Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

«Assegurar o controlo público da banca, resgatar a soberania monetária do país libertando-o da submissão ao Euro»

Sr Presidente
Srs Deputados

O facto de o CDS ter agendado uma interpelação apenas sobre a supervisão bancária diz muito da forma como o CDS procura apagar as suas responsabilidades no escândalo dos off-shores mas também como continua a procurar ilibar os banqueiros e até o próprio Governo de que fez parte, na grave situação que vive o sistema financeiro português.

Perante sucessivos escândalos com o BPP, BCP, BPN, BES e o BANIF, aquilo que o CDS traz aqui é a mesma ideia de sempre: a culpa é do supervisor!
E nós temos de lembrar ao CDS que é culpa do supervisor mas não é só.

É culpa de quem privatizou a banca portuguesa e a entregou aos grupos monopolistas que a controlam e aos banqueiros que durante décadas têm feito fortuna à custa do país.

É culpa de quem, a partir de sucessivos governos, foi concedendo a esses grupos monopolistas um controlo crescente sobre a banca, sobre outros sectores estratégicos nacionais e sobre o próprio país.

É culpa de quem ao longo de anos tem feito leis e regras à medida da gula pelo lucro da banca privada, como as que lhes permitem a utilização de off-shores para fugir aos impostos e desviar património.

É culpa de quem tem aceitado sem questionar as imposições e regras europeias e internacionais que permitem a circulação de capitais sem fronteiras nem controlo e retiram aos Estados qualquer capacidade de intervir no sector financeiro em defesa do interesse nacional. A supervisão bancária tem sido o véu com que sucessivos governos escondem a natureza predatória da banca privatizada, um parceiro cúmplice do sector bancário privado que tem afundado o país.
O problema central reside aí, na forma como funciona um sistema financeiro subjugado por bancos cujo único objectivo é o de aumentar os lucros dos seus accionistas, fazendo o que for preciso para isso, cometendo crimes e fraudes, violando a lei, obrigando países inteiros a pagar pelos seus prejuízos.

Perante a evidência de que uma banca nas mãos de accionistas privados não serve os interesses do povo nem do país, perante a evidência de que a banca privada é instável por natureza, governos e União Europeia construíram a ilusão de que a supervisão há-de resolver esses problemas vigiando bancos e banqueiros.

Nada mais falso!

O supervisor é uma espécie de agência de comunicação dos bancos privados. Para quem julga que o supervisor é um instrumento público junto da banca, eis a realidade: o Banco de Portugal é a voz dos bancos privados junto do público, agora comandado à distância pelo BCE. Tendo conhecimento do conjunto de problemas dos bancos, o seu papel é o de minimizar a instabilidade da banca, sem questionar a propriedade privada, ou seja, esconder os problemas e continuar a dizer aos portugueses, Keep Calm que a banca está sob supervisão.

Depois de tudo isto querem agora convencer-nos de outra falsidade, a de que é a União Bancária, com a concentração da propriedade bancária em megabancos, monopólios à escala europeia, regulados e supervisionados directamente pelo Banco Central Europeu que há-de resolver os problemas.

Sr Presidente
Srs Deputados

A privatização dos bancos, desde o final dos anos 80, por opção de sucessivos Governos, constituiu-se como um momento de abdicação do interesse nacional e de entrega de uma das principais alavancas da economia e de um importante instrumento de soberania. PS, PSD e CDS decidiram entregar a banca aos grandes grupos económicos que a vieram a utilizar como instrumento de extorsão da riqueza nacional, amassando lucros obscenos durante mais de três décadas, em confronto com o equilíbrio entre economia privada, pública e cooperativa e o combate à formação de grupos monopolistas, ambos previstos na Constituição da República Portuguesa.

A entrega do controlo da banca aos grandes grupos económicos e ao grande capital colocou nas suas mãos opções fundamentais sobre o financiamento da economia.

Ao mesmo tempo, e também por opção de PS/PSD/CDS, Portugal era colocado de joelhos perante a União Económica e Monetária a pretexto do progresso e do crescimento.

A conjugação da privatização da Banca com a entrega da soberania monetária e financeira à União Europeia significou a dependência quase integral da banca.
Ao mesmo tempo que entregavam o negócio bancário a grandes grupos, e que expunham a actividade bancária a uma cada vez maior volatilidade e à especulação financeira, tentavam tranquilizar os portugueses com o embuste da supervisão.

Não tardou até que se percebesse que a supervisão e regulação eram ilusões manifestamente incapazes de conter o assalto aos bancos portugueses. Pelo contrário, deram-lhes cobertura.

Veja-se o caso BES: como o PCP denunciou, o Banco de Portugal sabia desde 2001 dos graves problemas do BES e nunca interveio. Desde a utilização do RERT por parte de Ricardo Salgado que o PCP questionou o Banco de Portugal sobre a idoneidade do Banqueiro e o Governador do Banco de Portugal nunca interveio na gestão do BES, apesar de ter todos os motivos para o fazer.

Se o Governador tem responsabilidades na forma como foram conduzidos actos de supervisão, o Governo PSD/CDS tem responsabilidades políticas directas nas acções do Governador e nas opções políticas que prostraram o país perante os grandes grupos económicos. Temos o direito de afirmar que o Banco de Portugal deveria ter feito mais do que enviar cartas aos banqueiros, aconselhando-os ou fazendo-lhes meras sugestões. Mas também temos o dever de afirmar que houve um Governo PSD/CDS que legitimou essa acção do Governador do Banco de Portugal e o reconduziu mesmo depois de serem conhecidas muitas das suas falhas graves.

Governador e Governo PSD/CDS de mãos dadas enterraram o país para salvar banqueiros.

Senhor Presidente
Senhoras e senhores Deputados

O que Portugal necessita é de uma outra política.

Portugal necessita de recuperar a sua soberania monetária e bancária, incluindo o controlo nacional do Banco de Portugal que está transformado numa sucursal do BCE.

De assegurar o controlo público da banca, resgatar a soberania monetária do país libertando o país da submissão ao Euro, colocar o sistema bancário ao serviço do povo e do país.

É esse o caminho da política alternativa que o PCP defende para garantir o progresso e o desenvolvimento do país.

Disse.

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