Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP
na Apresentação do Programa Eleitoral do PCP para as Eleições Legislativas 2005
Lisboa, 18 de Janeiro de 2005

MAIS VOTOS NA CDU PARA MUDAR A SÉRIO

Senhoras a senhores jornalistas:


Partindo da real situação do país e da avaliação da conjuntura mundial e europeia, apresentamos hoje o nosso programa eleitoral.


Um quadro internacional determinado pelo processo de globalização capitalista e pelo desenvolvimento de uma União Europeia guiada para a aplicação de políticas neoliberais e de orientações macroeconómicas monetaristas expressas, nomeadamente, através da aplicação do Pacto de Estabilidade e Crescimento e que vão ao arrepio das reais necessidades de desenvolvimento dos países europeus, em particular daqueles, como Portugal, que parte de baixos níveis de desenvolvimento e apresenta carências e défices estruturais significativos.


Uma conjuntura mundial e europeia que têm que estar presentes na definição e desenvolvimento das principais políticas nacionais, mas que não podem impedir, antes devem determinar, a necessidade de afirmação de uma política económica e social orientada para o desenvolvimento do país e de uma política externa patriótica.


Portugal não pode prosseguir por mais tempo o já longo ciclo de mais de vinte anos de políticas que, paulatina mas inexoravelmente, debilitaram a estrutura produtiva do país, foram incapazes de alterar o modelo económico baseado nos baixos salários e na fraca incorporação científica e tecnológica no processo produtivo, com uma cadeia de valor curta e de baixo valor acrescentado, condenando Portugal ao atraso e à sua crescente fragilização, dependência e subordinação, políticas que se acentuaram nos últimos quase três anos de governo PSD/CDS-PP e levaram ao aprofundamento da recessão e ao forte aumento do desemprego, agravaram todos os problemas nacionais e são a causa principal das dificuldades do povo e do país.


A ruptura com tal política tornou-se, face à grave situação do país um imperativo nacional.


A crise económica, financeira, social e política, presente no país, tem responsáveis directos. O PSD, o CDS e o PS não podem continuar a iludir as suas responsabilidades pela situação a que o país chegou com cíclicas e alternadas passagens de culpa entre si.


No programa que aqui apresentamos, definimos as grandes questões nacionais e as principais orientações para lhes dar resposta, na perspectiva da mudança que o país precisa.


O conjunto de medidas e propostas que o programa consagra, bem como as propostas sectoriais e específicas, articula-se e desenvolve-se a partir de cinco grandes eixos estratégicos para a política necessária que corresponda às mais sentidas aspirações do povo português e tem como exigência a definição e execução de políticas conforme os preceitos e obrigações constitucionais.


São eles:
1. Uma política de desenvolvimento económico ao serviço do progresso de Portugal
2. Uma política Social ao serviço do bem-estar das populações
3. Uma política cultural democrática
4. Uma política orientada para a defesa e o reforço do regime democrático
5. Uma política externa de paz, cooperação e amizade


Grandes eixos estratégicos que, de forma coordenada e complementar, concentram uma orientação que procura dar resposta a questões centrais da sociedade portuguesa e suporte a uma política alternativa capaz de garantir um país mais desenvolvido, justo, solidário e independente.


No âmbito do primeiro eixo — de desenvolvimento económico — o programa visa responder à grande questão que se tornou num dos problemas centrais da sociedade portuguesa: o crescimento económico, vigoroso e sustentado acima da média europeia (um valor médio de pelo menos 4% ao ano), potenciador de emprego e com uma dimensão espacial, social e ambiental. Crescimento que passa, entre outras, pela valorização da produção e do aparelho produtivo nacional; pelo combate aos défices externos; pelo aumento da produtividade; pelo aumento do investimento público e do investimento directamente produtivo, nomeadamente através de uma eficiente utilização dos dinheiros comunitários, direccionando o investimento para os sectores de maior conteúdo tecnológico e criando, simultaneamente, condições de atracção de investimento estrangeiro que garanta efectivamente a dinamização da estrutura económica nacional; pela dinamização do consumo interno.


A dinamização do consumo, designadamente do consumo popular, passa por um crescimento do rendimento das famílias de forma sustentada e não à custa do seu crescente endividamento. O crescimento do rendimento será um factor impulsionador do aumento de produtividade e do alargamento do mercado interno.
A dinamização da actividade produtiva não pode ficar exclusivamente dependente do crescimento das exportações, como defendem os arautos das medidas de contenção e austeridade, mas sim combinar as exportações e o alargamento do mercado interno com a defesa da produção nacional. Um país que apresenta a sociedade mais desigual da União Europeia, que tem o mais baixo salário mínimo, os mais baixos salários médios, as mais baixas pensões de reforma e invalidez, e simultaneamente as mais altas taxas de concentração de riqueza e de lucro do capital financeiro, tem que garantir, por razões de justiça social, uma mais justa repartição do rendimento nacional, assegurando o crescimento real e sustentado dos salários e a elevação do nível das pensões.


O país em que é maior o fosso entre os dez por cento mais ricos e os dez por cento mais pobres e em que seis grandes grupos económicos detêm em conjunto mais de um quarto do Produto Interno Bruto não é um país justo e solidário. Ou seja: é preciso criar mais riqueza, mas também uma mais justa repartição.


O crescimento económico vigoroso e sustentado tem que assentar em políticas macroeconómicas dirigidas à modernização das actividades produtivas e à defesa do mercado nacional (como todos os outros países da U.E. fazem) e impõem a forte dinamização das actividades de investigação associadas à produção, com vista à alteração do actual perfil de especialização da economia portuguesa, sem deixar de ter em conta a defesa de sectores tradicionais, à cabeça dos quais, pelo seu impacto nacional e regional está o sector dos têxteis e vestuário. A construção de uma economia competitiva tem que ter como vectores fundamentais a inovação, a formação e a qualificação dos trabalhadores e a criação de infra-estruturas materiais e sociais básicas. Adequadas políticas energéticas, financeiras, de telecomunicações e transportes. Mas também uma adequada política monetária na Zona Euro.


Passa ainda pela defesa, no quadro europeu, da concretização do princípio, inscrito nos Tratados da "coesão económica e social" e da convergência real das economias, superando os actuais constrangimentos do Pacto de Estabilidade.
E isto, sem subestimar o problema do desequilíbrio das contas públicas e dos défices estruturais da economia (entre os quais o défice alimentar, o défice energético e défice tecnológico) aspecto aliás, há muito levantado pelo PCP, questão aligeirada pelas outras forças e cuja situação é da responsabilidade das políticas e da actuação dos sucessivos governos. A resposta a este problema passa essencialmente pelo aumento das receitas com o alargamento da base tributária e o aumento da fiscalização. Para além da premência da elevação do PIB nacional com consequências imediatas no aumento das receitas, é urgente o aprofundamento do regime da tributação das empresas financeiras e seguradoras, que continuam a pagar, como o demonstram os estudos sobre a tributação da banca, uma taxa efectiva de IRC que é metade da de qualquer micro, pequeno ou médio empresário. E passa igualmente pela revisão drástica dos privilégios ilegítimos concedidos às zonas francas e pela revisão geral do estatuto dos benefícios fiscais. É necessário prosseguir com a reforma fiscal dos impostos sobre rendimentos.


Em relação às receitas é ainda necessária a reposição da tributação efectiva e socialmente justa das mais-valias e do princípio do englobamento pleno de todos os rendimentos. Por outro lado, é necessário combater a evasão fiscal, não em palavras, como têm feito os sucessivos governos, para não atingirem os grandes interesses. Registe-se que ninguém defende que o défice orçamental possa evoluir sem qualquer controlo, constrangimento ou preocupação. Mas nenhum argumento convence, bem pelo contrário, de que o melhor para o presente e o futuro da economia do país seja o tudo sacrificar para cumprir o dogma do défice zero, particularmente nas áreas sociais ou mesmo do valor de 3% definido como uma linha de defesa inultrapassável. Já nem os pais do PEC pensam assim!
É também possível do lado da despesa, como aponta o nosso programa orientá-la no sentido do corte das despesas não essenciais, nomeadamente ao nível das despesas correntes e mesmo nas despesas de investimento. Nestas, tornou-se também evidente nos últimos anos, e sob o silêncio comprometedor dos interesses do bloco central, político e empresarial, o elevadíssimo impacto nas contas públicas das incompreensíveis derrapagens de milhões e milhões de euros nas obras públicas, como são, entre muitas outras, o “caso” das pontes Vasco da Gama, da Ponte de Coimbra, ou das obras de renovação da linha do Norte. Mas é, sem dúvida, necessário, também combater o laxismo nas dotações das despesas não essenciais, desnecessárias e injustificáveis, particularmente as despesas nos gabinetes dos membros do governo, e restringir o recurso sistemático, de dimensões pouco conhecidas, à contratação externa de serviços diversos em detrimento do aproveitamento de recursos e competências da Administração Pública. É necessário igualmente limitar a multiplicação e duplicação de estruturas com os mesmos objectivos, bem como promover a racionalização financeira da Administração Pública.


Contudo, é preciso que se saiba que o nível de despesa pública, e da tão proclamada despesa corrente primária, é significativamente inferior à média dos países da zona Euro.


No quadro do segundo eixo estratégico, uma política social ao serviço do bem-estar das populações passa pela melhoria do nível de vida, por uma mais justa repartição do rendimento nacional, pelo combate à pobreza e às desigualdades e aos grandes problemas sociais, dando grande atenção à precarização do trabalho, ao trabalho com direitos, à situação de milhares de jovens à procura do primeiro emprego, ou sem emprego garantido, e às discriminações que continuam a verificar-se em relação à mulher. A luta pela despenalização da interrupção voluntária da gravidez é uma das direcções de luta do PCP para ser concretizada na próxima legislatura.


Uma política de bem-estar social exige um sistema público e universal de Segurança Social, na base de um novo sistema de financiamento que garanta a elevação das pensões e reformas mais degradadas e das prestações de protecção social; um Serviço Nacional de Saúde eficiente, pondo-se fim à privatização dos hospitais e centros de saúde e à lógica do lucro máximo, colocando como prioridade a drástica redução das listas de espera, o integral aproveitamento dos recursos e meios existentes e a resposta efectiva à falta de médicos de família, enfermeiros e outros profissionais.


É necessário também implementar um plano de efectiva prevenção e combate aos flagelos do alcoolismo e da toxicodependência. Entendemos ainda que é necessário reforçar as políticas de saúde pública, com destaque para a prevenção da Sida.


No âmbito de uma verdadeira política social defendemos a necessidade de aprofundar a justiça fiscal, desagravando os rendimentos mais baixos e das famílias mais numerosas, bem como políticas activas de combate à pobreza e à exclusão social.


No terceiro grande eixo das políticas do nosso programa está uma politica cultural democrática, que assuma a cultura como factor de desenvolvimento, de transformação da vida e emancipação colectiva e individual e uma política de educação e ensino que tenha a escola pública gratuita e de qualidade como opção fundamental. Neste âmbito, impõe-se a expansão da rede pública de estabelecimentos de educação e ensino, a generalização da oferta pública e o alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos, mantendo-se a duração de nove anos para o ensino básico, bem como o incremento do apoio social escolar em todos os níveis de escolaridade. Igualmente se impõe a revogação da lei das propinas e a eliminação do numerus clausus no Ensino Superior público, de forma a favorecer a sua expansão.


É também urgente dar resposta à grave situação em que se encontram milhares de professores contratados.


No plano da formação profissional, é necessária a sua reforma, garantindo que se faça ao longo da vida.


Uma política orientada para a defesa e reforço do regime democrático – outro grande eixo de uma política alternativa – exige definitivamente políticas e actuações em conformidade com o exercício e o respeito pelos direitos e obrigações constitucionais; a credibilização das funções políticas e das instituições públicas, combatendo a corrupção, pondo-se fim às práticas de nepotismo, à transformação do Estado em coutada para a satisfação de clientelismos partidários, aos escandalosos benefícios e remunerações pelo exercício de cargos públicos, restabelecendo a confiança dos cidadãos nas instituições públicas.

Para o reforço da democracia portuguesa e da protecção dos direitos, liberdades e garantias é necessário clarificar a obrigação do Estado de criar as condições para a efectivação do princípio da igualdade, atenuando e eliminando as desigualdades sociais, económicas e culturais entre os cidadãos.

No que respeita ao sistema político actual, ele contém amplas potencialidades democráticas. Nesta matéria, é absolutamente necessário o fortalecimento sistemático dos poderes da intervenção da Assembleia da República e o reforço dos mecanismos da democracia participativa e da democracia directa.

É absolutamente imperioso, e por isso nos batemos, revogar as disposições da Lei dos Partidos, que constituem intromissões arbitrárias na liberdade de organização e funcionamento dos partidos políticos.

É precisa uma reforma verdadeiramente democrática da Administração Pública, capaz de assegurar uma gestão diversificada e qualificada ao serviço das populações e do país, o que exige o combate à gestão privada de organismos da Administração Pública e à privatização de importantes funções do Estado para o colocar ao serviço do capital privado, o respeito pelos direitos dos trabalhadores, a real revalorização das suas condições de trabalho e a sua participação na gestão da Administração Pública.

A institucionalização das Regiões Administrativas em conformidade com preceitos constitucionais é uma medida indispensável para o reforço e aperfeiçoamento do regime democrático.

Na área da justiça, é essencial para o Estado de direito democrático a preservação e defesa do poder judicial, assegurando as condições para a sua independência face ao poder político, combatendo as interferências, mais ou menos visíveis, venham de onde vierem.

O Estado deve assumir as suas responsabilidades, investindo a sério na justiça, com meios e medidas que tornem a justiça menos onerosa, mais célere e mais próxima das populações.

Medidas que ponham cobro à situação de desigualdade existente no acesso aos tribunais e à realização da justiça, designadamente através de um efectivo e melhor apoio judiciário para quem precisa, bem como da implementação dos Julgados de Paz em todo o país.

No plano da segurança interna é necessário realizar uma política assente na legalidade democrática, que aposte seriamente numa polícia civilista e de proximidade.

Que aposte na modernização, no reequipamento e formação, e, sobretudo, na dignificação das instituições policiais e das condições de vida dos seus profissionais – para dar mais segurança aos portugueses.


Por fim, no que diz respeito ao último grande eixo estratégico para a política necessária para Portugal dirigido à concretização de uma política de paz, cooperação e amizade, continuaremos a bater-nos por um novo rumo para a União Europeia com base em Estados soberanos e iguais em direitos, assumindo a independência e soberania nacionais como valores inalienáveis. Neste âmbito, rejeitamos o projecto federal e o directório das grandes potências, o conteúdo neoliberal e o sentido de militarização da União Europeia presentes na dita «Constituição Europeia». E defendemos, entre outros aspectos: um modelo institucional de cooperação entre Estados com um país/um voto e a salvaguarda do direito de veto em questões de interesse vital; a rotação da presidência; a presença na Comissão com direito a voto de todos os Estados-membros; a defesa do português como língua de trabalho; no plano social, a instauração do princípio da não regressão quanto às conquistas sociais; o nivelamento, por cima, das condições de vida e de trabalho ao nível comunitário; no plano económico, o reforço e profunda modificação das prioridades do orçamento comunitário, nomeadamente no quadro das negociações das Perspectivas Financeiras para 2007–2013; o fim do Pacto de Estabilidade e a criação de um Pacto de Crescimento Económico, Progresso Social e Emprego; a rejeição da Directiva sobre a criação do mercado interno de serviços; a reversão da Estratégia de Lisboa com a revogação da política de liberalizações e privatizações; no plano das políticas comuns, uma profunda reforma da PAC; e uma profunda modificação da Política Comum das Pescas; no plano da política externa e de segurança, uma Europa de paz, que respeita a soberania, que promove o desarmamento e a solução dos conflitos norteada pela cooperação entre todos os povos e países do mundo, no respeito pela Carta das Nações Unidas.


Os grandes eixos que resumidamente acabo de enunciar, são grandes objectivos para uma política alternativa que necessariamente são concretizados por um conjunto de propostas e medidas detalhadas sectoriais, constantes do programa, e que não deixarão de ter tradução em iniciativas legislativas do grupo parlamentar.
Permitam-me ainda que chame a atenção para a apresentação de vinte cinco medidas urgentes que respondem a importantes necessidades da população e do país, e cuja concretização, logo no início da próxima legislatura, daria resposta a sentidos problemas da sociedade portuguesa.


Ao apresentarmos o Programa Eleitoral do PCP, confirmamos a nossa atitude de força política portadora de inconformismo, de insubmissão e de esperança, que faz um vivo apelo a todos os cidadãos para que substituam a descrença, a abstenção e o desinteresse pela confiança na força da sua opinião, na sua luta e na eficácia do seu voto.


A importância dos programas eleitorais mede-se pelo valor e coerência das orientações e medidas, mas mede-se também pela garantia dessas propostas virem a ser respeitadas e assumidas na prática.
Com o nosso programa, marcamos também uma distância e diferença claras em relação às variantes da política de direita que, com diversos executantes, há anos demais assolam o país.


Finalmente, ao contrário de outros que prometem agora tudo o que não fizeram antes, o Programa Eleitoral do PCP é um programa de uma força que honra os seus compromissos e que não teme, antes deseja, que os eleitores procedam a essa clarificadora prova dos nove que é comparar actos de ontem, palavras de hoje e projectos para amanhã.


Não temos a ideia em relação às nossas propostas, que elas são a última palavra. No seu conjunto, elas são um esforço sério para dar resposta aos graves problemas com que se defrontam as portuguesas e os portugueses e estão abertas à sua consideração.