Intervenção de

Código de Processo Penal - Intervenção de João Oliveira na AR

Alteração do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, e alterado pelos Decretos-Leis n.os 387-E/87, de 29 de Dezembro, e 212/89, de 30 de Junho, pela Lei n.º 57/91, de 13 de Agosto, pelos Decretos-Leis n.º 423/91, de 30 de Outubro, 343/93, de 1 de Outubro, e 317/95, de 28 de Novembro, pelas Leis n.os 59/98, de 25 de Agosto, 3/99, de 13 de Janeiro, e 7/2000, de 27 de Maio, pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, pelas Leis n.os 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 52/2003, de 22 de Agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 24/2003, de 27 de Dezembro

 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro,

Sem prejuízo das considerações que teremos oportunidade de tecer aquando da apresentação da nossa iniciativa, não podemos deixar de colocar-lhe duas questões que estão relacionadas com a capacidade de concretização de algumas das propostas que o Governo apresenta relativamente à alteração do Código de Processo Penal.

A primeira tem a ver com uma questão que já foi colocada e que se prende com os procedimentos que o Governo propõe relativamente aos casos em que os prazos máximos do inquérito são ultrapassados, inclusivamente já depois da prorrogação por três meses.

Já hoje é feito o levantamento estatístico mensal das situações em que os prazos máximos do inquérito são ultrapassados, o qual acaba por ser incluído no relatório anual da Procuradoria-Geral da República. A primeira questão que lhe coloco relativamente a esta matéria é a de saber quais foram as diligências que o Governo tomou no sentido de encontrar a origem dos atrasos dessas situações que já hoje são identificadas, qual o conhecimento do Ministério relativamente à origem destas situações e qual a disponibilidade que existe por parte do Ministério da afectação dos meios que possam eventualmente ser necessários à sua correcção, tendo em conta que alguns desses atrasos podem dever-se à insuficiência dos mesmos meios ou à sua inadequação.

Sr. Ministro, a segunda questão tem a ver com uma proposta apresentada pelo Governo no âmbito do regime das escutas telefónicas, no sentido da destruição imediata dos suportes técnicos das escutas em tudo o que seja manifestamente estranho ao processo, e com a implicação desta proposta na audição integral das escutas pelo juiz, numa realidade em que os meios à disposição dos magistrados não são suficientes e em que há escassez de magistrados.

Gostaria de saber, portanto, qual a disponibilidade do Ministério em afectar meios e em corrigir esta insuficiência de recursos humanos para que esta proposta de alteração ao Código de Processo Penal não se venha a traduzir em prejuízo para a acção e a investigação penais.

(...)

Senhor Presidente,
Senhores membros do Governo,
Senhoras e Senhores Deputados,

As dificuldades estruturais com que hoje se confronta o sistema judicial português reflectem a profunda crise social que o País atravessa e resultam, em grande medida, da errada orientação das políticas implementadas e desenvolvidas por sucessivos Governos e da sua incapacidade ou falta de vontade política para a superar.

A não concretização do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais, a morosidade da justiça, a prescrição de processos, a acentuada degradação do sistema prisional e das políticas de reinserção social ou a ineficácia no combate à grande criminalidade, são alguns dos factores que contribuem para a descredibilização da justiça. Esta realidade não pode, no entanto, ser desligada das opções políticas que têm conduzido à insuficiência dos recursos humanos e dos meios técnicos afectos ao sistema de justiça, à insuficiência ou inadequação dos meios ao dispor da investigação criminal e do combate ao crime, à sobrelotação das prisões, ao aumento sucessivo das custas e das taxas de justiça e das restrições impostas no regime de apoio judiciário.

O PCP entende, por isso, que a revisão do Código de Processo Penal não assume um carácter decisivo na resposta aos problemas estruturais do sistema de justiça. Entendemos que a solução desses problemas exige uma alteração das políticas de desresponsabilização do Estado, de discriminação de natureza económica no acesso ao direito e aos tribunais e de falta de investimento em meios técnicos e materiais ou na afectação de recursos humanos. Não rejeitamos, contudo, a oportunidade de adequação das normas processuais penais às exigências resultantes da evolução e complexificação da realidade criminal e a possibilidade de aperfeiçoamento de alguns dos instrumentos processuais existentes e apresentámos, por isso, um Projecto de Lei.

As alterações propostas pelo PCP incidem fundamentalmente sobre matérias relacionadas com segredo de justiça, meios de obtenção de prova, medidas de coacção, processos especiais e recursos.

Quanto ao segredo de justiça, propõe-se a introdução de mecanismos práticos de controlo e identificação de quem tem acesso a informação sob segredo de justiça. Garante-se simultaneamente o direito de informação dos sujeitos processuais, permitindo-se o acesso mais alargado aos autos nas situações em que o exercício do direito de defesa assim o exija.

Quanto aos meios de obtenção de prova, as alterações dizem respeito fundamentalmente a escutas telefónicas. Neste âmbito, propõe-se a limitação da possibilidade de realização de escutas, reforça-se a necessidade do seu controlo efectivo, concretizando em 5 dias o prazo dentro do qual deve ser feito o primeiro controlo judicial, e fixa-se um prazo máximo, renovável, de 3 meses para a sua realização.

Estabelece-se ainda a possibilidade de acesso às escutas pelo arguido para organização da defesa, incluindo a possibilidade de reprodução em sede de audiência, e a impossibilidade de transcrição de conversações que envolvam pessoas que possam recusar prestar depoimento como testemunha. Determina-se ainda a possibilidade de mobilização pelo juiz dos meios e acessorias necessários.

Quanto às medidas de coacção destaca-se a criação de uma medida de obrigação de permanência em local determinado, alargando a actual obrigação de permanência na habitação à permanência em instituição adequada à prestação de apoio social ou de saúde. Equipara-se esta nova medida de coacção à prisão preventiva, quer no que respeita ao carácter subsidiário que assume em relação às restantes medidas de coacção, quer no que respeita aos termos previstos para o seu reexame, uma vez que também aqui o arguido está privado da liberdade.

Clarifica-se ainda a necessidade de reapreciação das medidas de coacção obrigatoriamente de 3 em 3 meses e, independentemente desse prazo, sempre que surjam elementos que o justifiquem, reduzindo-se igualmente os prazos de duração máxima da prisão preventiva.

Quanto aos processos especiais, procede-se à fusão de dois tipos de processos previstos actualmente: o processo sumário e o processo abreviado. A este respeito, o PCP apresenta um conjunto significativo de propostas visando compatibilizar uma forma de processo célere com a garantia dos direitos do arguido, reduzindo genericamente os prazos previstos para as várias fases do processo.

Quanto ao regime de recursos, propõem-se algumas alterações no sentido de simplificar o regime, nomeadamente agilizando exigências processuais de natureza meramente formal ou tornando a realização do julgamento mais célere.

Para além destas matérias, o Projecto de Lei do PCP prevê ainda outras alterações, tais como a obrigatoriedade de assistência do arguido por defensor em todos os actos em que possa prestar declarações ou em que deva estar presente ou a previsão do estatuto da vítima em processo penal.

Propõe-se a eliminação do requisito de erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que depende a aplicação de prisão preventiva para efeitos de concessão de direito a indemnização e a possibilidade de o próprio arguido requerer a suspensão provisória do processo.

Prevê-se ainda a redução de alguns dos prazos previstos para a prática de actos sem comprometer as garantias que em cada situação devem ser tidas em conta.

Quanto às soluções contidas na Proposta de Lei do Governo importa focar alguns dos aspectos que merecem a nossa discordância, começando pelo segredo de justiça.

Das alterações propostas pelo Governo destacamos dois aspectos. Quanto ao primeiro, a alteração proposta pelo Governo consiste na vinculação ao segredo de justiça de todos aqueles que, não tendo tido contacto directo com o processo, tenham tido conhecimento de elementos a ele pertencentes. Tal alteração parece querer abranger as situações em que alguém obtém conhecimento de matéria em segredo de justiça por intermédio de outrem, nomeadamente vinculando ao segredo de justiça os jornalistas.

Em nossa opinião, esta alteração transforma o fundamental em acessório, respondendo unicamente à mediatização efectuada em torno de alguns processos recentes. Esta proposta não tem em conta que só a violação do dever de segredo por quem tem contacto directo com o processo e acesso à informação em segredo de justiça é que permite ao jornalista obter essa informação, optando por centrar atenções em quem possa fazer a sua divulgação e não em quem viola o dever de segredo.

O segundo aspecto refere-se à opção de fazer coincidir o fim do segredo de justiça com o termo do prazo máximo de duração do inquérito, que pode significar a ineficácia da investigação e da acção penal nos casos da criminalidade mais complexa e organizada.

É sabido que nos crimes de maior gravidade ou complexidade, em que seja necessário, por exemplo, proceder à recolha de informações sobre contas bancárias sedeadas no estrangeiro ou investigar operações e trânsito de capitais através de off-shores, a investigação pode demorar muito, arrastando-se para além dos prazos fixados. Nestas situações, a possibilidade de os arguidos e seus defensores consultarem os autos, ficando a conhecer toda a prova reunida, confere-lhes a possibilidade de interferir no objecto da prova e alterar o rumo da investigação.

Outro aspecto da Proposta de Lei que importa focar é o da criação de uma nova medida cautelar e de polícia de localização celular. Em nossa opinião, o artigo 252.º-A da Proposta de Lei cria um mecanismo que pode implicar a devassa da intimidade e da reserva da vida privada dos cidadãos. Registando-se a contradição entre o que se dispõe nesse artigo e o disposto no n.º 2 do artigo 189.º da Proposta do Governo, regista-se como especialmente negativo o facto de se prever apenas, para um instrumento desta gravidade, que o juiz se limite a receber a comunicação da autoridade de polícia criminal uma vez obtidos esses dados.

Por último, refere-se a alteração proposta pelo Governo no que diz respeito aos procedimentos a adoptar em caso de serem ultrapassados os prazos máximos de duração do inquérito. Esta proposta em nada contribuirá para a celeridade da investigação e poderá mesmo criar novas dificuldades de natureza burocrática.

Na opinião do PCP, a alteração do Código de Processo Penal hoje em discussão deve ter em conta a necessidade de salvaguardar a estrutura do actual Código, preservando-a ao máximo. Em nosso entender, a melhoria dos dispositivos processuais não promove, por si só, o aumento da eficácia do sistema de justiça, mas a sua degradação ou inadequação pode causar prejuízos irreparáveis.

Disse.

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