III
Objectivos e linhas orientadoras
do Governo PSD-CDS/PP


1. Quais são os principais objectivos e linhas orientadoras do Governo?

São a revogação da actual Lei de Bases da Segurança Social, de Agosto de 2000, e a aprovação de uma nova lei que consubstancie o processo de privatização da Segurança Social. Estamos perante uma perigosa ofensiva ao Sistema Público de Segurança Social, com graves consequências se for por diante, designadamente o retrocesso de direitos fundamentais e civilizacionais.

A tentativa de fixação do tecto contributivo entre os sete e os oito salários mínimos nacionais, pretende ser o início de um processo que visa transferir para o sistema privado a parte não abrangida pelos descontos para a Segurança Social.

Defendendo a “liberdade de escolha”, pretende-se menos Estado e mais iniciativa privada. Isto é, querem o mínimo de solidariedade (expressão usada pelo Ministro), o que significa acabar com o direito universal à segurança social e promover a desresponsabilização do Estado nesta importante função social. Valoriza-se a assistência, em detrimento do exercício do direito à segurança social. Isto é, mais caridade, menos direitos.

2. O que é o tecto contributivo (plafonamento)?

É o valor acima do qual deixa de haver descontos para a Segurança Social.

3. Que consequências resultariam da fixação de um tecto contributivo?

Haveria uma diminuição de receitas para a Segurança Social, receitas tanto mais baixas quanto mais baixo for o tecto salarial.

O progressivo abaixamento deste tecto irá, progressivamente, transformar um direito à segurança social universal num benefício residual. Não esquecer que as prestações sociais calculadas em função de contribuições mais baixas são também mais baixas.

4. Qual o valor previsto para o tecto contributivo?

O Governo, por via da comunicação social, anda a “passar a ideia” que tal valor deverá corresponder a 7 ou 8 salários mínimos, ou seja: 488 ou 558 contos. Mas, no futuro, pretende descer para os 5 salários mínimos.

5. Quem beneficiaria com o tecto contributivo?

Seriam os bancos, as seguradoras e todas as entidades vocacionadas para a gestão de fundos de pensões, que passariam a dispor de acrescidos meios financeiros para as suas actividades especulativas.

6. É correcta a ideia de que é socialmente justo que quem recebe mensalmente sete ou oito salários mínimos nacionais não deve ter direito a reformas elevadas do Sistema Público porque, assim, é possível dar apoio a quem mais precisa?

A direita fomenta esta ideia falsa.

Se os trabalhadores que recebem mais de 7 ou 8 salários mínimos não são obrigados a descontar para além daqueles valores, é óbvio que as receitas da Segurança Social diminuem. E porque o sistema tem um regime financeiro de repartição, em que as receitas do ano são para cobrir os compromissos assumidos desde sempre (as pensões que devem ser pagas nesse mesmo ano), no imediato e a médio prazo as receitas podem diminuir até não chegarem para pagar as pensões.

Tomemos este exemplo:
  • Um trabalhador ganha, por mês, 900 contos.

    Na situação actual os descontos para a Segurança Social são de: 312.750$00 (99.000$00 por parte do trabalhador e 213.750$00 por parte do patrão).

  • Na situação futura a pretensão do patronato é que os descontos sejam de 193.961$00 (61.398$00 por parte do trabalhador e 132.563$00 por parte do patrão), na base do plafonamento correspondente a 8 salários mínimos nacionais.

O que é que isto significaria?

  • Significaria uma redução de receitas para a Segurança Social de 1.663 contos por ano, per capita. Multiplique-se este número por milhares de trabalhadores e estaremos, seguramente, perante milhões de contos que deixariam de entrar nos cofres da Segurança Social.
  • Significaria também redução de encargos para os patrões. Se apenas um trabalhador gera uma poupança de 1.137 contos, quanto milhões de contos não beneficiaria o patronato em geral?

    Poder-se-ia dizer:

  • Se com o plafonamento os trabalhadores que ganham muito deixam de ter reformas elevadas, então será possível aumentar as reformas mais baixas dos restantes trabalhadores.

Isto não é verdade, por duas razões:

1.ª razão: Não é possível haver aumentos nas reformas mais baixas num regime com menores receitas.

2.ª razão: O valor das reformas de cada trabalhador está indexado à sua carreira profissional, tendo em conta o seu período contributivo e o valor dos seus vencimentos.

7. Qual é a designação utilizada pelo Governo para a transferência de parte dos descontos para a iniciativa privada?

A expressão utilizada é “partilha de riscos”.

8. O que significa a “capitalização e partilha de riscos” para os trabalhadores e reformados?

É a situação que decorre de o trabalhador deslocar para as instituições financeiras a parte não descontada para a Segurança Social, na perspectiva de, com tal poupança, obter uma mais-valia da qual beneficiaria quando atingisse determinada idade.

Significa destruir o princípio de solidariedade em que assenta todo o Sistema Público de Segurança Social através da introdução de um tecto nas contribuições, o que determinará, se for implementado, que uma parte dos descontos dos trabalhadores e das contribuições das empresas deixe de entrar na Segurança Social, criando, imediatamente, quebras de receitas. O que o Governo pretende é impor aos trabalhadores que assumam todo o risco que acarretaria a gestão privada (pelos bancos e seguradoras) dos dinheiros da Segurança Social. Deste modo, o que os trabalhadores receberiam, quando se reformassem, dependeria do valor atribuído pela Bolsa à carteira de títulos adquirida, com o seu dinheiro, pelos fundos de pensões. Seria a troca do “certo” pelo “incerto”.

9. E porquê esta troca?

Porque actualmente os trabalhadores entregam uma parte certa do seu salário (11%) e sabem o que receberão quando se reformarem, já que a forma de cálculo da sua pensão está definida na lei. Portanto, uma contribuição certa e também um benefício certo.

No caso dos fundos de pensões, entregariam uma contribuição certa, dado que seria certo o que teriam de entregar mensalmente, mas já não seria certo o que receberiam. O que receberiam quando se reformassem seria, em grande parte, determinado pelo valor atribuído, pela Bolsa, aos títulos que constituíssem a carteira do fundo de pensões a quem entregaram o seu dinheiro.

10. E se o valor (cotação) dos títulos das carteiras dos fundos de pensões baixar, o que acontece ?

Há um prejuízo para o/a trabalhador/a porque o seu “pé de meia” foi comido pela baixa do valor das acções. As entidades privadas gestoras de fundos nunca perdem: ganham sempre.

E porquê? Porque os lucros das sociedades gestoras de fundos de pensões e as seguradoras, que na sua maioria pertencem a bancos, não serão afectadas pela baixa das cotações dos títulos, porque têm sempre garantida a cobrança de uma comissão de gestão. Ou seja: ganham sempre, mesmo que o valor das carteiras que gerem diminua consideravelmente.

11. É, então, justo falar de partilha de risco?

Não é justo, porque quem corre o risco é sempre o trabalhador, porque o único objectivo do capital financeiro é o lucro. Muitos exemplos poderíamos dar para demonstrar esta afirmação, mas ficamos pelos mais recentes:

  • Por exemplo, a empresa americana Enron, uma das maiores empresas dos Estados Unidos, foi à falência inesperadamente nos finais do ano passado. Averiguou-se que a sua Administração cometeu diversas fraudes e falsificava a contabilidade desde há muito tempo. Quem pagou a factura foram os cerca de 20.000 trabalhadores da empresa, que ficaram sem emprego e sem as suas reformas porque, no seu fundo de pensões, 80% das acções eram da empresa em que trabalhavam e que agora nada valem. Contudo, todos os administradores da Enron e todos os quadros da sua direcção venderam, a bom preço, as acções que tinham muitos meses antes de ser conhecida a ruína da empresa!!!

    Os prejuízos sofridos, até agora, por fundos de pensões norte-americanos – muitos deles públicos – que tinham, nas suas carteiras de títulos, acções da Enron, atingiram 1 bilião e meio de dólares. Foi tanto quanto perderam os trabalhadores que confiaram nas “virtudes” do capital financeiro.

  • Outro exemplo vem da maior sociedade de títulos do mundo – a Merill Lynch –, cujo negócio é comprar e vender títulos (principalmente acções) nas Bolsas por conta dos seus clientes e gerir as suas carteiras, as quais, no fim de 2001, atingiam 520 biliões de dólares. Empresa que teve de chegar a acordo com o Estado de Nova Iorque e pagar uma multa de 100 milhões de dólares para “parar” uma investigação judicial sobre as suas actividades.

    Provou-se que a Merill Lynch transmitia informação enganosa aos seus clientes sobre as empresas cuja compra de acções promovia e recomendava, com a intenção de captar mais negócios junto dessas empresas.

12. E se esse tecto contributivo vier a ter carácter voluntário?

Mesmo que, porventura, a intenção do Governo venha a ser a de atribuir carácter voluntário à introdução desse tecto, a verdade é que estaria fortemente a contribuir para uma cultura de desresponsabilização, designadamente das novas gerações, e de enfraquecimento do sistema público da segurança social. Caso estas propostas fossem por diante, os mais prejudicados seriam, seguramente, os jovens trabalhadores que estão agora no início da sua carreira profissional e contributiva.

13. O que significa o desenvolvimento articulado dos diferentes pilares (público, empresarial, familiar e individual) na Segurança Social defendido pelo Governo?

Trata-se de um “modelo” neoliberal de que o Banco Mundial se assume como porta-voz internacional e que está consubstanciado na teoria dos “três pilares”:

  • um sistema gerido publicamente com participação obrigatória e objectivo limitado a reduzir a pobreza que “deve ser de dimensão modesta, deixando amplo espaço para os outros pilares”;
  • um sistema gerido a nível privado com “poupanças obrigatórias”;
  • um terceiro sistema gerido pelas “poupanças voluntárias”.

14. Existem omissões importantes neste Programa do Governo. Quais?

Existem:

  • quanto às formas de gestão do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social;
  • quanto à garantia de participação dos interessados na definição, planeamento e gestão da Segurança Social;
  • quanto ao pagamento das dívidas do Estado à Segurança Social, nomeadamente as relativas aos regimes não contributivo e fracamente contributivos;
  • quanto ao pagamento das dívidas do patronato à Segurança Social;
  • quanto às formas de reforço das prestações sociais, designadamente das pensões.

15. É verdade que a gestão de fundos de pensões por entidades financeiras privadas é mais eficaz, obtém mais resultados e defenderia melhor as contribuições, obrigatórias e/ou voluntárias, dos trabalhadores do que a gestão feita por entidades públicas?

Não é verdade! Esta afirmação é mais uma das falsidades postas a correr pelo capital financeiro e pelos seu agentes, destinada a confundir o mundo do trabalho. Pelos exemplos já dados é fácil concluir que a gestão privada nada pode trazer de positivo e seguro à gestão das poupanças e contribuições dos trabalhadores.

Por outro lado, enquanto que no ano de 2001 os fundos de pensões geridos pelos privados, registaram uma rendibilidade mediana negativa de 2%, o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), gerido pelo Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização e que é um instituto público, registou no mesmo ano, uma rendibilidade positiva de 3,28%.

16. O que significaria para os bancos e seguradoras a gestão privada do FEFSS?

Significaria o controle de um dos maiores fundos públicos de pensões da Europa, cuja carteira de títulos, em 31.03.2002, era de 4.144 milhões de euros (cerca de 830 milhões de contos); a obtenção de elevados lucros, sem que nada arriscasse, provenientes da cobrança das comissões de gestão; bem como a possibilidade de “utilizar” esses activos (dinheiro, acções e obrigações, etc.) em função das suas conveniências.

17. Os trabalhadores têm direito, actualmente, a conhecer o tipo e a qualidade dos títulos, que estão nas carteiras dos fundos de pensões geridos pelos privados e de que são beneficiários?

Não! As disposições legais existentes não permitem que os trabalhadores conheçam a qualidade desse património, ou fiscalizem a gestão desses fundos de pensões!

18. O Governo elegeu o Rendimento Mínimo Garantido como o melhor exemplo das situações de fraude e de má distribuição dos dinheiros públicos. Existem fraudes na atribuição do rendimento mínimo garantido?

É provável que existam fraudes: isto é, atribuições indevidas do Rendimento Mínimo. Mas o que move o Governo e os partidos que lhe dão suporte é uma despudorada demagogia quanto à sua abusiva utilização.

Avaliemos no concreto: que dimensão terão essas fraudes num regime onde a maioria das pessoas recebe, individualmente e em média, cerca de 9 contos, e as famílias cerca de 28 contos? Esta cruzada contra o rendimento mínimo garantido visa penalizar os mais desfavorecidos, ocultando as dívidas e as fraudes dos contribuintes mais poderosos, ao mesmo tempo que é acompanhado por uma perigosa estigmatização dos beneficiários do rendimento mínimo garantido.

A verdade é que o PSD e o CDS/PP sempre foram contra a consagração deste novo direito social. Direito que foi consagrado em Portugal com um atraso de 30 anos relativamente a outros países da Europa. Revogam a actual Lei do Rendimento Mínimo Garantido, mas não há nenhuma medida concreta para pôr fim ao volume das dívidas das empresas à segurança social, nem tão pouco pretendem pôr fim à escandalosa depauperação dos cofres do Estado na área fiscal, devido à baixa tributação fiscal efectiva do sistema bancário não obstante os lucros que obtém.

O PCP foi pioneiro na tentativa de introdução deste direito social em Portugal. A sua concretização implica, naturalmente, uma criteriosa gestão dos dinheiros públicos. Mas, recusamos o combate à fraude centrado nos contribuintes/beneficiários mais pobres e desfavorecidos, deixando incólumes os contribuintes mais poderosos. Sempre afirmámos que era necessário dotar, convenientemente, as estruturas de controle, previstas na lei, com os meios adequados ao cumprimento da sua função.

19. O Governo apresentou à Assembleia da República uma proposta de revogação da actual Lei do rendimento mínimo garantido e de criação do “rendimento social de inserção”. Que significado têm estas alterações?

A alteração da sua designação tem objectivos políticos e ideológicos. É o início de um percurso que visa transformar este direito social numa possibilidade caritativa, de acordo com as conjunturas económicas e políticas.

O primeiro passo concreto foi a exclusão dos jovens, entre os 18 e os 25 anos, da possibilidade de serem beneficiários. Argumentam que os jovens não precisam deste apoio, têm é de trabalhar. Mas, a verdade é que os que se encontram em processos de exclusão social estão, igualmente, fragilizados quanto à possibilidade de accionarem outros instrumentos que lhes permitam a obtenção de um posto de trabalho. É uma medida que, do ponto de vista de redução de despesas, não tem qualquer significado relevante, mas que terá impacto negativo nos jovens em situações de exclusão social e para quem este direito constituía uma ajuda mate-rial, de inserção social e de acesso ao mercado de trabalho.

Neste projecto não há medidas novas no combate à fraude. Nem sequer “poupanças”. Os jovens excluídos são cerca de 3.100. O pretexto das fraudes é, assim, pura demagogia.

20. O Ministro Bagão Félix, na continuidade da postura assumida pelo PSD e pelo CDS/PP em campanha eleitoral, mostra-se muito preocupado com os reformados. É pura demagogia.

Vejamos alguns exemplos:

O PCP propôs, no debate do Orçamento Rectificativo, um aumento extraordinário das pensões mais degradadas. O PSD, o CDS/PP e o PS votaram contra. Tratava-se de dar uma especial atenção às pensões mínimas mais degradadas.