Intervenção de

Código Penal - Intervenção de Odete Santos na AR

Vigésima primeira alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei nº 400/82, de 23 de Setembro

 

Senhor Presidente
Senhores Deputados:

De acordo, aliás, com o que se afirma no preâmbulo da PPL, esta não altera a filosofia do Código em vigor, procedendo aqui ou ali, a uma sistematização diferente, introduzindo alterações materiais ditadas sobretudo por instrumentos internacionais, fazendo alterações que a prática vem ditando

Positiva é a consagração no artigo 30.º da Jurisprudência que exclui do crime continuado os crimes cometidos contra bens eminentemente pessoais, salvo tratando se da mesma vítima.

São muitas as disposições que aplaudimos.

Não deixaremos, no entanto, de apresentar propostas relativamente a soluções que, no mínimo, consideramos discutíveis como acontece com as alterações à liberdade condicional, susceptíveis de causar alarme social, com as relativas, por exemplo, ao artigo 80.º, que passa a permitir que seja descontado na pena de prisão, por inteiro, quaisquer medidas preventivas ainda que relativas a qualquer outro crime. Não queremos de facto as cadeias cheias, mas o Estado não pode abdicar, de qual forma, do seu direito a punir.

Apresentaremos propostas para a nova redacção do artigo 79.º - Conhecimento superveniente do crime continuado, já que, segundo vem proposto, a pessoa terá de ser julgada pelos mesmos factos, embora só se lhe aplique a última pena.

E, claro, discordamos veementemente, dos novos quantitativos propostos para o mínimo diário da pena de multa. Subir de 1 para 5 euros é uma medida que se abaterá sobre os pobres e os menos afortunados, e que os colocará em risco de virem a cumprir prisão subsidiária, sendo um entrave á sua reinserção social.

Relativamente a uma nova pena alternativa à pena de prisão - a prisão domiciliária (que beneficiará, sobretudo, quem tenha uma boa situação económica e social) cremos que se pode apontar de branda a previsão do n.º 3 do artigo 44.º

Só a infracção grosseira ou repetida dará origem á revogação da prisão domiciliária.

Também preferimos o conteúdo actual do artigo 50.º que prevê a hipótese de cumulação do regime de prova com a imposição de deveres e regras de boa conduta, ao contrário do que sucede com a proposta de alteração ao mesmo artigo. O qual passará apenas a permitir a cumulação da imposição dos deveres com regras de boa conduta, mas não com o regime de prova.

É que, não obstante ter sido, até agora, um quase fracasso, a realização do objectivo da reinserção social do condenado, não se pode esquecer que continuará inscrita no Código Penal como um das finalidades das penas, a reintegração do agente na sociedade. Não devendo, portanto truncar - se os meios destinados a permitir essa reintegração.

Relativamente á parte especial, temos primeiro de assentar naquilo que pensamos ser violência doméstica.

É que corre-se o risco de incluir nesta actos, gravíssimos quando verdadeiramente violência doméstica, corre-se o risco de incluir nesta actos que serão apenas ofensas á integridade física, que assim deverão ser considerados ainda que intensos, porque não resultantes de qualquer sentimento de superioridade em razão do sexo. Típicas da conflitual idade entre pessoas que têm interesses em comum ou que têm uma maior privação. Sem que isso se possa verdadeiramente chamar de violência doméstica. O mesmo acontecendo quanto a injúrias, por exemplo. E cremos que é este entendimento que melhor servirá a luta das mulheres pela igualdade, já que a vitimização forçada das mulheres, mais não serve do que para realçar a Mulher como fraca e indefesa. Diferente e inferior ao Homem. É isto o que nos diz, quanto a mim sabiamente, Elisabeth Badinter no seu recente livro Caminho errado, a propósito da violência doméstica.

Todas as questões relativas á exploração de pessoas na prostituição, tratando-se de vítimas maiores, adquirem uma nova acuidade com a nova arrumação proposta, quanto ao tráfico de seres humanos, com a nova definição deste crime com a introdução de um novo crime relativa apenas ao cliente de prostituta/prostituto menor, e com a manutenção da exigência, no que toca à exploração de maiores na prostituição, da prova do requisito profissionalmente ou com intenção lucrativa (vide artigo 169.º). Requisito este que praticamente inviabiliza o combate ao proxenetismo.

Na verdade todos estes elementos associados conduzem á conclusão de que, relativamente a maiores usados na prostituição, haverá uma prostituição consentida, para alguns mesmo, um trabalho, merecendo assim as vítimas uma menor protecção penal.

Esta, aliás, foi uma matéria de grandes debates nos trabalhos preparatórios do protocolo sobre o tráfico de seres humanos, anexo à Convenção das Nações Unidas sobre o crime transnacional organizado, durante as reuniões em Viena.

É certo que o artigo 160.º proposto ao referir o tráfico para exploração sexual contém entre os meios utilizados para traficar um ser humano, o aproveitamento de uma situação de vulnerabilidade.

Contudo tal, artigo confronta-se depois com a prova dos requisitos para que se prove a exploração em relação a vítimas maiores - profissionalmente e com intenção lucrativa. E aí temos como a solução que se mantém quanto à utilização de maiores na prostituição, permitiria, e permitirá o tráfico de seres humanos.

É de facto na definição de prostituição que reside o sucesso do combate ao tráfico de seres humanos.

As velhas teorias sobre a prostituição como uma profissão, mais não fazem do que fomentar o tráfico, e a exploração.

Ainda na parte relativa aos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual convirá reparar que o consta do artigo 168.º do Código penal, que o Governo mantém, foi reformulado na lei sobre procriação medicamente assistido, que à feminização da lei penal desse inciso, preferiu, mantendo a moldura penal, punir a recolha não consentida de gâmetas masculinos ou femininos para serem utilizados na PMA. 

Aliás parece-nos desajustada a inclusão da matéria nesta parte dos crimes sexuais. Já a Comissão Revisora do Código de 1982 teve dúvidas e hesitações quanto á sua inserção.

Deverá manter-se na lei da PMA a incriminação que atrás se referiu.

Os fenómenos de neocriminalização deverão sempre ser devidamente justificados.

Ora, com o artigo 173.º que será correspondente, em parte, ao actual artigo 174.ºpassa-se uma coisa curiosa. A sua incriminação, inicialmente com a epígrafe " estupro", correu seriamente o risco de desaparecer da lei penal. Na Comissão Revisora do Código houve mesmo quem propusesse a sua revogação. Pela triste história, contra a dignidade das mulheres, de que nos fala a nossa história judiciária. Eis senão quando, surge-nos agora remoçado, com um agravamento da pena, Mais 1 ano e mais 120 dias de multa, a acrescer aos 2 anos e 240 dias actuais. E surge com uma neocriminalização de actos sexuais de relevo não contemplados na redacção actual, quando as vítimas são do sexo feminino.

O que é que justifica esta regressão? Que estudos há? Sim, porque a resposta não pode ser apenas a teimosia de manter sob outra forma o que consta do artigo 175.º do Código Penal.

Não sendo possível a apreciação de todas as soluções constantes da parte especial do Código (nem, de resto, da geral) parecem importantes algumas considerações que têm a ver com a deslocação para o Código Penal, de questões sociais. Ou seja, com a criminalização da crise social, e ainda com omissões relativas ao Direito penal laboral.

Em 1997 o PCP apresentou um Projecto de lei de alterações do Código Penal, constando do mesmo um Capítulo relativo a ilícitos penais laborais.

Do mesmo constava a tipificação do crime de Burla relativa a trabalho e emprego.

Em 1998 viria a ser introduzido no Código penal este crime, embora com uma previsão diferente da que constava do projecto de lei do PCP.

Também daquele nosso projecto constava a previsão de um crime por infracção das normas relativas á higiene, saúde e segurança no trabalho.

Este crime aparece agora, em parte com uma tipificação igual á do projecto de lei do PCP, mas na parte final, quando são produzidas lesões, com uma melhor tipificação.

Resta, por ora, uma melhor tipificação da exploração do trabalho infantil, pois parece-nos que o crime de maus tratos, previsto na PPL não cobre todos os casos.

Destaca-se relativamente ao 1º item (criminalização de protestos sociais) o que nomeadamente se prevê para os crimes de perigo relativos á liberdade de circulação. Veja-se o artigo 288.º do Código Penal. Aplicável a protestos contra políticas anti - sociais, como os cortes de estradas, ainda que nenhum perigo se prove relativamente à segurança das comunicações.

Esta criminalização do que já ficou conhecido pelo direito à indignação é um mau caminho. Que secunda o que na Europa se vem fazendo na pura imitação do que se passou nos E.U.A com os THINK THANK neo conservadores que estiveram na base de políticas repressivas que aumentaram a população prisional com as vítimas das crises.

As políticas securitárias cavam, assim, a crise da Justiça.

Disse.

 

 

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