Projecto de Lei N.º 864/XII/4.ª

Alarga as condições de acesso e atribuição do abono pré-natal e do abono de família assegurando a universalidade desta prestação social a todas as crianças e jovens

Alarga as condições de acesso e atribuição do abono pré-natal e do abono de família assegurando a universalidade desta prestação social a todas as crianças e jovens

O Sistema Público de Segurança Social deve assumir o seu papel no assegurar da proteção social da maternidade e paternidade e na defesa dos direitos das crianças e jovens.

Um papel particularmente relevante num contexto marcado pelo agravamento das condições de vida e de pobreza que afeta crianças e jovens do nosso País que constitui uma afronta à democracia e aos valores de Abril.

O estudo publicado recentemente «As crianças e a crise em Portugal » refere que desde 2008 as crianças e os adolescentes são o grupo etário em maior risco de pobreza em Portugal. Os dados apresentados confirmam as análises do PCP no que concerne ao0s impactos da política de direita particularmente agravadas com as medidas de austeridade levadas a cabo pelos governos nos últimos anos contra os trabalhadores e o povo.

É o próprio Estudo “As crianças e a crise em Portugal” que refere que “ Entre 2010 e 2013 houve uma redução do apoio económico do Estado às famílias A partir de 2010, o acesso a prestações sociais que depende do rendimento das famílias – abono de família, acção social escolar, subsídios sociais de parentalidade ,rendimento social de inserção e subsídio social de desemprego – ficou mais restrito, não só em termos de famílias beneficiárias mas também dos montantes atribuídos.” (…) “ Com a nova ponderação (designada por capitação de rendimento), o rendimento do agregado familiar acaba por aumentar sem que a família tenha efectivamente aumentado o seu rendimento, podendo ficar acima do limite a partir do qual já não se podem receber prestações sociais.”
Todos estes cortes em importantes prestações sociais registam-se num contexto fortemente marcado pelo desemprego, o trabalho precário, os baixos salários, e o aumento dos impostos, o que representou uma inaceitável acentuação da pobreza e da exclusão social, com especial incidência nas crianças e nos jovens, que são forçados a viver diariamente confrontados com elevadas carências e com a falta de meios de subsistência.

Os cortes em importantes prestações sociais, em que se inclui o abono de família representaram a negação do papel do Sistema Público de Segurança Social no combate às situações de risco de pobreza a que as crianças e jovens estão particularmente expostos negando-lhes por esta vida as condições básicas para um crescimento e desenvolvimento harmonioso, alicerçado na segurança das suas vidas e no seu bem-estar físico e psicológico.

Não há dúvidas quanto às consequências desastrosas para as crianças e jovens resultantes das sucessivas alterações no acesso ao abono de família, aprovadas pelos executores da política de direita.

Recorda-se que em 2003, com um governo PSD, este deixou de ser universal, passando a depender do rendimento das famílias e de acordo com cinco escalões.

O anterior Governo PS, por sua vez, fez aplicar o Decreto-Lei nº 70/2010, de 16 de junho, à concessão desta prestação, o que representou a imposição de um “filtro” para o acesso aos apoios sociais que, naturalmente, teve impactos gravíssimos na vida de muitos milhares de portugueses, afastando-os do acesso a essas prestações e apoios.

Relativamente ao abono de família, o efeito conjugado do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de junho com o Decreto-Lei n.º 116/2010, de 22 de Outubro, eliminou o aumento extraordinário de 25% do abono de família no 1.º e 2.º escalão e eliminou a atribuição do abono aos 4.º e 5.º escalões de rendimento.

À data, cerca de 650 mil crianças e jovens perderam o abono de família por via quer da cessação do pagamento aos 4º e 5º escalão, quer por via da alteração da condição de recursos, e cerca de 1 milhão e 75 mil beneficiários sofreram um corte de 25%. Mais de 13 000 crianças e jovens perderam a bonificação por deficiência do abono de família. Os efeitos destas decisões, tão injustas quanto inaceitáveis, atingiram mais de 1 milhão e 650 mil beneficiários do abono de família, isto é, mais de 80% dos beneficiários do abono de família perderam ou sofreram cortes naquela prestação social. Importa referir que uma criança cuja família sobreviva com um rendimento mensal de referência de 628,80€ (correspondente ao 4º escalão de rendimentos) perdeu, com a aplicação do Decreto-Lei n.º116/2010, de 22 de outubro, o abono de família.

Se o anterior Governo PS é responsável pela criação deste “filtro inaceitável” de acesso às prestações sociais, o atual Governo PSD/CDS é igualmente responsável pela sua manutenção e agravamento.

Desde Agosto de 2010, mais de 600.000 crianças perderam o abono de família e mais de 40.000 crianças perderam o Rendimento Social de Inserção.

Entre Novembro de 2013 e Novembro de 2014 registou-se a redução dos titulares do abono de família (menos 134.452).

Regista-se, entretanto, a exclusão de acesso ao abono de família por parte de milhares de crianças e jovens que dele necessitariam.

Fica assim demonstrado que ao invés do que afirmam, atacando justamente o PS, PSD e CDS não só mantêm os cortes no abono de família como os agravam.

A adoção de medidas de incentivo à natalidade é inseparável da consolidação do papel do sistema público de segurança social – universal e solidário – no reforço da proteção social das crianças e jovens e de apoio à família.

O presente Projeto de Lei não exclui, antes exige, o compromisso de uma revisão futura mais profunda do enquadramento legal respeitante à estrutura, atribuição, montantes e universalidade do abono de família. No entanto, devido à dramática situação que marca o quotidiano de muitos milhares de famílias, o PCP apresenta este projeto como um contributo decisivo para a garantia de mais justiça social.

Por isso mesmo, os objetivos deste Projeto são:
1. Revogar a condição de recursos imposta pelo Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de junho para atribuição do abono de família;
2. Repor a totalidade dos escalões para efeitos de atribuição do abono de família, avançando no sentido da sua universalidade;
3. Repor a majoração do abono de família em 25% nos 1º e 2º escalões;
4. Repor a totalidade dos escalões para efeitos de atribuição do abono de família pré-natal, avançando no sentido da sua universalidade;
5. Repor critérios mais justos de atribuição da bonificação por deficiência a crianças e jovens;
6. Cessar a decisão de devolução de verbas do abono de família recebidas «indevidamente», isto é, de montantes que a Segurança Social continuou a pagar sem que a responsabilidade possa ser imputada aos beneficiários que não podem perder o direito a uma prestação social por entrega tardia de documentos.

Com este Projeto de Lei, o PCP retoma os valores pagos antes das medidas que vieram cortar violentamente os apoios sociais, repondo os escalões suprimidos com os valores que em seguida se discriminam:

Abono de família para crianças e jovens

Idade igual ou inferior a 12 meses Idade superior a 12 meses
1º escalão €174,72 €43,68
2º escalão € 144,91 € 36,23
3º escalão € 92,29 € 26,54
4º escalão € 56,45 € 22,59
5º escalão € 33,88 € 11,29
6º escalão a definir por portaria a definir por portaria

O Governo PSD/CDS tem vindo a expressar dissimuladas preocupações com a redução da natalidade visando ocultar a responsabilidade direta e indireta que tem no desrespeito pela função social da maternidade e paternidade e no incumprimento dos direitos que lhe estão inerentes.

A demagogia do Governo em torno da «natalidade» assenta em conceções retrógradas de responsabilização individual das mulheres e das famílias pela renovação das gerações e na desresponsabilização do Estado, das entidades patronais e de toda a sociedade para com a função social da maternidade e da paternidade.

A responsabilidade pela redução da natalidade não é das famílias, é de sucessivos governos e das políticas que executaram. A natureza da política de direita é responsável pela redução da natalidade, e por isso para resolver este problema é urgente romper com estas opções e construir uma política alternativa, que integre medidas multissetoriais.

II

Em Portugal, foi a Revolução de Abril de 1974 e a conquista de um sólido corpo de direitos económicos e sociais que abriu o caminho de construção e garantia dos direitos das crianças nas suas múltiplas dimensões.

Conforme consagrado na Constituição da República Portuguesa (Artigo 69.º), cabe ao Estado e à sociedade proteger as crianças “com vista ao seu desenvolvimento integral”, designadamente contra todas “as formas de abandono, de discriminação, e de opressão”.

As crianças e os jovens são um dos fundamentos das prestações familiares. Ao Estado cabe garantir, respeitar e promover o exercício pleno dos seus direitos, com vista ao seu desenvolvimento integral e à efetivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais.

Em Portugal, as causas estruturais da pobreza têm a sua origem em mais de 38 anos de políticas de direita, agora agravadas com a aplicação das medidas do Pacto de Agressão da Troika, subscrito por PS, PSD e CDS.

Para o PCP, o combate à pobreza e à exclusão social é inseparável de um caminho mais geral de desenvolvimento económico, valorização do trabalho, aumento dos salários e das pensões, maior justiça na distribuição da riqueza e de elevação geral das condições de vida do povo.

O Partido Comunista Português defende um sistema de prestações familiares de acesso universal – indo de encontro ao preconizado em sucessivos preâmbulos que precederam as várias regulamentações destas prestações mas que nunca tiveram correspondência nas regras efetivamente aplicadas. Da lei à vida vai uma distância atroz: o universo de famílias a acederem a estas prestações é cada vez mais reduzido, correspondendo maioritariamente a agregados que vivem em situações de pobreza extrema ou próximas desta.

Propomos, portanto, que as crianças, independentemente do agregado familiar em que estão inseridas, tenham garantida uma infância plena de direitos, com saúde, educação e habitação, em condições de igualdade, sem que o acesso a estes direitos seja restringido às crianças e jovens com base em critérios economicistas e, assim, contribuindo, para o desenvolvimento das crianças e jovens e de todo o país.

É inaceitável o ataque em curso aos direitos fundamentais das crianças e das suas famílias, pondo em causa uma das conquistas mais emblemáticas dos direitos sociais: a proteção da infância e da juventude no superior interesse da criança.

Este Projeto de Lei do PCP representa um contributo decisivo para corrigir alguns dos efeitos desastrosos de uma política social injusta, indo ao encontro da garantia e do cumprimento dos direitos das crianças e de um rumo de progresso social.

Assim, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1º
Objeto

1 - A presente Lei reformula as condições de acesso e atribuição do abono de família a crianças e jovens e o abono pré-natal, alterando os requisitos da verificação da condição de recursos, repondo o pagamento do abono de família nos 4º, 5º e 6.º escalões e a majoração do pagamento nos 1º e 2º escalões.

2 – A presente lei determina ainda a inexigibilidade de devolução das quantias recebidas a título de abono de família a crianças e jovens por não apresentação de prova escolar ou prova de condição de recursos.

Artigo 2º
Alterações ao Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho

1 – São revogadas as alíneas a) do n.º 1 e c) do n.º 3 do artigo 1.º, bem como o artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 15/2011, de 3 de maio, pelo Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro e pelo Decreto-Lei n.º 133/2012, de 27 de junho.
[…]

Artigo 19.º
Alteração ao Decreto-Lei n.º 176/2003, de 2 de Agosto
Revogar
[…]»

Artigo 3º
Revogação do Decreto-Lei n.º 116/2010, de 22 de Outubro

1 - É revogado o Decreto-Lei n.º 116/2010, de 22 de Outubro, repristinando-se a Portaria n.º 425/2008, de 16 de Junho e a Portaria n.º 511/2009, de 14 de Maio.

2 – São repostos o 4.º, 5.º e 6.º escalões do abono de família a crianças e jovens e do abono de família pré-natal previstos pelo Decreto-Lei n.º 176/2003, de 2 de Agosto, na sua versão republicada pelo Decreto-Lei n.º 245/2008, de 18 de Dezembro, cujos montantes mensais serão definidos pelo Governo através de Portaria.

Artigo 4.º
Inexigibilidade de devolução do abono de família para crianças e jovens

Estão dispensados da obrigatoriedade de devolução das quantias recebidas a título de abono de família os beneficiários que não tenham efetuado a prova de condição de recursos e a prova escolar nos prazos legalmente determinados.

Artigo 5.º
Recálculo dos montantes

Os Serviços de Segurança Social deverão recalcular os montantes do abono de família nos termos da presente lei no prazo de dois meses após a sua entrada em vigor, sendo estes devidos desde a data de entrada em vigor deste diploma.

Artigo 6.º
Disposições transitórias

O Governo regulamentará o n.º 2 do artigo 3º no prazo de 30 dias após a entrada em vigor da presente lei, com base nos valores previstos pela Portaria n.º 511/2009, de 14 de maio.

Artigo 7º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com o Orçamento do Estado posterior à sua aplicação.

Assembleia da República, em 10 de abril de 2015

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