Intervenção de

Bens imóveis dos domínios públicos do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais - Intervenção de Honório Novo na AR

Regime jurídico dos bens imóveis dos domínios públicos do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais

 

Sr. Presidente, na exposição de motivos da proposta de lei do Governo é dito que devem ser ouvidos os órgãos próprios dos governos das regiões autónomas, a Associação Nacional de Municípios Portugueses e a Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE). Porque o Sr. Presidente, no uso das suas competências, solicitou o parecer dos órgãos das regiões autónomas, temos conhecimento do envio do parecer da Assembleia Legislativa Regional da Região Autónoma da Madeira, do Governo Regional da Madeira e da Assembleia Legislativa Regional da Região Autónoma dos Açores e não temos conhecimento de mais parecer algum.

Ora, no momento em que vamos iniciar este debate, é importante perceber se nos últimos dias, ou últimas horas, a Mesa ou o Sr. Presidente terão ou não recebido um parecer importante, quanto a nós, que é o parecer do Governo Regional dos Açores e se, eventualmente, terão sido remetidos ao Sr. Presidente os pareceres da Associação Nacional de Municípios Portugueses e da ANAFRE

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças,

É evidente que a inexistência de alguns pareceres - pelo menos, não são do meu conhecimento até agora -, designadamente os da ANMP, da ANAFRE e do Governo Regional dos Açores, prejudica um pouco a qualidade do nosso debate. Se assim não fosse, não tinha suscitado a interpelação inicial.

Aliás, deixe-me dizer-lhe, em jeito de intróito, que a verdade é que se o Governo tivesse muito interesse, estivesse muito empenhado em ouvir a opinião destes órgãos e instituições, tinha promovido a audição dos órgãos regionais, da ANAFRE e da ANMP, sem prejuízo dos formalismos obrigatórios posteriores, numa fase de elaboração da própria proposta de lei. E, tanto quanto sei, não o fez!

Enfim, poderíamos estar numa situação em que, em vez de falarmos no dever de ouvir essas entidades, os senhores diziam, no pedido de autorização legislativa, já as ter ouvido e, portanto, que a proposta formulada tinha incorporado as opiniões de terceiros que são importantes neste processo. Não o fez, e é pena que não o tenha feito.

Todavia, Sr. Presidente, também não me surpreende que o Governo já tenha chegado a um certo ponto de auto-suficiência, de considerar que não é preciso ouvir nada nem ninguém, nem as instituições cuja audição é obrigatória, como acontece, por exemplo, em legislação deste tipo.

Importa, agora, pegar no parecer da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira e perceber que há um conjunto de alterações dos artigos 22.º, 23.º, 25.º e 27.º, aprovado por unanimidade nessa Assembleia, designadamente no que se refere à realização do inventário do património público e à aprovação e execução do programa de inventariação desse património, com responsabilidades acrescidas dos órgãos próprios regionais.

A questão que coloco é muito simples: qual a disponibilidade (ou a vontade) do Governo para aceitar o conjunto de alterações indicado? Existe ou não essa disponibilidade? Gostaríamos de conhecer a opinião do Governo nesta matéria ainda hoje.

Uma outra questão importante, absolutamente central para definir a nossa posição em relação a esta proposta de lei, tem a ver com os artigos 16.º, 17.º e 19.º. Como é que o Governo julga compatibilizar o que é designado por uso comum ordinário (e, até, o uso comum extraordinário) do domínio público com a aquisição privada dos direitos de uso, a concessão a privados da possibilidade de usar em exclusivo o domínio público e a concessão da gestão e exploração privada do uso comum ordinário do domínio público?

Isto é, o que é que o Governo pretende, afinal, com esta proposta de lei? Pretende vir aqui colher o nosso voto favorável para privatizar o domínio público marítimo, por exemplo, transformando, eventualmente, o nosso litoral num imenso rol de praias privadas, de uso privativo, impedindo o acesso a essas praias e o uso desses bens do domínio público à maioria dos portugueses, que são, no fundo, os detentores dessa propriedade e desse património?

Seria, pois, importante, que o Governo esclarecesse a sua posição, isto é, se está ou não disposto a mitigar, limitar e, em certos casos, impedir essa rentabilização genérica que agora vem propor.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Guilherme Silva:

O parecer do Governo Regional dos Açores apareceu finalmente, e é, de facto, muito importante. Importa referir que é negativo relativamente à proposta de lei de autorização legislativa e aproxima-se muito do teor do parecer da Assembleia Legislativa da Madeira.

A resposta e os comentários do Sr. Secretário de Estado são que estas alterações são óbvias e que a clarificação entre o uso privado e o uso público do domínio público é óbvia. Mas, Sr. Secretário de Estado, o que é óbvio para nós é que nada do que o senhor diz que é óbvio está na lei ou na proposta de lei de autorização legislativa.

Portanto, de duas, uma: ou os senhores estão disponíveis para trabalhar este diploma na especialidade, modificando no bom sentido algumas disposições, ou, então, não estaremos disponíveis para aceitar esta proposta de autorização legislativa.

E diga-se, Sr. Secretário de Estado, que é óbvio para nós que é necessário fazer uma revisão do regime jurídico da gestão do património imobiliário público. Impõe-se uma revisão, uma sistematização e uma harmonização deste regime

Deve dizer-se que há algumas orientações positivas na proposta de lei de autorização legislativa. Os princípios que vedam a alienação de imóveis do domínio público, que impedem a sua aquisição por usucapião, ou impedem a sua utilização como bens penhoráveis merecem o nosso total acordo.

Para além destes elementos de princípio, é igualmente de destacar uma outra intenção que preside à apresentação desta autorização legislativa e que tem a ver com a introdução de obrigações, de metodologias e de instrumentos destinados à inventariação regular do património público e à sua actualização obrigatória.

Mas, Sr. Secretário de Estado, se todos estes aspectos são positivos e merecem o apoio do PCP, já nos oferecem muitas dúvidas as normas que referi no meu pedido de esclarecimento e que constam do projecto de decreto-lei, que têm a ver com a possibilidade da apropriação privada do uso e fruição dos bens do domínio público ou da sua gestão e exploração.

O direito consagrado pelo uso comum ordinário e extraordinário que consagra o acesso público ao usufruto ou à fruição destes bens pode ser - e será, certamente, em boa medida - pervertido pela possibilidade, em princípio completamente não condicionada ou limitada, da transferência do uso e da exploração e gestão desses bens para o domínio privado.

Não aceitamos que as melhores zonas litorais ou as mais apetecíveis margens fluviais - enfim, Sr. Secretário de Estado, as muitas Troias em que este país é fértil - possam ser apropriadas ou concessionadas a privados, impedindo-se e proibindo-se o uso público desses bens aos portugueses, isto é, impedindo o acesso aos verdadeiros proprietários dos bens do domínio público, como bem referiu a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.

Não aceitamos a proliferação de praias privativas incluídas em ressorts ou hotéis, que impedirão a maior parte dos portugueses de aceder de forma livre ao oceano, aos rios ou às albufeiras.

Quanto a nós, é este o grande perigo que está por trás das normas positivas e das boas intenções do projecto de decreto-lei incluído na proposta de lei de autorização legislativa.

Teremos de ser claros, Sr. Secretário de Estado: ou a proposta de lei de autorização legislativa é expurgada destas orientações que permitem a apropriação e exploração privada dos bens do domínio público, ou a proposta de lei de autorização legislativa garante, de facto, o acesso permanente e normal dos portugueses ao património público, que lhes pertence de direito, ou, então, o Governo não pode contar claramente com qualquer apoio do PCP quer a esta proposta de lei de autorização legislativa quer a qualquer decretolei a que ela dê origem.

(...)

Senhor Presidente
Senhoras Deputadas e Senhores Deputados

É verdade que o regime jurídico da gestão do património imobiliário público está há muito tempo disperso e é em certa medida contraditório!

É verdade que se impõe uma profunda revisão, sistematização e harmonização desse regime jurídico!

É muito positivo que se consagrem os princípios que vedam a alienação de imóveis do domínio público, que impedem a sua aquisição por usucapião ou impedem a sua utilização como bens penhoráveis.

Para além destes elementos de princípio é igualmente de destacar uma outra intenção que preside à apresentação desta Autorização Legislativa e que tem a ver com a introdução de obrigações, de metodologias e de instrumentos destinados à inventariação regular do património público pertencente quer ao Estado, quer às regiões autónomas ou às autarquias locais, incluindo a respectiva actualização.

Neste aspecto será importante que sejam legalmente consagradas as atribuições e competências que neste domínio são próprias dos governos regionais e das assembleias legislativas regionais, alterando neste sentido o projecto de Decreto-lei associado à Autorização Legislativa solicitada pelo Governo.

Se todos estes aspectos são positivos e merecem o apoio do PCP já nos oferecem muitas dúvidas as normas constantes do projecto de Decreto-lei que tem a ver com a possibilidade da apropriação privada do uso e fruição dos bens do domínio público ou da sua gestão e exploração.

O direito estipulado pelo uso comum ordinário e extraordinário que consagra ao acesso público ao usufruto ou à fruição dos bens do domínio público pode ser (será certamente e em boa medida) pervertido pela possibilidade - em princípio completamente não condicionado ou limitado - da transferência do uso e de exploração e gestão desses bens para o domínio privado.

Não aceitamos que as melhores zonas litorais ou as mais apetecíveis margens fluviais - enfim, as muitas Troias em que Portugal é fértil - possam ser apropriadas ou concessionadas a privados, impedindo-se e proibindo-se o uso público desses bens aos portugueses, isto é, impedindo o acesso aos verdadeiros proprietários desses bens do domínio público.

Não aceitamos a proliferação de praias privativas incluídas em "ressorts" ou hotéis que impedirão a maior parte dos portugueses de aceder de forma livre ao oceano, aos rios ou às albufeiras do nosso País!

Quanto a nós é este o grande perigo que está por trás das normas positivas e das boas intenções do projecto de Decreto-lei incluído na Autorização Legislativa pedida pelo Governo!

E teremos que ser claros: Ou a Autorização Legislativa é expurgada das orientações que permitem a apropriação e exploração privada dos bens do domínio público, ou a autorização legislativa garante o acesso permanente e normal dos portugueses ao património público que lhes pertence de direito, ou não pode o Governo contar com qualquer apoio do PCP a esta Autorização Legislativa ou ao Decreto-lei que lhe suceder!

Disse.

 

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