Intervenção de

Alteração da Lei nº 109-B/2001 que aprova o OE para 2002 - Intervenção de Lino de Carvalho

Alteração da Lei nº 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que aprova o Orçamento de Estado para 2002 (Orçamento rectificativo)

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Senhores membros do Governo,

O Governo tem justificado este rectificativo com a situação que herdou do Partido Socialista em matéria de contas públicas.

É verdade, e de forma mais patente no último Orçamento de Estado, que as contas apresentadas não expressavam a real situação existente, com sobreavaliação das receitas, subavaliação e desorçamentação das despesas. Nós próprios já o tinhamos afirmado e quantificado.

Mas é também um facto que, apesar de tudo, a situação está longe do dramatismo que o Governo lhe tem emprestado.

Neste contexto estas alterações orçamentais merecem a nossa total oposição pelo seguinte conjunto de razões:

Primeiro - Falta de transparência. As contas são empoladas para o Governo poder sustentar a dramatização que tem em curso, justificar as medidas de austeridade e poder, amanhã, quando os resultados obtidos forem melhores que o cenário que nos é apresentado apresentar-se ao País e em Bruxelas como o salvador da Pátria e da sua honra. O Orçamento de Estado para 2002 estava dotado com 249,4 milhões de euros na dotação provisional para despesas correntes afecto às despesas com pessoal, apesar de tudo, inferior às necessidades, como referimos então. Mas este rectificativo ignora isso para poder empolar os reforços nesta rubrica. Mas também as perspectivas que apresenta para a arrecadação das receitas fiscais para 2002 inverte, sem demonstração particularmente no IRC, as projecções implícitas da execução orçamental de Março.

Segundo - O Governo não corta nas despesas correntes injustificadas, pelo contrário, aumenta-as, designadamente para aquisição de bens e serviços, num valor global de 1181 milhões de euros (mais 5,7% em relação ao OE 2002 - despesas correntes sem pessoal). Mas corta nas despesas de investimento, mais até do que diz cortar. Para além da cativação de 220,82 milhões de euros se o Governo optar também por não utilizar a dotação provisional para despesas de capital então o corte no investimento atingirá 470,17 milhões de euros (10,7% do total das despesas de capital) e assim o Governo poderá, no final do ano, vangloriar-se, à custa de contabilidade criativa, de ter conseguido reduzir o deficit em cerca de 0,5 ponto percentual. Só que, além do mais, o Governo nada nos diz sobre quais os projectos que vão sofrer cortes e ao contrário do que tem vindo a ser afirmado nada na proposta nos assegura que sejam só nos investimentos não co-financiados. Pelo contrário, a redacção da cláusula de estabilidade orçamental (art.º 4.º) aponta no sentido de cortes em todos os programas, sem excepção, o que, obviamente, faz correr o sério risco (mais a mais com as novas regras de gestão do III QCA) de virmos a perder vultuosos apoios comunitários.

Terceiro - Esta proposta opta igualmente pelo aumento dos impostos, pela aceleração do processo de fragilização do SNS e pelo anúncio de medidas, como o corte das bonificações à aquisição de casa própria que, afectando casais jovens e famílias de baixos rendimentos, são profundamente injustas e não têm, como a senhora Ministra reconheceu, nenhum efeito prático este ano em termos orçamentais. Mas têm consequências graves para os muitos milhares de portugueses que têm projectos para comprar casa própria alguns dos quais com adiantamentos já realizados ou com contratos de empréstimo já negociados mas cuja escritura só se vai realizar depois de Setembro. O imposto entretanto escolhido é o que está mais à mão, o IVA, o tal imposto cego e injusto, de tão cego que quem disse isto na campanha eleitoral, o presidente do PP, aprovou agora, pelos vistos cegamente, o seu aumento. Esta opção não só é errada no plano social como o é no plano económico. Afecta relativamente mais as famílias mais carenciadas, contrai o consumo e com isso afecta o crescimento da economia e faz perder ao País competitividade, designadamente em relação à Espanha. É aliás muito curioso que quem se preocupava tanto com a perda de competitividade por causa da tributação das mais valias nada diga agora em relação ao IVA.

Em contraste, o Governo nada faz para aumentar a receita fiscal pela via do combate à fraude e á evasão fiscal. E mesmo com impacto nas receitas deste ano, há medidas, como as que o PCP vai propor na especialidade, que o Governo, se tivesse vontade política, podia tomar.

Quarto - O PCP sempre se afirmou profundamente crítico da multiplicação de injustificadas estruturas paralelas para a Administração Pública. Mas a lista de institutos e outros organismos públicos em extinção, reestruturação e fusão propostos constitui, como classificou a própria ministra das Finanças, uma lista sem nexo nem critério, feita para amarrar os senhores Ministros, errada, sem ideias quanto ao futuro das funções que cada um dos organismos hoje exerce, sem grandes efeitos orçamentais e com evidentes inconstitucionalidades uma vez que a proposta não define minimamente o sentido e a extensão da autorização legislativa que nos é pedida.

Quinto - A pretexto disso o Governo introduz na proposta medidas de alteração da legislação laboral para os trabalhadores da administração pública - aplicável a todos e não só aos organismos que vão ser extintos ou reestruturados - que na prática se traduz no despedimento dos que estão submetidos a contrato individual de trabalho e na inactividade com redução ou até supressão do vencimento em relação aos restantes - num total de mais de uma dezena de milhar só nesta primeira lista - constituindo uma segunda inconstitucionalidade por violação dos princípios da segurança no emprego, da precisão das leis e da reserva de lei da Assembleia da República, tal como se pronuncia o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 285/92 de 22 de Julho de 1992.

E simultaneamente nada diz sobre a necessidade dos trabalhadores da administração pública deverem ser compensados pelas diferenças de previsão da taxa de inflação de 2,75% para 3,45%. Mais um ano para os trabalhadores perderem poder de compra é a única opção que é oferecida.

Sexto - São impostos tectos arbitrários para o endividamento municipal, com efectiva revogação da Lei de Finanças Locais (o que constitui outra inconstitucionalidade) e, além do mais, já depois de aprovados os planos de actividades e orçamentos municipais para este ano. Acresce que o Governo ao obrigar que o saldo de gerência de 2002 não possa ser inferior ao de 2001 será responsável pela paralisação de uma parte significativa de investimentos municipais em curso com a perda, em muitos casos, das comparticipações comunitárias. É inaceitável.

Vamos, pois, obviamente votar contra um Orçamento rectificativo que não resolve nenhum dos problemas que o Governo diz que enfrenta mas que é sobretudo um instrumento da guerrilha política entre o Governo e o PS a que o País não pode estar sujeito. É uma proposta que, como já foi reconhecido pela própria Ministra das Finanças, quer apresentar boas contas a Bruxelas mas que nem sequer é suficiente para responder às exigências de um irracional e inaplicável Pacto de Estabilidade, cuja filosofia e respectivas metas deviam desde já ser postas em causa como, aliás, fez a França sob pena do tratamento matar o doente. É ainda uma proposta que corre o risco de provocar efeitos de contracção na economia e, sobretudo, é profundamente injusta do ponto de vista social com penalização dos trabalhadores e das classes de menores rendimentos. Tudo ao contrário do que o País necessita.

Há outras opções orçamentais para o País, mais justas e mais impulsionadoras da economia que o Governo recusa porque, evidentemente, prefere o caminho mais fácil que não toque em quem goza há muito de privilégios fiscais. Mas este caminho vai enfrentar o protesto e a luta dos trabalhadores e dos movimentos sociais e aqui, no parlamento, a forte oposição do PCP.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

A resposta da Sr. ª Ministra, que agora me chegou à mão, não colide, em nada, com aquilo que tínhamos para dizer.

Como sempre sucedeu, sempre sublinhámos a irracionalidade da criação de muitas estruturas paralelas na Administração Pública.

Só que esta lista que nos é apresentada - e já o disse há pouco, em intervenção na generalidade - é uma lista sem critério, como, aliás, a Sr.ª Ministra teve oportunidade de afirmar, no contexto em que fez essa intervenção - mas fê-la! -, na Comissão de Economia e Finanças.

Mas não se trata apenas de uma lista sem critério, trata-se de uma lista que não nos dá qualquer ideia - e esta informação que surgiu agora continua a não a dar - sobre o conteúdo do que se pretende em relação a cada uma das fusões, reestruturações ou extinções que nos são aqui propostas. E muitas questões se podem colocar a este respeito. Aliás, já se colocaram, e de tal modo que o PSD, hoje, já teve de apresentar propostas de alteração à proposta inicial que o Governo nos havia apresentado.

Faço, pois, algumas perguntas que ainda não obtiveram resposta.

Propõe-se a reestruturação da Comissão Interprofissional da Região Demarcada do Douro, inicialmente proposta como extinta. Em que sentido é que será feita esta reestruturação? Os poderes vão para que estruturas?

Propõe-se uma fusão entre o INH e o IGAPHE. Como é que se vai fazer esta fusão, sabendo-se, como se sabe, que uma destas instituições, por exemplo, não é uma entidade pública - o Estado participa com 40% do capital? Como é que se funde um instituto, que é público, com uma estrutura que não é de capitais maioritariamente públicos?

O que é que se pretende com a fusão entre o INIA e o IPIMAR?

O que é que se vai fazer em relação ao IPA e ao IPPAR? Quais são os critérios que levam, de novo, à fusão de dois organismos, um dos quais havia sido criado ainda há poucos anos?

O que é que se pretende com a reestruturação do ICEP ou do IAPMEI?

Portanto, há aqui questões de fundo em relação ao sentido da reorganização destas estruturas sobre as quais não é dada, minimamente, qualquer informação à Assembleia. E, para além daquilo que pode ser configurado como uma inconstitucionalidade, há, obviamente, aqui, uma questão política, ou seja, a Assembleia não pode ser levada a votar uma lista, que tanto é esta como podia ser outra, que cada Sr. Ministro entregou para efeitos simbólicos mas que não tem qualquer conteúdo, não tem qualquer orientação, quando não sabemos em que sentido é que estas reestruturações, extinções ou fusões irão ser feitas.

Assim, o apelo que faço ao Governo é que, aqui e agora, na Assembleia, nos dê alguma informação sobre o sentido do que se propõe fazer em matéria tão importante.

Sr. Presidente,
Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças,

Ouvi algo na sua intervenção que, com toda a sinceridade, me surpreende, vindo de V. Ex.ª. Nós não estamos preocupados em saber se os organismos em causa foram criados pelo PS ou pelo PSD. Essa é uma guerra entre os senhores, nada temos a ver com isso!

Se não se importa, Sr. Deputado António Costa, que está muito nervoso, permite-me que eu intervenha nos termos em que quero.

Há organismos criados pelo governo do Partido Socialista e há organismos criados pelos governos do PSD, mas esta guerra não é nossa!

Srs. Deputados, não fiquem irritados!

O Governo que, segundo a Sr.ª Ministra, definiu critérios, não pode vir à Assembleia da República pedir um voto para fundir, reestruturar, extinguir cerca de 80 organismos, que envolvem mais de 15 000 trabalhadores, sem nos dizer o mínimo dos fundamentos que tem para essa extinção, sem nos dizer qual é a perspectiva que tem para cada uma dessas funções e para cada caso concreto, Sr.ª Ministra. Aliás, aqui entre nós, pergunto-lhe: se este debate não fosse travado hoje mas tivesse sido feito em Outubro e se a Sr.ª Ministra, em vez de estar aí, na bancada do Governo, estivesse na qualidade de Deputada, como é que a Deputada Manuela Ferreira Leite reagiria a uma proposta desta natureza?

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados

Este artigo 5.º, que propõe o fim do crédito bonificado à habitação, é, sem dúvida, um dos artigos mais desnecessários e injustos deste Orçamento. Desnecessário, porque, como a Sr.ª Ministra disse na Comissão de Economia e Finanças, as suas repercussões orçamentais, este ano, são pouco mais que nulas; injusto, porque é o fim do crédito bonificado à habitação, vai penalizar muitos e muitos milhares de portugueses, nomeadamente casais jovens e famílias mais carenciadas, que tinham e têm perspectivas de ascender a casa própria.

Disse a Sr.ª Ministra que não há problema, porque, com a redução das taxas de juro, esse valor não tem significado. Tem, Sr.ª Ministra! Há muitos contratos beneficiados pelo crédito bonificado à habitação que, sem ele, passarão a pagar por mês mais 20, 30 ou 40 contos. E isto para um casal jovem, que acaba de casar ou vai casar, tem seguramente significado, Sr.ª Ministra! Igualmente, isto para famílias mais carenciadas tem, seguramente, significado!

É neste sentido, Sr.ª Ministra e Srs. Deputados, que propomos a eliminação, pura e simples, deste artigo.

Se o problema é de fiscalização, Sr.ª Ministra, não precisa de vir nada no Orçamento, basta que o Governo fiscalize com os mecanismos que tem à sua disposição.

Sr. Presidente, já estamos a ver que para cada artigo há apenas uma justificação: despesa pública, despesa pública e despesa pública!

É uma cassete completamente gasta, Srs. Deputados!

Só que já vimos em artigos anteriores, como é o caso do crédito bonificado para a habitação, que isto não tem qualquer repercussão na recuperação das receitas orçamentais deste ano. Portanto, esse argumento não joga.

Sr. Presidente, estamos perante um artigo que, obviamente, tem de merecer o nosso total desacordo. O Governo vai, por esta via, aumentar o IVA em dois pontos percentuais para bens como o vestuário, o calçado, medicamentos não comparticipados e outros bens de primeira necessidade.

Com isto, vai atingir as famílias portuguesas, em especial as famílias de menores rendimentos, sabendo, como se sabe, que o IVA e outros impostos indirectos são impostos cegos, isto é, são impostos que, ao contrário dos impostos directos, não têm em conta os níveis de rendimento daqueles que os têm de pagar.

Em contrapartida, e infelizmente, o Governo esquece-se de incluir neste Orçamento medidas práticas, concretas, que permitiriam, por essa via, recuperar a receita de que o Estado e o Governo tanto necessitam, que são as medidas de combate à fraude e evasão fiscais. Medidas que obrigassem a banca - este ano já! - a pagar de IRC uma taxa de tributação efectiva superior àquela que está a pagar.

Medidas que obrigassem vários contribuintes, por exemplo em sede de segurança social, a pagar ao Estado os cerca de 500 milhões de contos de dívidas que hoje existem.

Esse é que era o sentido de um Orçamento justo. Um Orçamento que pudesse recuperar receitas para o Estado, e não um Orçamento que propõe a penalização das famílias portuguesas, como acontece neste artigo!

Sr. Presidente,

Quero, muito rapidamente, dizer que, em relação ao artigo 2.º, que trata da extinção de organismos, o Governo disse-nos aqui que não explicava, pelo menos à Assembleia, os critérios e os fundamentos para a lista que nos apresenta. No entanto, neste artigo, em relação aos 15 000 trabalhadores que sofrem as consequências do artigo 2.º e a todos os outros que, no futuro, venham a sofrer os efeitos de reestruturações ou extinções de organismos, o que o Governo nos diz é que está a pensar despedir aqueles que estão ao abrigo de um contrato individual de trabalho e mandar para casa, sem vencimento ou com vencimento limitado, todos os restantes. Ora, isto é, obviamente, inaceitável, Sr. Presidente!

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