade de no futuro avançarem para uma maior integração de sentido federal.

O Conselho Europeu de Nice inscreve-se no denominado processo, que não foi esgotado, dos "pequenos passos" para uma maior integração de sentido federalista, decidindo-se avançar desde já para o debate sobre uma nova reforma institucional, nomeadamente quanto à delimitação de competências entre a UE e os Estados membros, o estatuto da Carta dos Direitos fundamentais, a simplificação dos Tratados, o papel dos parlamentos nacionais, integrado de forma mais ou menos "maquilhada" no desenvolvimento de um processo constitucional.

Os deputados do PCP rejeitam a divisão artificial entre "pequenos", "médios" e "grandes" países e reafirmam que os Estados membros deverão ser iguais em direitos e soberanos, por forma a defenderem os seus interesses nacionais. As diferenças existem ao nível do desenvolvimento económico, sendo que Portugal como país com menor poder económico enfrentará maiores dificuldades no futuro.

O Conselho Europeu de Nice decidiu ainda a prossecução da Política Europeia Comum de Segurança e Defesa, instrumento da acelerada militarização da União Europeia, através da criação de um exército europeu, que visa dotar a UE com capacidade militar, articulada com a NATO e orientada para a intervenção onde quer que a considere necessária. Tal decisão não favorece, antes comporta graves riscos para a causa da paz e o desanuviamento das relações internacionais, sendo contrária aos interesses de Portugal.

Quanto à política social, prioridade da Presidência francesa, mas que, afinal, se quedou por uma mão cheia de muito pouca coisa, para além das intenções e dos títulos de documentos de conteúdo vago e claramente insuficiente, quanto não mesmo contraditório, face aos problemas existentes e ao enorme descontentamento de que a manifestação dos trabalhadores em Nice foi também importante expressão.

Apesar das dificuldades e contradições, no essencial o Conselho Europeu de Nice aprofunda o actual processo de "construção europeia" que reforça os mecanismos supranacionais e o avanço na configuração de um bloco económico-político-militar, dominado pelas grandes potências da UE.

Naturalmente decorre que as principais prioridades apontadas para este Conselho Europeu estão longe das reais necessidades, preocupações e anseios dos portugueses, como sejam a melhoria real das condições de vida e de trabalho, do direito ao emprego de qualidade, de uma segurança social digna, da valorização do sistema produtivo nacional e da coesão económica e social.

O Conselho Europeu de Nice veio mais uma vez demonstrar que é necessária uma outra atitude que assuma a defesa da soberania nacional como um valor fundamental e uma questão política estratégica para Portugal, numa Europa de cooperação entre Estados iguais em direitos.

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