Intervenção de Carla Cruz na Assembleia de República

«O CETA servirá os interesses do grande capital transnacional, não servirá nem os trabalhadores nem os povos»

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

O PCP rejeita a natureza, os objectivos e os propósitos inscritos no Acordo Económico Comercial Global entre a União Europeia e Canadá, conhecido por CETA.

Esta rejeição resulta do facto de este acordo atentar contra a soberania nacional, os interesses dos povos e os direitos sociais, laborais e democráticos.

Portugal deve aprofundar as suas relações com outros Estados e povos numa base de cooperação, de respeito mútuo pelos princípios do Estado de direito democrático, pela soberania nacional e pelos objectivos de desenvolvimento e progresso social e económico dos países e dos povos.

Isso significa recusar imposições que nos são feitas de forma antidemocrática, correspondendo aos interesses das multinacionais, e significa também recusar as políticas isolacionistas defendidas por outros.

O CETA não é um simples acordo de comércio! O CETA não visa apenas abolir pautas aduaneiras! O CETA tem como grande objectivo nivelar por baixo os direitos sociais, laborais, de segurança alimentar e de saúde pública, procurando impedir os Estados e os cidadãos de defender os seus interesses impondo um instrumento jurídico que se sobreponha às jurisdições e instituições soberanas dos Estados, como ficou bem patente na audição pública que o PCP realizou aqui na Assembleia da República no passado dia 31 de março.

No caso da agricultura, o acordo afectará a sustentabilidade do modelo produtivo tradicional que assenta em normas que, obedecendo ao princípio da precaução, inibem o uso de um vasto conjunto de substâncias que são utilizadas no Canadá.

Abdicar do princípio da precaução não terá apenas efeitos na produção agrícola; afectará, igualmente, a saúde dos consumidores pelo facto de existir um fosso enorme em matéria de segurança alimentar, designadamente no domínio do cultivo e comercialização de organismos geneticamente modificados, do uso de disruptores endócrinos e de hormonas de crescimento nos bovinos e de compostos clorados nas aves.

Acresce ainda o reconhecimento muito insuficiente das denominações geográficas; no caso português estão apenas salvaguardados 20 produtos de 137. Isto representará a sua desprotecção e terá implicações na quebra de rendimento dos produtores e das regiões.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

As consequências nefastas não se resumem ao que atrás ficou dito. Também os trabalhadores veriam os seus direitos ameaçados. Se dúvidas houvesse bastaria ler o capítulo 23 sobre as leis laborais, onde se fazem incipientes apelos à manutenção dos níveis actuais de protecção das leis em vigor no Canadá e na União Europeia.

Exemplo paradigmático da diferença entre o Canadá e Portugal é a não ratificação, por parte do estado canadiano, da Convenção da Contratação Coletiva. Só isto mostra bem o que queremos dizer quando falamos de nivelar por baixo os direitos dos trabalhadores.

Ao invés do que tem sido propalado por dirigentes e altos funcionários da UE, por membros do Governo português e por outros defensores e entusiastas do chamado livre comércio, os serviços públicos não estão salvaguardados. A redacção adoptada no Acordo e a existência de uma lista negativa muito restritiva impedem a possibilidade de estes voltarem para a esfera pública, caso um Estado decida, soberanamente, que determinados serviços devem ser prestados e geridos de forma pública e universal. Quer isto dizer que os serviços públicos que foram já privatizados ou concessionados ficam abrangidos pelo CETA e à disposição das transnacionais e dos seus interesses, dificultando o seu retorno o para a esfera pública.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

Os malefícios verificam-se também na área da justiça e no exercício da soberania e democracia. O acordo institui um mecanismo de resolução de litígios, conhecido por ICS, que atenta contra a soberania nacional e tem como objectivo maior fugir às jurisdições nacionais, uma vez que as instâncias arbitrais não estão sujeitas ao enquadramento legal estadual.

Mais uma vez a realidade contradiz o que afirmam os defensores do Acordo. As instâncias arbitrais funcionam à margem do controlo democrático, são compostas não por juízes independentes, mas por árbitros escolhidos com base, como é afirmado no próprio Acordo, em “conhecimentos especializados sobretudo no domínio do direito internacional em matéria de investimento, do direito comercial internacional e da resolução de litígios no quadro de acordos internacionais de comércio e investimento”, ou seja, por advogados de grandes escritórios ligados às multinacionais e aos seus interesses.

Como foi afirmado na audição pública, promovida pelo PCP, o ICS não está vocacionado para a defesa do interesse público, mas para defender os interesses das transnacionais, colocando-os acima da soberania dos Estados e do bem-estar dos trabalhadores e dos povos.

Perante tudo isto, acaso fosse ratificado, é legítima a pergunta: a quem serviria o CETA?

O CETA serviria os interesses do grande capital transnacional, não serviria nem os trabalhadores nem os povos.

Foi precisamente para esconder a natureza, os propósitos, os objectivos e as consequências que este acordo encerra, que as negociações entre o Canadá e a União Europeia foram feitas à revelia e nas costas dos trabalhadores e dos povos. Uma atitude que é bem reveladora do desrespeito pela democracia e soberania dos Estados por parte da UE.

No passado dia 15 de fevereiro, o Parlamento Europeu aprovou por maioria o acordo, apesar dos fortes protestos que se fizeram sentir.

A Comissão Europeia pretende que o acordo entre em vigor de forma parcial e provisória, ou seja, sem a ratificação dos parlamentos nacionais.

O PCP rejeita categoricamente esta intenção, na medida em que tal constituiria mais um inaceitável desrespeito pela soberania dos Estados, como Portugal.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

O PCP continuará a lutar contra este e outros acordos do chamado livre comércio, porque são lesivos dos interesses de Portugal e do povo português.

Reiterando a rejeição pelo PCP deste e doutros acordos lesivos do interesse nacional, e consequentemente a rejeição da entrada em vigor provisória do CETA, afastamo-nos completamente da posição assumida pelo Governo português de aceitação de mais este condicionamento da Comissão Europeia.

O PCP pugna por acordos de cooperação mutuamente vantajosos, que salvaguardem a soberania nacional, que respondam às necessidades e interesses dos povos, que defendam e promovam os direitos sociais, laborais e democráticos, o direito ao desenvolvimento económico e social.

É por isso que continuaremos a bater-nos!

Disse!

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