Para registo e reflexão

Artigo de Vitor Dias

«Avante!» de 23 de Setembro de 1999


Já sabemos que, em boa parte do universo mediático, está instituido o sagrado critério de que os dirigentes e candidatos do Bloco de Esquerda podem dizer o que quiserem sobre o PCP (nomeadamente com recurso à adjectivação pesada e à frequente deturpação da orientação e acção dos comunistas), mas, em contrapartida, qualquer resposta, ainda que episódica, serena e proporcionada, por parte de dirigentes do PCP logo é comentada como um ríspido «ataque» ao Bloco e sinal de supostos «nervosismos».
Como se calcula, jamais aceitaremos semelhante critério e jamais aceitaremos a criação de uma nova categoria de intocáveis e impunes.

É por isso que, se Miguel Portas afirmou o que está impresso em duas passagens de uma sua recente entrevista à «Capital», então não podemos deixar de as sujeitar a algumas referências fortemente críticas.
A primeira é quando M.P. se aproxima de uma inaceitável apropriação e instrumentalização pelo Bloco do caudal de iniciativas e acções desenvolvidas por Timor, ao afirmar que «agora, no movimento por Timor, conseguimos, (...),dar a ideia do que é uma esquerda com iniciativa política. Como é que uma esquerda que valia 1,7 ou 1,8% em Junho é capaz de ser, com a Igreja, uma das grandes forças polarizadoras de toda a indignação e protesto que se desenvolveu com Timor.»

Esta tirada logo ficaria reduzida à chocante prosápia que efectivamente é se, por absurdo, viessemos detalhar um décimo da modesta contribuição que os comunistas, cumprindo o seu dever e sem fazerem cálculos mesquinhos sobre câmaras, microfones e holofotes, prestaram ao inesquecível movimento geral de solidariedade que é pertença e mérito do povo português e ponto final.
Mas como não temos nem esses hábitos nem as concepções pouco inovadoras que eles revelam, fique apenas a observação de que estas afirmações de Miguel Portas não se limitam a ofender o mais elementar sentido das proporções. Revelam também muito pouco respeito pelo esforço de tantas outras forças e organizações e sobretudo de tantos milhões de portugueses que ergueram o movimento de solidariedade com Timor, sem para isso precisarem de serem «polarizados» pelo Bloco de Esquerda.

Mas a outra passagem igualmente grave é aquela em que Miguel Portas, questionado pelo jornalista sobre acções em que esteve envolvido como a greve de fome de 24-horas-24, afirma esclarecedoramente que «sendo candidato, eu tinha a obrigação de forçar o mais possível a projecção mediática destas acções», e logo acrescenta, para amesquinhar outros, que «os políticos do PS, PCP e PSD é que só começaram a aparecer no fim».
Como disse? «No fim» de quê ? Lê-se e até custa a acreditar. Não saberá M.P. que, dezasseis horas depois de divulgado o resultado do referendo e do recomeço da violência assassina sobre o povo de Timor, se realizou o comício da Festa do «Avante» que se tornou assim, na nova situação, a primeira grande jornada de massas de solidariedade com o povo de Timor? E não saberá M. Portas que dirigentes do PCP estiveram depois disso em todas as acções civis onde humanamente puderam estar?
É claro que sabe tudo isto e muito mais. O que acontece é que no seu Bloco se convive mal com a verdade sobre o PCP.