Maioria absoluta:
segurança zero

Artigo de Aurélio Santos

«Avante!» de 16 de Setembro de 1999


Atingir a maioria absoluta tornou-se o grande alvo do PS para as próximas eleições.
Poderia perguntar-se: mas não é legítimo em regime democrático pretender uma maioria absoluta? A questão não está aí, mas sim no conteúdo da política que o partido que dela disponha se proponha seguir.
A democracia reflecte-se sempre no modo do seu exercício. E é mau quando pretende reduzir-se a apelo de arautos prometendo o céu em troca de um solitário poder. Se a memória não quiser fraquejar, encontrará nesta ambição do PS uma espécie de totem herdado do poder anterior, com o mesmo certificado de origem. A experiência da maioria absoluta do PSD já levou o povo português a reconsiderar. Conceder hoje ao PS uma maioria absoluta significaria, para o eleitorado, a assinatura de um contrato leonino em que ao governo caberia sempre a parte do leão.

O governo de António Guterres comportou-se como um feijão frade: com duas caras.
Reclamou «uma nova maioria» - mas copiou a papel químico a maior PSD. Prometeu o diálogo – mas praticou quase sempre o monólogo. Apresentou-se como governo socialista – mas prosseguiu empenhadamente a política cavaquista. Anunciou-se como alternativa – mas em questões essenciais conluiou-se com os partidos da direita.
Se a política de direita do governo Guterres não foi mais longe foi por não dispor na AR de uma maioria absoluta que lhe garantisse aquilo que Rafael Bordalo Pinheiro, na colorida linguagem do jornalismo parlamentar do século passado, caricaturava como «votações de cabresto».
Justifica o PS o seu apelo a uma «maioria reforçada» (absoluta) com o argumento de poder levar finalmente à prática as medidas do seu programa, sem empecilhos na AR.
Mas que programa, que medidas? Os pacotes laborais? As revisões das leis eleitorais? A liquidação final do Sector Público? A apropriação total do aparelho de Estado pelos «boys»? As liberalidades, facilidades e benesses sem conta ao grande capital? A reverente submissão às ordens de Bruxelas e às imposições da NATO?
Embora não acompanhando de perto La Boetie no seu «Discurso sobre a servidão voluntária», no Século XVI, diremos como ele que «... todo nós nascemos não só senhores da nossa alforria, mas também com ânimo para a defendermos». Não entreguemos essa alforria, tão longamente lutada e conquistada, em mãos que já provaram não ser boas para merecer a nossa confiança.

Uma maioria absoluta para o PS significaria fazer saltar o ferrolho de segurança que, na última AR, não só barrou caminho a alguns dos propósitos mais negativos do governo Guterres como permitiu, com as iniciativas, os votos e a luta do PCP, a aprovação de algumas importantes medidas em benefício dos trabalhadores e do povo português.
Assumindo-se como oposição de esquerda numa AR que o PS quer agora controlar em absoluto, o PCP deu voz e força à luta dos trabalhadores e dos cidadãos, combateu a política de direita, manteve de pé a luta por uma alternativa a essa política, manteve uma permanente vigilância às infracções do PS aos códigos da democracia.
Uma maioria absoluta do PS deixaria o governo Gueterres mais à solta para atropelar os direitos e garantias dos trabalhadores e cidadãos, para acelerar a sua política neoliberal de fachada socialista, com roda livre para passar por cima de toda a vigilância e controlo, instalando nas vias da política portuguesa uma situação de segurança zero. Uma CDU mais forte será a melhor garantia para um reforço da esquerda contra as perigosas derrapagens de uma enganadora maioria absoluta PS.