Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

"Aos contos para crianças, o Primeiro-Ministro Passos Coelho prefere os filmes de terror"

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Ficámos agora a saber que o Primeiro-Ministro de Portugal não gosta de contos para crianças. Assim qualifica a renegociação da dívida, de que nem quer ouvir falar, assim desdenha a opção soberana do povo de um país berço da civilização europeia que exprimiu democraticamente a sua vontade.
Aos contos para crianças, o Primeiro-Ministro, Passos Coelho, prefere os filmes de terror, que mais se assemelham à situação vivida pelos povos submetidos às políticas de austeridade que tão fanaticamente defende e impõe e que contra o mais elementar bom senso têm condenado o nosso País ao desemprego, ao empobrecimento e ao retrocesso social.
Quer o Primeiro-Ministro queira, quer não queira o fracasso das políticas de austeridade é hoje um dado adquirido e a renegociação das dívidas soberanas é uma exigência que está incontornavelmente na ordem do dia, não apenas na Grécia, por exigência do seu novo Governo, mas também em Portugal, por exigência popular e nacional.
Revoltado com a tragédia social que lhe foi imposta pela troica e pelos governos ao seu serviço, o povo grego traduziu a sua revolta social em exigência política e no domingo passado expressou no voto uma exigência profunda de mudança. Não teve medo, não cedeu à chantagem e arrasou os defensores e executores das famigeradas políticas de austeridade que tantos sacrifícios e humilhações lhe impuseram nos últimos anos.
Como foi oportunamente sublinhado pelo PCP, os resultados das eleições gregas representam uma derrota dos partidos que, ao serviço do grande capital, têm governado a Grécia e que, com a União Europeia, são responsáveis pela política de desastre económico e social que tem sido imposta ao povo grego, traduzindo-se numa expressiva vitória do Syriza e na redução da percentagem conjunta agora obtida pela Nova Democracia e pelo Partido Socialista grego.
O Partido Comunista da Grécia registou um progresso eleitoral que contribuirá para o prosseguimento da luta em defesa dos interesses dos trabalhadores e do povo grego.
As eleições gregas representam uma derrota para aqueles que no quadro da União Europeia procuraram, através de inaceitáveis pressões, chantagens e ingerências, condicionar a expressão eleitoral do profundo descontentamento e vontade de mudança política do povo grego.
Os resultados eleitorais expressam a rejeição da política imposta por sucessivos programas de ajustamento acordados com a troica, de intensificação da exploração dos trabalhadores, de destruição de direitos laborais e sociais, de negação das mais básicas e essenciais condições de vida, de declínio económico e de abdicação de soberania, sob os ditames da União Europeia e do euro.
O resultado das eleições gregas não se traduz numa vitória de radicais, traduz-se, isso sim, na derrota dos radicais que impuseram ao seu povo uma catástrofe social sem precedentes em tempo de paz.
Não embarcamos em ondas de triunfalismo e sabemos bem que o destino da situação política na Grécia depende da correspondência às expectativas de mudança que os gregos expressaram nas urnas.
E também não caímos na tentação fácil de pretender extrapolar os resultados das eleições na Grécia para a realidade de Portugal ou de qualquer outro país. Cada país e cada povo tem uma História e vive uma realidade que não se confunde com as demais. Mas há, das eleições gregas, um conjunto de ilações que aproveitam a todos e que não podem deixar de ser retiradas. Desde logo, a exigência de renegociação das dívidas soberanas, ganha agora um peso político qualitativamente novo, que não pode ser ignorado.
A crise das dívidas soberanas não resulta da atitude de povos relapsos ao cumprimento das suas obrigações nem de práticas despesistas de povos que tenham vivido acima das suas possibilidades. A crise que afeta países como a Grécia e Portugal resulta da dominação a que estes países se encontram submetidos por via da integração numa União Económica e Monetária cujas regras, ditadas pelos poderes dominantes da União Europeia, condenam os países economicamente mais frágeis à estagnação, ao subdesenvolvimento e à pobreza e a uma submissão quase colonial aos países economicamente mais poderosos da zona euro.
A crise das dívidas soberanas não resulta de luxos ou de gastos supérfluos em benefício dos povos dos países endividados. Resulta da opção política dos Governos de converter dívida privada contraída por banqueiros e especuladores em dívida pública a suportar por quem vive do seu trabalho. Resulta da opção política dos Governos de celebrar contratos ruinosos à custa do Estado e dos contribuintes para beneficiar grupos económicos, em parcerias público-privadas, em contratação de swaps, na venda ao desbarato de bens públicos ou na privatização de funções sociais do Estado.
Renegociar a dívida é uma exigência incontornável; persistir na sua negação é insistir na política que tem conduzido Portugal à situação dramática em que se encontra.
Ao reagir aos resultados das eleições na Grécia, o Primeiro-Ministro, Passos Coelho, demonstrou o seu desprezo pela vontade popular. Passos Coelho reagiu às eleições na Grécia da mesma forma sobranceira como reage em Portugal a qualquer crítica que ponha em causa a sua obstinação em conduzir o País para o abismo. O que inquieta o Primeiro-Ministro é que as eleições gregas são a antevisão da sua própria derrota.
O discurso do fim da crise com que o PSD e o CDS se procuram enfeitar a pensar nas próximas eleições e a ideia de que Portugal, por ter seguido à risca as medidas desastrosas que acordou com a troica, ganhou a confiança dos mercados não resistem ao confronto com a realidade. A realidade é que o País está mais injusto e os portugueses que têm sido duramente fustigados pela política do Governo têm consciência disso.
Os gregos derrotaram a austeridade nas urnas e os portugueses terão a oportunidade de o fazer em breve. Só não o fizeram ainda porque há uma maioria e um Governo que se agarram desesperadamente ao poder e um Presidente que se recusa obstinadamente a devolver quanto antes a palavra aos portugueses.
Poderão adiar a derrota por mais uns meses, mas não poderão impedir os portugueses de continuar a luta contra as políticas de direita e de construir uma alternativa política baseada na defesa dos reais interesses do povo e do País.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Miguel Santos,
O Sr. Deputado estava visivelmente desorientado, por isso é que perdeu o fio à meada.
E, de facto, devo dizer que, do seu ponto de vista, não é para menos, porque, efetivamente, as políticas de austeridade que foram postas em prática na Grécia, em nome dos mesmos princípios e segundo receitas muito semelhantes àquelas que o PSD tem imposto em Portugal,
foram claramente derrotadas pelo povo grego. Portanto, Sr. Deputado, a sua desorientação foi visível.
O Sr. Deputado fez um voto que compartilho, que foi o de esperar que as coisas corram bem. Eu também espero, porque até aqui têm corrido muito mal, ou seja, com as receitas que os senhores defendem, têm corrido pessimamente e conduziram a Grécia à catástrofe social que o Sr. Deputado aqui referiu. Portanto, esperemos que as coisas, a partir de agora, na Grécia, possam correr bem.
Relativamente a tudo o mais que o Sr. Deputado disse, de facto, não tem ponta por onde se lhe pegue e não há qualquer resposta que eu lhe possa dar.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Nuno Magalhães,
Agradeço as felicitações que me dirigiu e passemos, então, às hostilidades políticas.
O Sr. Deputado começou por dizer que respeitava a escolha do povo grego. Registo isso, mas registo também que, ao longo de todo o processo eleitoral, se somaram as chantagens e as ingerências em relação ao povo grego, vindas da parte de muitos dirigentes europeus. Todos nos recordamos da visita do Sr. Mariano Rajoy a Atenas, para participar no congresso da Nova Democracia; todos nos lembramos de várias declarações feitas a partir da Alemanha, com todo o tipo de chantagens e ameaças relativamente ao povo grego, se não sufragasse nas urnas a política de austeridade que lhe tem sido imposta.
Portanto, é positivo que o Sr. Deputado, agora, diga que respeita, porque não foi esse o tom dos principais dirigentes de países da União Europeia em todo o processo eleitoral, onde procuraram cometer todas as ingerências.
Bem, o Sr. Deputado fez-me uma pergunta relacionada com a ausência de mulheres ministras na Grécia, mas, como compreende, Sr. Deputado, não respondo pelo Governo do Syriza, o Sr. Alexis Tsipras não é da nossa bancada. Mas, Sr. Deputado, sempre lhe digo que espero que os homens que fazem parte do Governo grego sejam melhores para a Europa do que a Sr.ª Merkel na Alemanha.
Espero que sejam! É que pode haver homens e mulheres bons governantes, mas há homens e mulheres que são maus governantes.
Sr. Deputado, vamos à situação nacional.
O Sr. Deputado procurou demarcar claramente a situação portuguesa da situação grega. Nós não fazemos paralelismos excessivos entre nenhum país, como disse, há pouco, na minha declaração política, mas olhamos para a realidade portuguesa e o discurso pré-eleitoral que a maioria está a fazer relativamente à situação portuguesa é desmentido todos os dias pela realidade. Sr. Deputado, são desmentidos pela realidade nas urgências hospitalares, a falta de assistência na saúde, as centenas de milhares de desempregados que não têm qualquer apoio, o desemprego disfarçado com contratos emprego-inserção.
A realidade nacional não resiste a esse discurso triunfalista pré-eleitoral, que esconde os reais problemas com que os portugueses estão confrontados. Mas aquilo que os aflige, Srs. Deputados, é que os portugueses têm consciência disso e estamos plenamente convictos de que o povo português também saberá dar uma resposta, na altura devida, àqueles que têm levado a cabo uma política de austeridade em tudo semelhante às receitas que têm sido impostas na Grécia, com os resultados que são conhecidos e que também mereceram o enorme repúdio do povo grego.
O povo português também terá oportunidade de se pronunciar na devida altura sobre a forma como o País tem sido governado.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Vitalino Canas,
Agradeço-lhe também cordialmente as felicitações que me dirigiu.
Sr. Deputado, quando um Deputado do Partido Socialista se refere ao PCP e considera que temos uma posição ambígua, isso até me dá vontade de rir, vindo de onde vem.
O Sr. Deputado referiu, e saúdo-o por isso, porque é factual, que o partido homólogo do Partido Socialista, se me é permitida a expressão, o Partido Socialista Pan-Helénico, o Pasok, fazia parte da coligação governamental que foi derrotada e, na Grécia, estava do lado da austeridade. Daí que até tenha notado alguma diferença entre o discurso que o Sr. Deputado aqui fez e o discurso que o líder do Partido Socialista fez a propósito das eleições gregas, em que pareceu até saudar muito positivamente a perspetiva de mudança aberta ou, pelo menos, prometida, por parte do Syriza.
Verifiquei que, de facto, no discurso do Dr. António Costa, até parecia que o PS não conhecia o Pasok de lado algum, mas, enfim, já verificámos e assumiu-se aqui que, de facto, o Partido Socialista grego foi um dos partidos que, tendo governado a Grécia nos últimos anos, o conduziu à situação a que chegou e que teve os resultados eleitorais que são conhecidos. Agora, quando o Sr. Deputado refere que espera que a Grécia seja conduzida no caminho certo, fico sem saber qual é o caminho certo para o Partido Socialista. É o caminho seguido até aqui pelo Pasok ou é o caminho prometido pelo Syrisa?! Ficamos sem perceber e é por isso que também não percebo que o Sr. Deputado se possa referir ao PCP como um partido que tenha posições ambíguas sobre essa matéria.
Importava também saber, do ponto de vista do Partido Socialista, qual é a atitude que a Europa deve ter, perante a exigência feita pelo Syriza de negociação da dívida. Sobre isto, o Partido Socialista também não se pronuncia, aliás, tem uma posição muito ambígua sobre essa questão em Portugal e, relativamente à questão grega, também não se pronunciou.
Sr. Deputado, relativamente à questão do euro, devo dizer que não fujo a ela. Consideramos que é extremamente difícil que possa haver, em qualquer país da União Europeia, mas particularmente em países do sul da Europa — como Portugal e Grécia —, uma política de crescimento económico, que vire decisivamente a página sobre as políticas de austeridade, se se mantiverem intocados os critérios que têm presidido à arquitetura do euro, designadamente o tratado orçamental.
É uma questão extremamente complexa. Se me perguntar como é que é possível conciliar aquilo que o Syriza prometeu aos gregos e o respeito por todas as regras do tratado orçamental, reconhecemos, Sr. Deputado, que é algo extremamente complexo e, por isso, acompanhamos com todo o interesse a evolução da situação política e económica na Grécia nos próximos tempos e também a atitude que as instituições da União Europeia venham a ter relativamente àquelas que são as justas aspirações do povo grego e pelas quais o Syriza, de facto, prometeu nas urnas, lutar por elas na União Europeia.
Seguimos com todo o interesse e esperamos que, de facto, da parte do Partido Socialista haja uma reflexão muito séria sobre o desastre económico e social a que as políticas do Partido Socialista grego conduziram aquele país.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado José Luís Ferreira,
Agradeço a sua pergunta e passo a responder.
Em primeiro lugar, gostaria de salientar que a ilação que é possível retirar das eleições gregas é que não há inevitabilidades.
De facto, num sistema partidário com uma alternância no poder e uma manutenção no poder do Partido Socialista Pan-Helénico e do partido da Nova Democracia, que parecia eterna, os gregos manifestaram a sua vontade de os afastar do poder. Essa é uma ilação que deve ser tirada: está na vontade dos povos decidirem sobre o seu destino — e isso é válido para a Grécia e é válido para qualquer outro país.
O Sr. Deputado referiu-se à questão da dívida e da necessidade da sua renegociação. Parece-nos que em Portugal essa questão é incontornável. Não é possível, manifestamente, que o País tenha condições para poder crescer economicamente, para que possa haver um nível razoável de satisfação das necessidades sociais, tendo de suportar juros da dívida de valor superior a 7000 milhões de euros por ano. Não é, de todo, possível!
Quando se reivindica a renegociação da dívida, não se trata de não querer pagar a dívida ou de não querer assumir compromissos. Interessa que todos aqueles que foram responsáveis pela situação a que se chegou na zona euro e a que chegaram países como Portugal, e que foram da responsabilidade de políticas impostas ao nosso País — e aceites pelos partidos que têm governado em Portugal —, assumam a sua quota-parte de responsabilidade. Chegou-se a uma situação, que, aliás, é discutida não apenas na Europa, mas também em outros países onde questões do endividamento soberano também se colocam, em que é necessário encontrar uma assunção de responsabilidades por quem também induziu ao endividamento destes países, para que assumam a sua quota parte de responsabilidade.
A renegociação da dívida é uma manifestação de intenção de quem quer pagar e de quem reivindica, justa e razoavelmente, a criação de condições para poder pagar e não ter de sujeitar os respetivos povos a situações humilhantes e indignas de subdesenvolvimento e de carência dos mais elementares bens necessários a uma vida digna.
A questão com que devemos confrontar as instituições e todos os países europeus é a de saber que Europa querem. Querem uma Europa dividida entre a Europa rica, que vive à custa da exploração dos países periféricos, e uma Europa pobre ou querem uma Europa de coesão económica e social e de cooperação entre os vários povos?
Aqui a renegociação da dívida é uma questão essencial que precisa de uma resposta a nível europeu, a nível das instituições internacionais, mas para isso tem de haver uma exigência muito firme, séria e responsável por parte dos países que são vítimas de situações de sobre-endividamento, como é o caso de Portugal.
Portanto, entendemos que a questão em Portugal não pode deixar de ser colocada e pensamos também que a posição do novo Governo grego é um passo muito positivo para que esta ideia da renegociação da dívida dos países da União Europeia também possa ser colocada na ordem do dia das instituições europeias.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.ª Deputada Cecília Honório,
Agradeço as saudações e queria dizer-lhe que, de facto, a leitura que fazemos dos resultados das eleições gregas é a de que o povo grego conseguiu traduzir a revolta social que sentiu numa exigência política de mudança, numa exigência política de sentido progressista.
Será com muita expectativa e com muito interesse que todos nós acompanharemos a evolução da situação na Grécia e as repercussões que a posição do novo Governo grego possa ter na União Europeia e junto das instituições europeias.
De facto, a luta contra estas políticas de austeridade que têm sido impostas na União Europeia ganha força com os resultados das eleições na Grécia.
A Sr.ª Deputada referiu-se à posição do Primeiro-Ministro português e disse, e bem, que foi mais radical, do ponto de vista da defesa da austeridade, do que a da própria Sr.ª Merkel. Isso é um facto indiscutível.
O Sr. Primeiro-Ministro assumiu até uma atitude arrogante relativamente à vontade soberana democraticamente manifestada pelo povo grego, o que nos parece, de facto, inaceitável. O Sr. Primeiro-Ministro costuma dizer que Portugal, ao ter seguido à risca as indicações e as imposições da troica, ganhou a confiança dos mercados. Gostaríamos de saber se os governantes estão mais preocupados em ter a confiança dos mercados ou a confiança dos seus povos, porque aquilo que está a acontecer em Portugal, e que aconteceu na Grécia até muito recentemente, é que para terem a confiança dos mercados os governos não hesitaram em sacrificar os seus povos e a condená-los à pobreza, como se os mercados não fossem uma criação humana, como se fossem os mercados que criaram o homem e não o homem que criou os mercados.
A economia existe para as pessoas, para que as pessoas possam ter condições de vida. Não existe para satisfazer os mercados como se fossem divindades, escondendo que por trás desses ditos mercados estão os interesses dos mais poderosos, daqueles que querem enriquecer à custa da exploração dos povos e dos trabalhadores.
Portanto, ter a confiança dos mercados ou ter a confiança dos povos é uma questão que se coloca na ordem do dia relativamente à situação com que Portugal e os países europeus estão confrontados.
Pela nossa parte, não temos qualquer dúvida de que o que é importante é governar e tomar as medidas adequadas para que os povos possam viver decentemente, para que as pessoas sejam respeitadas na sua dignidade e que os direitos dos cidadãos, dos trabalhadores não sejam sacrificados no altar do endeusamento do mercado, que apenas serve para esconder os interesses inconfessáveis dos mais poderosos.

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