Intervenção de

Código de Processo Penal - Intervenção de António Filipe na AR

Suspensão de vigência da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto (15.ª alteração ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro)

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

A reforma do Código de Processo Penal (projecto de lei n.º 404/X) é «filha» do pacto e o resultado está à vista.

Quando uma matéria tão complexa e de tão transcendente importância política e social como é a lei processual penal, em vez de ser debatida com a serenidade e a profundidade necessárias, fica refém de pactos celebrados entre os «partidos do rotativismo», não são de prever resultados brilhantes. Quando essa mesma legislação penal é discutida, na especialidade, no espaço de três semanas, «a toque de caixa» das recriminações trocadas entre o PS e o PSD sobre as responsabilidades de cada um no atraso da concretização do pacto, estamos perante uma «receita para o desastre».

O Grupo Parlamentar do PCP votou contra o Código de Processo Penal aprovado no Verão passado e reafirma esta sua posição, recusando a ideia de que os actos de irresponsabilidade cometidos nesta Assembleia por maioria simples, absoluta ou qualificada seja da responsabilidade de todos. Não são! A aprovação e a precipitada entrada em vigor do Código de Processo Penal não são da responsabilidade de todos.

São da responsabilidade dos partidos do «pacto para a justiça», que negociaram, propuseram e impuseram a reforma que tanta perturbação tem vindo a causar em todo o sector da justiça.

Essa perturbação, amplamente denunciada pelos mais diversos agentes do sistema judiciário, e a situação de alarme social que se gerou são factos que ninguém se atreverá a negar.

Notícias que vieram a público sobre a eventual lesão de interesses da investigação em processos cuja investigação revista maior complexidade provocam, naturalmente, na opinião pública um sentimento de descrédito no funcionamento da justiça.

Logo nos dias seguintes à entrada em vigor do Código, o próprio Procurador-Geral da República admitiu vir a propor ao Governo a alteração de algumas suas disposições, e é hoje do conhecimento público que está em curso um processo de debate, envolvendo a generalidade dos agentes judiciários, visando propor alterações ao Código, que esta Assembleia não pode ignorar e que, do nosso ponto de vista, não pode deixar de ter em consideração.

Esta reforma do Código de Processo Penal não nasceu como devia ter nascido. Não devia ter sido discutida a correr, como foi. Não devia ter entrado em vigor nos termos em que entrou. Devia ter sido mais ponderada nas suas opções, para não criar as situações de perturbação que criou. Mas a questão, agora, é a de saber o que fazer. E aqui há duas opções. Uma é não fazer nada. Parece, infelizmente, ser essa a opção do PS e do PSD, pelo menos por afirmações que foram feitas aquando da apresentação do nosso projecto de lei.

A perturbação é notória, a Assembleia é acusada de irresponsável, as alterações ao Código que acabou de ser aprovado são discutidas fora da Assembleia e são tidas por inevitáveis, e, entretanto, na Assembleia, a maioria faz de conta que não é nada consigo.

Perante a situação que está criada, entendemos que é preciso agir de imediato para impedir ou, pelo menos, para minorar efeitos perversos que possam decorrer da aplicação de algumas disposições desse Código. E, nesse sentido, pensamos que a menos má das soluções seria a de suspender a vigência do Código por um prazo razoável, para que possam ser tomadas medidas urgentes para dotar o aparelho judiciário com os meios indispensáveis à boa aplicação de disposições legais aprovadas e para que possa haver, por parte desta Assembleia, uma adequada ponderação das consequências de algumas soluções adoptadas e a aprovação de alterações que se revelem necessárias.

Os Srs. Deputados dirão que esta suspensão não resolve todos os problemas e que até pode criar alguns. Nós sabemos isso e não o negamos. O mal está feito e algumas das suas consequências são juridicamente irreparáveis, mas o pior é não fazer nada.

Já ouvimos algumas vozes acusarem esta nossa proposta de irresponsável. A essas vozes, dizemos que irresponsável é tornar a legislação processual penal refém do «negocialismo» partidário; irresponsável é discutir, na especialidade, um Código de Processo Penal em três semanas; irresponsável é transformar uma revisão do Código de Processo Penal numa trapalhada que só desprestigia esta Assembleia; irresponsável é não querer assumir responsabilidades perante as nefastas consequências de uma legislação aprovada nestas condições. Isso é que é irresponsável!

 

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