Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Sessão Pública «Ciência e Tecnologia. Desenvolvimento e soberania»

A ciência e a tecnologia têm de estar ao serviço do desenvolvimento e soberania do país

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Perante uma situação de profunda crise económica e social que tem vindo a prolongar-se no tempo, as políticas seguidas no sector da ciência aumentaram a fragilidade do Sistema Científico e Tecnológico Nacional que continua incapaz de funcionar como agente catalisador das necessárias transformações económicas e sociais, e de promover a existência em Portugal de uma base científica e técnica desenvolvida.

O Sistema Científico e Tecnológico Nacional é pobre, no contexto europeu, ineficaz e frágil no seu conjunto. Padece de males que, não sendo de hoje, não foram combatidos e em muitos aspectos têm vindo a ser agravados pela política conduzida pelo actual e anteriores governos. Ao mesmo tempo, as debilidades do sistema produtivo nacional, a degradação do sistema educativo e de formação profissional e a ausência de um combate eficaz à iliteracia científica da população em geral, prendem-se com as debilidades do sistema científico e técnico, ligam-se entre si, e influenciam-se mutuamente.

Aos organismos públicos a que compete desenvolver actividades de investigação científica ou desenvolvimento tecnológico, aos centros de investigação ligados ou dependentes das universidades públicas e às próprias escolas superiores, não são atribuídos os financiamentos públicos necessários a um funcionamento produtivo regular.

O “novo paradigma” nacional para a ciência, o mesmo da União Europeia no Programa Horizonte 2020, é destruir toda a investigação que não considera ser do interesse do mercado e da grande indústria. O objectivo é o de concentrar o financiamento da investigação científica nos grupos económicos e financeiros em detrimento do desenvolvimento económico e social do País.

Sendo verdade que se registaram ao longo dos anos alguns avanços no plano da Investigação Científica em Portugal, esse facto deveu-se sobretudo ao empenho e dedicação do trabalho e esforço público que alimenta o Sistema Científico nacional, porque o esforço privado foi sempre residual.

Ao contrário de algumas afirmações dos defensores de uma alteração de paradigma, não é o Sistema Público de Investigação e Ciência que tem investigadores a mais, o sector privado é que tem investigação a menos.

O investimento público em Ciência e Tecnologia em Portugal registou um máximo em 2009, pese embora nunca tenha atingido 1% do PIB. A partir daí assistiu-se a uma redução sistemática desse valor. Entre 2009 e 2012 a redução no investimento público foi de 10%.

Nesta altura, com um financiamento através do Orçamento de Estado à volta de 0,8% do PIB, claramente insuficiente, a despesa nacional com actividades de Investigação e Desenvolvimento (I&D) anda à volta de 1,5% do PIB contra cerca de 2% em média, para a União Europeia a 28. A consideração destes números indica que o investimento nacional nestas actividades carece de ser muito aumentado.

Entretanto o défice de financiamento de actividades de I&D só aparece claramente quando se tem em conta o montante da despesa per capita de investigador e este é, para o nosso País, mais de três vezes inferior à média da União Europeia a 28: cerca de 50 mil euros/ano, contra cerca de 165 mil euros/ano, respectivamente.

Também ao nível dos meios humanos especializados, sucessivos governos tudo têm feito para impedir a milhares de trabalhadores científicos o acesso à carreira de investigação e consequente progressão e valorização profissional.

Sucessivos governos têm optado pela “bolsa” para impedir o acesso e a integração na carreira de investigação, permitindo pagar a um custo muito baixo mão-de-obra altamente qualificada, espezinhando os seus direitos fundamentais.

Também a não abertura de concurso para vinculação de trabalhadores científicos nas instituições de ensino superior público e laboratórios do Estado, nas carreiras técnicas de investigação, incluindo a de técnico superior de investigação e de operário prototipista, confirma a desvalorização do trabalho científico, pese embora sejam estes a principal valia dos organismos de investigação.

Em Portugal, cerca de metade dos trabalhadores científicos – 25.000 investigadores a tempo integral – têm vínculos precários.

Para além do prejuízo individual e familiar para cada um dos trabalhadores, esta opção política de desvalorização do trabalho científico no recrutamento de mão-de-obra altamente especializada é, simultaneamente, causa de uma degradação da estrutura do Sistema Cientifico e Tecnológico e de minimização do seu papel na economia do país.

Um dos grandes problemas deste sector, problema que se mantém ao longo dos anos, é o recurso ilegal à precariedade no tratamento dos trabalhadores científicos, através de uma opção de sucessivos governos por bolsas e contratos precários, impedindo assim o acesso a uma carreira.

O mesmo acontece relativamente ao quadro normativo definido no estatuto do Bolseiro de Investigação que não contempla a equiparação progressiva dos seus direitos em matéria de segurança social, assistência e serviços sociais, férias e remunerações, à generalidade dos trabalhadores da função pública com habilitações equiparadas.

O corte na ordem dos 40% nas bolsas atribuídas este ano deixa cerca de 5000 investigadores no desemprego, num concurso cheio de irregularidades e falta de transparência. O número total de bolsas de doutoramento atribuídas foi inferior aos valores de 2002, e o número de bolsas de pós-doutoramento foi inferior aos níveis de 1999.

Neste quadro o PCP exigiu, logo em Janeiro, que a atribuição de bolsas contemplasse no mínimo, os valores de de 2012, em que foram atribuídas 1.875 bolsas, quando no último concurso foram cerca de 600. Para além disto, temos apresentado propostas para a existência de contratos de trabalho e gozo de todos os direitos sócio laborais decorrentes, sempre que exista prestação de trabalho efectivo.

A solução de fundo por nós sempre defendida passa pela valorização do trabalho científico, o acesso e a integração na carreira, a valorização e o respeito pelo trabalho desempenhado por estas pessoas que são, de facto, a camada profissional mais especializada e mais qualificada do País.

Os propagandeados “sucessos da ciência” foram sempre feitos à custa da formação de jovens investigadores altamente qualificados, mas explorando o seu trabalho com vínculos precários, substituindo progressivamente os trabalhadores do quadro e respondendo a necessidades permanentes das unidades de investigação. Hoje, depois da redução esmagadora do número de bolsas, existem estudantes de licenciatura que em troca de créditos suprem necessidades permanentes dos serviços, designadamente de trabalho técnico.

Também a reforma dos Laboratórios do Estado enfraqueceu o papel que o Estado deve exercer no apoio à economia e decisão política, à regulação e monitorização da actividade económica e do território nacional e seus recursos naturais e humanos.

Os Laboratórios do Estado devem ser o suporte científico e técnico das políticas públicas, isto é, de interesse geral, que cabe aos Estados definir no quadro de uma política científica que peca por não existir.

Esta situação só pode ser alterada se, e quando, o Estado contratar, com os laboratórios que tutela e outros centros de investigação, a execução de programas e projectos devidamente definidos dos quais espera resultados a aplicar nos vários domínios da actividade social: agricultura, pescas, energia, transportes, ordenamento do território, controlo ambiental, conservação da floresta, protecção da faixa litoral, etc. São todos domínios onde é crucial a intervenção da ciência e tecnologia.

A inexistência de perspectivas de carteira científica estável e o contexto de extrema carência de recursos e de pessoal de apoio técnico e operário põem em causa muitas instituições. Portugal é dos países da União Europeia em que a relação entre investigador e pessoal técnico é mais baixa. Segundo dados do Eurostat, o número médio de investigadores por pessoal técnico é de 1,7, em Portugal o rácio é de 9,2 investigadores por técnico. Significam estes números que faltam em Portugal cerca de 15.000 técnicos no Sistema Cientifico e Tecnológico Nacional.

Do conjunto das intervenções aqui realizadas, fica claro que não existe uma política científica nacional planificada que atenda, designadamente, às necessidades do sector produtivo e de serviços essenciais. Entretanto no tecido produtivo nacional, público e privado, tem vindo a agravar-se a tendência para adquirir no estrangeiro, de «chave na mão», bens e serviços mesmo quando poderiam ser assegurados por fontes nacionais.

Esta situação impõe que se definam objectivos para o trabalho científico, se criem e reforcem equipas e instituições, não só na área da ciência pura aplicada mas também na área das chamadas «outras actividades científicas e técnicas» que, mesmo não sendo dirigidas para a criação de conhecimento novo, são todavia um esteio indispensável de qualquer sociedade desenvolvida, designadamente nas áreas da saúde, da conservação da natureza, ordenamento do território, previsão de riscos e segurança das populações, funcionamento e expansão de infra-estruturas culturais.

É necessário promover a aplicação do conhecimento científico e técnico e do método científico, na procura e concretização de soluções eficazes e socialmente adequadas à resolução dos problemas que se colocam aos cidadãos e à comunidade. Para tanto é indispensável consolidar e desenvolver os recursos humanos e as infraestruturas materiais afectos às actividades de investigação científica e tecnológica, garantir o apoio público e incentivar a participação do sector produtivo no desenvolvimento dessas actividades, promover a generalização e o sucesso da aprendizagem das ciências e das técnicas e a difusão da cultura científica.

Com este governo e esta política não há Investigação e Ciência ao serviço do País, como não há futuro para os milhares de investigadores que estão hoje confrontados com o desemprego e com a emigração forçada.

Os portugueses têm fundadas razões de preocupação em relação à evolução da situação do País.

Não há sector da vida nacional que não sofra o nefasto impacto desta política de desastre nacional.

Isso está patente nas elevadas taxas de desemprego, na degradação da situação económica com um enorme recuo do PIB, no crescimento galopante da dívida, no recuo brutal do investimento a um nível que não assegura sequer a renovação/modernização de equipamentos e infraestruturas, na dramática situação social com a destruição das condições de vida e o empobrecimento de milhões de portugueses, o aumento da pobreza, das desigualdades e das injustiças sociais.

Três anos depois da imposição pelas troikas nacional e estrangeira do Pacto de Agressão temos não apenas uma mais grave situação económica, social e financeira com o aumento desmesurado da dívida, como temos um País mais dependente e diminuído na sua soberania.

Na verdade o País tem vindo a dar significativos e preocupantes passos atrás no seu desenvolvimento e, ao contrário do que pretende fazer crer, o actual Governo e os seus apoiantes, particularmente aqueles a quem serve esta política – o grande capital económico e financeiro - a perspectiva para o futuro, a manterem-se as actuais orientações políticas nacionais e europeias é de um longuíssimo período de estagnação económica, manutenção de níveis de desemprego elevado e contínua imposição de medidas de empobrecimento dos portugueses.

Acenam com sinais positivos da evolução da situação do País e falam de uma nova fase com a saída de Portugal da condição do que eles próprios chamam de protectorado, mas sabem de ciência certa, como aliás, recentemente o admitiu o Presidente da República que nem uma coisa, nem outra são verdadeiras. A dita libertação é pura fantasia com este governo e a política de submissão nacional dos governos dos últimos anos e nada vai mudar para melhor na vida dos portugueses a manter-se o actual rumo e condicionamentos a que têm vindo a sujeitar o País, quer PSD, quer PS, designadamente por via do Tratado Orçamental que ambos aprovaram.

O que está em curso é uma grande encenação imposta pelo calendário eleitoral que se abre com as eleições para o Parlamento Europeu e se prolonga para 2015 com as legislativas.

Passos Coelho dizia que não eram as eleições que o preocupavam, mas as suas palavras valem tanto como as suas promessas de que não aumentaria impostos, nem cortaria salários, nem reformas.

Neste momento, o governo do PSD/CDS e a sua maioria não são outra coisa que uma comissão eleitoral, inventando “saídas limpas” e “milagres económicos”, renovadas promessas, e construindo cenários idílicos para o futuro, iludindo os portugueses.

Vê-se que estão já, neste momento, a negociar com os mandantes um pequeno interregno na ofensiva desbragada que encetaram contra os interesses da grande maioria dos portugueses, para criar a ilusão de uma mudança na orientação política do governo.

Mas não há qualquer mudança, apenas trabalham para ganhar tempo e campo de manobra, fazendo jogo duplo.

Por um lado, escondem os seus verdadeiros objectivos e dão garantias à União Europeia e ao FMI de que as medidas de austeridade e empobrecimento continuam e aos portugueses, por outro, ora insinuam baixas de impostos depois do aumento colossal que promoveram, ora uma abertura a um aumento do salário mínimo nacional, ora garantem que não haverá novos cortes de salários, nem de pensões, sugerindo que tudo será diferente daqui para a frente, ora ainda têm a ousadia, depois do que têm feito de anunciar que os problemas sociais serão a prioridade do governo para o pós troika.

Trata-se do mais puro manobrismo e da mais descarada hipocrisia política. Pensam que, com uma ou outra cedência e um ou outro pequeno rebuçado que preparam a pensar nas eleições, podem apagar 3 anos trágicos de destruição do País e de vidas.

Querem convencer os portugueses que abandonaram o seu projecto de reforma do sistema de pensões, cujo o único objectivo é garantir o corte imediato no valor das reformas e a sua posterior e contínua degradação com a indexação de índices de evolução económica e outros.

Mandaram calar o senhor Secretário de Estado da Administração Pública que falou demais e num tempo inconveniente, mas ninguém se iluda que por terem decretado um interregno eleitoral abandonaram tal projecto.

Querem convencer-nos que a tabela única dos trabalhadores da Administração Pública não significa, como dizem, novos cortes nos salários.

Querem convencer toda a gente que os cortes que até aqui juravam ser temporários e agora querem passar a definitivos, não são novos cortes.

Querem convencer os portugueses que as medidas que combinaram com a troika, ditas de flexibilização do mercado de trabalho, visando uma nova descida dos salários e corte nos direitos de todos os trabalhadores, nomeadamente com a destruição da contratação colectiva, foram abandonadas.

Querem dar a entender que os cortes que estão previstos na educação, na segurança social, na saúde para 2015 e noutras funções sociais do Estado são simples ajustamentos de serviços sem consequências para as populações.

Se os portugueses fossem na cantiga, não tardariam a apresentar uma pesada factura, repetindo a dose das medidas que antes negavam e depois aplicaram com uma ferocidade sem limites.

O que pretendem continuar é a política de esbulho dos rendimentos dos trabalhadores e dos reformados, de saque às famílias e aos micro, pequenos e médios empresários, de degradação das funções sociais do Estado.

O caminho deste governo é o caminho, sem saída, da perpetuação da dependência do País. O caminho da continuação da alienação da capacidade produtiva, de sectores estratégicos por via do processo de privatizações e na submissão do País ao garrote da dívida.

O que revela toda a evolução da vida nacional é a imperiosa necessidade de inverter este caminho de regressão económica e social e de degradação do regime democrático.

Uma imperiosa necessidade que exige continuar a luta pela exigência da demissão do governo e da convocação de eleições legislativas antecipadas.

O País não pode adiar por mais tempo uma mudança de rumo, uma verdadeira mudança alternativa e não as falsas e perversas soluções dos partidos do rotativismo nacional.

As opções para o País não se podem limitar a escolher entre os que defendem a fraude da solução da “austeridade expansionista” e os que acenam com a solução da “austeridade inteligente”, todas filhas do Tratado Orçamental.

O País e os portugueses precisam de uma nova política, uma nova política de ruptura com os paradigmas neoliberais e da política de direita.

As soluções para os problemas que o País enfrenta só podem ser encontradas com um novo governo patriótico e de esquerda.

Um governo capaz de concretizar a nova política de que o País precisa, uma política que tenha como referência os valores de Abril e o respeito pela Constituição da República.

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