O truque

Artigo de Vitor Dias
no «Semanário»

18 de Setembro de 1998



Se fossemos ingénuos, não poderíamos deixar de anotar que se há coisa intrigante no debate em curso sobre a regionalização é o empenho e a persistência que muitos dos seus adversários colocam na caracterização das regiões como «políticas».

Na verdade, sendo sabido que a Constituição, a lei-quadro há muito em vigor e a recente lei de criação das regiões falam sempre em «regiões administrativas» que, por sua vez, estão constitucionalmente consagradas como um tipo de autarquias locais, poder-se-á perguntar porque razão é que os adversários da regionalização lhe procuram aplicar-lhe um rótulo que não consta de nenhum ordenamento legal em vigor.

E quando vemos a panóplia de argumentos com que alguns licenciados em direito (Paulo Portas, Miguel Sousa Tavares, Alfredo Barroso) e até catedráticos dessa área ( Marcelo Rebelo de Sousa) procuram justificar essa sua classificação das regiões como «políticas», pedimos muita desculpa da dureza mas desconfiamos que já estamos perto, não da ignorância ou da ligeireza, mas da má-fé, do truque politiqueiro e da desonestidade intelectual.

E isto porque dizer que as regiões são «politicas» porque tem órgãos eleitos ( conforme aliás a vontade do PSD que, na última revisão, votou a favor dos artºs 260º e 261º da Constituição ! ), porque haverá «parlamentos regionais», porque podem aprovar orçamentos, porque vai ser sujeita a referendo ou porque foi e é discutida pelos partidos políticos, são tudo coisas que podem enganar incautos mas nem sequer podem desmentir aquilo que os autores destes argumentos também (e tão bem) sabem.

Porque muitos deles sabem certamente que a questão de apurar se as regiões são políticas ou administrativas não se pode dirimir obviamente com ideias do tipo «tudo é político». Porque sabem que há precisas delimitações doutrinais, constitucionais e legais para o que, neste âmbito, é «politico», «administrativo» ou «político-administrativo». Porque sabem que regiões que estão desprovidas de elementos definidores essenciais da sua natureza «política» - como os poderes legislativo e fiscal próprios - são de facto regiões administrativas. Porque sabem que, como não acontece com as regiões administrativas, já a respeito da regiões dos Açores e da Madeira, a Constituição, aí sim, fala de «autonomia político-administrativa», de um «regime político-administrativo» especifico, de «autonomia legislativa» e de «poder tributário próprio».

Escrevemos tudo isto mas, sem idade para ingenuidades, não temos nenhuma esperança que alguns dos principais protagonistas da campanha do «não» metam a mão na consciência.

É que eles, quando insistem a toda a hora que as regiões são «políticas», falam muito é certo de «orçamentos«, de «eleições« e de «parlamentos» (ainda vão descobrir que cada concelho também tem o seu «parlamento» !), mas na verdade o que querem inculcar é que se trataria de criar regiões como as dos Açores e Madeira ou mesmo como as comunidades autónomas de Espanha.

O que é uma mentira do tamanho de uma catedral.