Conversa de talho

Artigo de Vitor Dias
no «Semanário»

4 de Setembro de 1998



Depois de uma amargurada reflexão, chegou a vez e o momento de nos refugiarmos na conhecidíssima máxima de que «só os burros não mudam de opinião» que, como é sabido, tem a suprema vantagem de parecer um sinal de sensatez e flexibilidade mas costuma dar o supremo proveito de proteger os piores oportunismos, incoerências e arrivismos.

E é assim que, convenientemente resguardados por esta ideia de senso comum, aqui vimos juntar a nossa humilde voz a todos quantos, sobretudo à direita, nos dias de hoje se batem contra a iminente ameaça da «divisão» do país, esforçadamente a procuram esconjurar e patrioticamente procuram poupar Portugal a um criminoso esquartejamento e a incalculáveis catástrofes.

Dizendo isto, limitamo-nos a acompanhar, embora tardiamente, a deslocação de ideias que ocorreu, por exemplo, em partidos tão dignos e respeitáveis como o PSD e o CDS-PP e em personalidades tão ilustres como Cavaco Silva, Marcelo Rebelo de Sousa, Marques Mendes, Durão Barroso, Mira Amaral, etc, etc.

De facto, eles hoje dizem da regionalização o que Mafoma não disse do toucinho mas o que sempre escondem e nunca assumem é que a Lei-quadro das regiões em vigor também foi votada por eles; que em 91 o PSD tinham a regionalização no seu programa eleitoral; que, em Novembro desse ano, a apresentação de uma lei de criação das regiões era compromisso do Programa de Governo de Cavaco Silva (é a célebre página 22); que a regionalização consta do Programa do PSD ainda em vigor; e que em 95 PSD e PP se apresentaram ao eleitorado com programas eleitorais onde não há uma palavra explícita contra a regionalização.

E se estes valentes combatentes do «não» às regiões, com as suas actuais acusações aos defensores do «sim», não se importam de assim se estarem definir retroactivamente a si próprios como agentes da «divisão» e do «esquartejar» do país, da criação de gulosas «clientelas» e de inomináveis «burocracias», porque razão havíamos nós de temer mudar de opinião?

Portanto, fique claro: também somos contra a «divisão» do país.

A esta hora, se não fossem desconfiados, já o Miguel Sousa Tavares e os seus sócios no «Portugal Único» ( quando éramos jovens apanhávamos era com a lenga-lenga do Portugal «uno e indivisível» ) estariam a anotar conspicuamente a adesão de um comunista à campanha do «não» contra a regionalização.

Mas ainda não é desta. É que, a todos ultrapassando em radicalismo e a todos ganhando na apaixonada defesa da unidade nacional, as nossas estocadas contra a «divisão» do nosso querido Portugal vão é direitinhas contra a sua nefanda »divisão» em quatro mil e tal freguesias, contra a sua terrível «divisão» em 305 municípios, contra sua artificial «divisão em 5 CCR's, contra a sua trágica «divisão» em 18 distritos e 2 regiões autónomas.

E vão sobretudo contra a infame proposta do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa que, sem dó nem piedade, pretende «dividir», «retalhar» e «esquartejar» a nossa ditosa pátria em 8-Áreas Metropolitanas-8 !