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Projecto de Lei n.º 466/IX

Garante a estabilidade funcional da investigação criminal

(Primeira alteração à Lei n.º 21/2000, de 10 de Agosto – Organização da investigação criminal)


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Preâmbulo

 

Alguns factos recentes, relacionados com a demissão de dois sub-directores da Directoria do Porto da Polícia Judiciária na sequência da sua intervenção no âmbito da chamada “operação apito dourado” vieram chamar a atenção para um problema não previsto na lei de organização da investigação criminal e que se prende com a necessidade de garantir a estabilidade das operações desencadeadas no âmbito de processos em curso.

 

Os factos foram, em síntese, os seguintes: Na sequência da demissão de um Director da Polícia Judiciária do Porto devido ao envolvimento de alguns familiares seus em processos sob investigação, o Director Nacional da Polícia Judiciária aproveitou essa ocasião para demitir das suas funções dois sub-directores da Directoria do Porto. Sublinha-se que aproveitou a ocasião, porquanto a demissão de Director não acarretaria como medida necessária a demissão dos sub-directores, que poderiam perfeitamente ser reconduzidos, até por que as razões evidentes que levaram à demissão do Director não lhes eram de forma alguma extensíveis.

 

Foi nessa altura difundido por diversos órgãos de comunicação social que as razões da demissão dos dois sub-directores por parte do Director Nacional da PJ se relacionavam com a sua participação na chamada “operação apito dourado” que, como se sabe, envolveu e envolve figuras públicas bem conhecidas do mundo da política, do futebol e dos negócios e que tal participação não teria sido do agrado da Direcção Nacional da instituição. Essa imputação, que afecta gravemente a reputação da Polícia Judiciária quanto à isenção da sua Direcção no cumprimento da lei e na prossecução das suas funções de polícia de investigação criminal, suscitou de imediato iniciativas do PCP e posteriormente de outros partidos da oposição no sentido do seu rápido e cabal esclarecimento.

 

Sucede que no momento da sua tomada de posse, o novo Director da Polícia Judiciária do Porto, aludiu a uma falta de lealdade dos anteriores sub-directores para com a chefia no desempenho das suas funções, o que deixou claro que as demissões foram decididas ainda antes da demissão do próprio director e se relacionaram de facto com as actividades desenvolvidas pelos sub-directores demitidos.

 

Esta situação motivou preocupações publicamente expressas não apenas por responsáveis políticos dos partidos da oposição ou por órgãos de comunicação social, mas também por responsáveis do Ministério Público que consideraram poder estar em causa a isenção político-partidária da Polícia Judiciária. Aliás, essas preocupações tornaram-se mais justificadas perante o facto dos dois sub-directores demitidos ostentarem brilhantes folhas de serviço e terem sido colocados de forma um tanto insólita em missões fora do território nacional.

 

Finalmente, confrontados com propostas concretas de audição do Director Nacional da Polícia Judiciária e da Ministra da Justiça perante a Assembleia da República com o objectivo de esclarecer toda esta situação, a maioria parlamentar recusou tais propostas, inviabilizando o apuramento dos factos pela forma institucionalmente adequada e fazendo assim perdurar um clima de suspeição em torno da Polícia Judiciária que é, a todos os títulos, indesejável.

 

No plano prático, a demissão dos dois sub-directores da Polícia Judiciária do Porto que tinham em mãos a chamada “operação apito dourado” suscita um problema muito relevante: Sendo a direcção funcional de cada processo em investigação da responsabilidade do Ministério Público, que delega actos investigatórios nos funcionários de investigação criminal, devem estes poder ser substituídos sem que os responsáveis do ministério Público pelos processos em curso sejam sequer ouvidos?

 

Segundo o artigo 2º da lei de organização da investigação criminal, a direcção da investigação cabe à autoridade judiciária competente em cada fase do processo (n.º 1), sendo essa autoridade assistida na investigação pelos órgãos de polícia criminal (n.º 2). Estes actuam no processo sob a direcção e na dependência funcional da autoridade judiciária competente, sem prejuízo da respectiva organização hierárquica (n.º 4), sendo as investigações e os actos delegados pelas autoridades judiciárias realizados pelos funcionários designados pelas entidades dos órgãos de polícia criminal para o efeito competentes, no âmbito da autonomia técnica e táctica necessária ao eficaz exercício dessas atribuições (n.º 5). Ou seja: Ao Ministério Público compete a direcção funcional da investigação, sendo a investigação efectuada por delegação sua por funcionários designados pela hierarquia da Polícia Judiciária.

 

Mas será curial que os funcionários de investigação criminal que se encontrem com um processo em mãos por delegação do Ministério Público possam ser livremente substituídos nesse processo sem que o magistrado responsável tenha qualquer palavra a dizer sobre o assunto? Não poderá isso pôr em causa a indispensável estabilidade da investigação criminal?

 

A lei portuguesa não prevê nenhuma salvaguarda a esse respeito. Mas, por exemplo, a lei espanhola fá-lo. De facto, em Espanha, a Lei Orgânica 6/1985, de 1 de Julho, sobre o Poder Judicial, prevê no seu artigo 550º que os funcionários de polícia judicial a quem tenha sido encomendada uma actuação ou investigação concreta não possam ser afastados até que se finalize a mesma ou, em todo o caso, a fase do procedimento judicial que a originou, salvo por decisão ou mediante autorização do magistrado competente.

 

Faz todo o sentido que em Portugal seja introduzida na lei de organização da investigação criminal uma norma de salvaguarda com um sentido idêntico. Dessa forma, qualquer intento, vindo de responsável hierárquico de qualquer órgão de polícia criminal, ou de um qualquer ministro, de interferir na investigação de um processo criminal em curso através da substituição dos seus intervenientes, seria evitada, com uma intervenção obrigatória do magistrado titular do processo destinada a prevenir qualquer eventual perturbação da investigação criminal.

 

Nestes termos, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projecto de Lei:

 

Artigo Único

 

É aditado ao artigo 2º da Lei n.º 21/2000, de 10 de Agosto (organização da investigação criminal), um novo número 8 com a seguinte redacção:

 

 

Artigo 2º

Direcção da investigação criminal

 

8. Os funcionários designados pelas entidades competentes dos órgãos de polícia criminal para a realização de investigações ou actos delegados pelas autoridades judiciárias competentes nos termos da presente lei, não podem ser afastados dessas funções sem que tenha terminado a fase do processo em que se inserem, salvo autorização expressa da autoridade judiciária responsável pela sua direcção funcional.

 

 

Assembleia da República, em 18 de Junho de 2004