Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Sessão Pública «Assegurar o direito à habitação para todos. Dinamizar o arrendamento urbano. Garantir os direitos dos inquilinos»

Assegurar o direito à habitação para todos. Dinamizar o arrendamento urbano. Garantir os direitos dos inquilinos

Ver vídeo

''

Temos afirmado que Portugal precisa de outra política para dar uma resposta cabal aos problemas do País e que tais problemas só encontraram completa satisfação na política alternativa, patriótica e de esquerda que o PCP defende.

Essa necessidade está patente nos mais diversos sectores da vida nacional, na solução dos seus défices estruturais e na superação das enormes carências que o País apresenta nos mais diversos domínios, como naquele que aqui nos trás a esta Sessão Pública – o da Habitação - que anos e anos de política de direita, prosseguida por PS, PSD e CDS não resolveram, antes agravaram com a sua opção de divinização do mercado como fonte exclusiva da sua produção e, consequente, com o desinvestimento e a desresponsabilização do Estado da sua função constitucional.

Uma opção reforçada e justificada por uma política submetida a fortes constrangimentos da União Europeia e do Euro limitadores do investimento público e de orientações internas e externas que privilegiavam as actividades financeiras e especulativas, em detrimento das populações e da satisfação das suas necessidades.

Na verdade, foram as políticas neoliberais, primeiro do FMI e depois da União Europeia que os sucessivos governos nacionais acompanharam e assumiram como suas que conduziram a que o investimento público em Habitação fosse, ao longo dos anos, quase integralmente destinado à bonificação dos juros na aquisição de casa própria.

Entre 1987 e 2011, praticamente 75% das verbas destinadas em Orçamento do Estado à Habitação foram entregues à Banca, numa portentosa transferência de dinheiro público, sob a forma de bonificações. Nos anos seguintes a promoção pública foi praticamente inexistente. Apenas em 2017/18 voltou a haver investimento público para a operação de realojamento de Vale de Chícharos no Seixal, exigindo um fortíssimo investimento do Município.

É desta opção e desta política que deixou nas mãos de grupos económicos, financeiros e especulativos a intervenção em matéria de Habitação a responsabilidade pela carência de Habitação hoje verificada no País.

Só nas áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, segundo dados oficiais, seguramente aquém da realidade, são mais de 35.000 as famílias em “lista de espera” de fogos municipais, onde os municípios terão pouco mais de 300 fogos vagos. Estima-se que a resposta à carência de Habitação, para diversos estratos da população, exigirá a promoção pública de cerca de 200.000 habitações.

Carências que não encontram a resposta que se impunha nas actuais orientações do governo do PS que continua submetido aos ditames da União Europeia e à estratégia do capital económico e financeiro.

Como aqui, nesta Sessão, foi evidenciado, a produção de Habitação pública é uma necessidade premente. É inadiável a concretização de uma política e medidas da promoção do crescimento a um forte ritmo do parque habitacional público. Portugal não pode continuar a ser um dos países europeus com uma ínfima percentagem - cerca de 2% - de parque habitacional público.

Acresce a degradação física dos bairros que é traduzida no facto de mais de metade do parque habitacional do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana se encontrar em mau estado de conservação, sendo que, na generalidade dos municípios, a situação será similar.

A ausência de gestão e o vazio de medidas e soluções da política dirigida à promoção e valorização do património público habitacional é traduzida no facto de se encontrarem devolutos mais de 7000 fogos do nosso escasso parque público.

As mesmas carências podemos encontrá-las também ao nível do arrendamento, como aqui também se chamou à atenção. Carências que se têm vindo a avolumar e que têm uma história e causas objectivas que não podem ser iludidas se se quer verdadeiramente agir para lhe dar resposta.

No início do presente século o capital financeiro, que necessitava de superar a crise que havia provocado, em grande parte por via da bolha imobiliária resultante da especulação nas periferias das grandes cidades, apontou para a criação de uma nova bolha imobiliária, agora na área da reabilitação urbana. Para isso necessitava de uma verdadeira vaga de despejos que deixasse prédios e bairros devolutos para receber novas funções e novos moradores.

Foi pela mão do governo PS, em 2006, que se iniciou o processo tendente aos despejos nas zonas urbanas mais apetecíveis com o lançamento de uma nova legislação do arrendamento urbano, ao mesmo tempo que dava os primeiros passos na beneficiação fiscal dos residentes estrangeiros.

Estes primeiros passos foram aprofundados pelo governo PSD/CDS-PP que fez aprovar, em 2012, uma nova lei do arrendamento urbano.

Esta nova lei, que mereceu o justo epíteto de lei dos despejos, imposta para servir os interesses dos grandes investidores que queriam e tiveram a precarização total do direito ao arrendamento, a anulação de anteriores contratos, livremente estabelecidos entre as partes, os aumentos brutais dos valores das rendas e até «um procedimento especial de despejo do local arrendado».

O impacto da lei dos despejos foi brutal sobre milhares de famílias e também sobre um vasto conjunto de actividades económicas, sociais e culturais, sediadas em especial nos bairros históricos de Lisboa e Porto.

Com o quadro parlamentar, saído das eleições de 2015, foi possível novo processo legislativo, retirando à lei de 2012 alguns dos seus aspectos mais gravosos, especialmente aquele que, obrigava a que fosse feito, em 2017, o despejo de milhares de famílias idosas, ainda que o prazo para o despejo tivesse sido apenas prorrogado por cinco anos.

O contributo do PCP nesta nova fase da vida política nacional foi determinante na aprovação de medidas positivas no sentido da protecção dos moradores e inquilinos e da salvaguarda da sua habitação, ainda que longe da efectiva concretização do direito constitucional à Habitação.

Com a luta dos moradores e inquilinos e a acção do PCP foi possível reforçar os direitos dos moradores que residem em habitações sociais, com a eliminação dos mecanismos que facilitavam o despejo e o estabelecimento de contratos com maior duração no âmbito do regime da renda apoiada.

Foi possível introduzir na lei a regulação do alojamento local através de regulamento municipal, determinando o estabelecimento de quotas, com o objectivo de compatibilizar esta actividade económica com a protecção do direito à Habitação e a salvaguarda das comunidades e vivências locais.

Foi possível evitar que os idosos, como já se disse, mas também as pessoas com incapacidade superior a 60% e as famílias com baixos rendimentos abrangidos pelo regime transitório previsto no novo regime de arrendamento urbano, com a sua prorrogação e depois com a introdução de medidas no sentido de maior protecção dos inquilinos.

As alterações feitas são no entanto insuficientes. A extinção do balcão nacional do arrendamento, verdadeiro balcão de facilitação dos despejos, e a redução do valor de renda máxima, no período transitório, para 4% do valor patrimonial do locado, propostas pelo PCP, foram chumbadas pelo PS, pelo PSD e pelo CDS-PP.

Já na actual legislatura foram apresentadas pelo PCP novas propostas legislativas, no sentido de manter a cláusula de salvaguarda que impede os despejos de contratos anteriores à legislação de 2006; de prolongar os contratos de arrendamento para 10 anos, entre outras e de extinguir o balcão do arrendamento.

São propostas importantes, mas insuficientes. A solução terá de passar pela revogação integral da legislação de 2012 e pela aprovação de um novo regime do arrendamento urbano e por uma outra política alternativa de Habitação.

É a grave situação da Habitação existente no País que o reclama. É o desmesurado aumento das rendas, o fenómeno da gentrificação que avança e se amplia com o aumento brutal do preço das casas e a expansão do chamado alojamento local destinado ao alojamento temporário nos mais importantes centros urbanos do País.

No que se refere às rendas, em 2017, a subida dos valores de renda em Portugal foi a 5.ª mais elevada a nível mundial (dados FMI). De 2013 a 2018 as rendas tiveram um aumento de 68% a nível nacional.

Em 2018 o valor das rendas cresceu 23% em Lisboa e Porto, sendo o aumento de 15,4% no conjunto do País. A pressão começa a fazer sentir-se do centro para a periferia, em 2018 foi em Marvila (freguesia periférica) o maior aumento da cidade de Lisboa, 79%.

O esforço financeiro de uma família com Habitação não deveria exceder 30%. Em Portugal esse esforço sobe, em média, para os 58%. Um conhecido estudo de uma associação de profissionais e empresas de mediação imobiliária, feito em 2017, nas principais cidades portuguesas, concluiu que 60% a 70% das pessoas acham que arrendaram uma casa acima das suas possibilidades.

Segundo dados do INE, 40% dos jovens entre os 18 e os 34 anos ainda vivem em casa dos pais por impossibilidade de independência financeira.

Hoje, sabe-se que comprar casa em Lisboa é mais caro do que em Roma ou Bruxelas e está ao nível dos preços de Oslo, Copenhaga ou Amesterdão.

Os preços das casas, quer de compra quer de arrendamento, têm vindo a bater recordes.

Viver numa casa com o mínimo de condições tornou-se assim num luxo, a que poucos têm acesso.

O mercado, a dominância do capital financeiro, revela-se incapaz de relançar o arrendamento em termos de adequação das rendas aos rendimentos da maior parte das famílias portuguesas.

O que cresce é o Alojamento Local. Num vasto número freguesias de Lisboa e do Porto, se todos os Alojamentos Locais estiverem ocupados, o número de residentes temporários ultrapassa já o número de residentes locais.

Lisboa tem dos maiores rácios de casas de Alojamento Local por residente, a nível mundial (um exemplo: Amesterdão, 863 000 habitantes e 20 000 Alojamentos; Lisboa, 507 000 habitantes e 32 000 Alojamentos Locais). Em Lisboa, o maior proprietário possui 437 Alojamentos e os 25 maiores proprietários somam cerca de 3 000.

O que se amplia é o fenómeno da gentrificação nos principais centros urbanos e, com muita evidência, nesta cidade de Lisboa. De 2011 a 2017 Lisboa perdeu 63 300 moradores e recebeu, mercê de vistos Gold e de benefícios fiscais a residentes “não habituais”, mais de 27 000 residentes estrangeiros. Só em 2018, houve 1 592 imóveis residenciais, situados na Área de Reabilitação Urbana de Lisboa, vendidos a estrangeiros.

É toda esta situação que é necessário alterar para que o direito humano à Habitação, cometido ao Estado seja realizado.

É isso que a política patriótica e de esquerda defende e projecta.

Com o Estado a desempenhar o papel determinante ao nível das políticas de solos, de edificabilidade, de regeneração e arrendamento, mobilizando o património habitacional público para programas de renda apoiada ou de renda condicionada.

Garantir o direito à Habitação para todos é possível com uma política que rompa com os interesses dos grupos privados e fundos imobiliários, e privilegie a intervenção pública colocada ao serviço das populações que necessitam de habitação.

O projecto de Lei de Bases da Habitação que o PCP propôs na legislatura que há pouco terminou inscrevia-se neste objectivo de garantir o direito à Habitação que a Constituição da República consagra. E foi para o assegurar que nos empenhamos com a nossa proposta na sua elaboração e aprovação.

A Lei aprovada ficou ainda aquém do necessário para assegurar tal direito. Algumas das nossas propostas não tiveram vencimento, como é o caso, entre outras, as relativas à posse administrativa de habitações devolutas em áreas de carência habitacional e onde não existam habitações do parque público; a não alienação do património público habitacional; o estabelecimento de quotas para arrendamento a famílias de menores recursos; a não execução de penhora da casa, quando esta seja de habitação própria e permanente, nos casos de execução judicial de créditos. Mas o que se consegui com a determinante propositura do PCP foi um passo em frente que urge agora concretizar com acção política e medidas concretas.

Foi aprovada uma Lei de Bases da Habitação que determina, entre outros aspectos positivos: a responsabilidade do Estado, com as necessárias dotações orçamentais, na garantia do direito à Habitação e da sua função social; a definição do Programa Nacional de Habitação, o acompanhamento e fiscalização do mesmo; a criação da Carta Municipal de Habitação como carta de condicionantes do PDM, possibilitando a mobilização de solos para programas habitacionais públicos ou privados de renda condicionada; a mobilização de património habitacional público e o incentivo à mobilização do património privado devoluto para programas de arrendamento, nos regimes de renda apoiada ou condicionada; a regulamentação e fiscalização do arrendamento; a protecção e acompanhamento em situações de despejo e, entre outros, a valorização das organizações de moradores, das cooperativas e dos processos de auto-construção e auto-acabamento.

O que se impõe fazer agora é afirmar na prática da acção política e governativa o primado do público sobre as lógicas de mercado, o papel de um Estado interveniente a todos os níveis do entendimento de uma política social de habitação e assegurar dotações em Orçamento do Estado que possibilitem o desenvolvimento de programas habitacionais, servindo, por promoção pública, a diversos estratos da população.

A nova política de Habitação que o País precisa e o PCP defende exige:

Aprovar uma nova lei do arrendamento urbano que, finalmente, revogue o “balcão dos despejos” e ponha fim à espiral especulativa dos valores das rendas;

Criar condições e programas de construção ou reabilitação de fogos do parque habitacional público, destinados aos regimes de renda apoiada ou de renda condicionada;

Melhorar a actual legislação da renda apoiada, adequando os valores das rendas aos rendimentos reais, isto é líquidos, do agregado familiar;

Melhorar os programas de apoio ao arrendamento jovem, desde logo com dotações orçamentais que possibilitem que ninguém, respeitando as condições de acesso ao “Porta 65 Jovem”, seja excluído por falta de verbas;

Criar programas de habitação a custo controlado e renda condicionada, de modo a garantir alternativas aos chamados programas de renda acessível que mais não são do que programas de expulsão para as periferias de agregados de médios rendimentos.

É combinando a luta pela concretização da política alternativa que o governo do PS está longe de garantir, com a luta pela solução dos problemas mais imediatos, que continuaremos a agir e a intervir, não desperdiçando nenhuma oportunidade para o conseguir.

Foi com esse propósito que preparámos a nossa intervenção no âmbito do debate do Orçamento do Estado para 2020, visando fazer avançar direitos e respostas inadiáveis, também no domínio da Habitação.

Sendo este um Orçamento da inteira responsabilidade do governo do PS e determinado pelas suas opções, o PCP não prescindiu, contudo, como sempre fez, de intervir com independência, com as suas propostas, para dar solução aos problemas do País, nomeadamente na área da Habitação.

Por isso nos estamos a bater empenhadamente para que o Orçamento do Estado assegure o aumento do investimento para 200 milhões de euros em Programas de Realojamento Habitacional, de Reabilitação do Parque Habitacional e de Promoção de Habitação a Custos Controlados e Renda Condicionada, assim como a calendarização, pelo Governo, das intervenções a realizar até 2024. Para que seja consagrada a proposta do PCP de reforço das verbas (25 milhões de euros) destinada ao Programa Porta 65 – Arrendamento por Jovens. Que se garanta a não aplicação do Novo Regime do Arrendamento Urbano aos contratos de arrendamento anteriores a 2006, independentemente da idade e do rendimento, tendo em vista o afastamento do espectro dos despejos para estes inquilinos e, entre outras propostas, se assegure a mobilização de imóveis que integram o património público para oferta de habitação pública nos regimes de renda apoiada ou de renda condicionada, assim como o impedimento de o Estado afectar esse património público a outros fins que não o do aumento de oferta de habitação pública.

A Habitação é um bem fundamental para suprir necessidades básicas das pessoas e dar estabilidade à vida das famílias.

Na luta por assegurar a todos esse direito, as populações podem contar com o activo empenhamento do PCP.

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Central
  • Habitação
  • Vistos Gold