O rosto a poderes que já existem

Artigo de Luís Sá
no «Diário de Notícias»

21 de Setembro de 1998



A regionalização não é uma ideia nova. É uma obrigação constitucional desde 1976. Manteve-se como tal em quatro revisões constitucionais. Assim, não é referendável. O que irá ser referendado é a instituição em concreto das regiões administrativas.

No próximo dia 8 de Novembro, os portugueses vão ser chamados a pronunciar-se sobre esta questão. O debate não é fácil. Os apelos ao medo e aos papões são constantes. Multiplicam-se os falsos alertas contra futuros impostos regionais (que ninguém propôs); contra a divisão do País (que ninguém deseja e não se verificou com as outras autarquias ou com os serviços regionais de ministérios e outras entidades públicas); contra os "tachos", escondendo que vão ser extintos muitos lugares e que é falso que vão existir 398 deputados regionais (só estão previstos eleitos autárquicos com o mesmo estatuto dos membros das assembleias municipais); contra "mais burocracia", escondendo que o que está em causa é eleger quem dirige serviços que já existem e não duplicá-los ou criar novos. É necessário debater com seriedade e rigor o que está em causa, para Portugal, com a instituição das regiões. Actualmente já existem cinco comissões de coordenação regional, com diversos serviços, inúmeras direcções e administrações regionais de diferentes ministérios e institutos públicos. São 73 serviços "regionais" diferentes, criados ao sabor dos caprichos ou opiniões de diferentes ministros ou autoridades ao longo dos anos. É com base em parte do património e funcionários destes serviços que deverão funcionar as autarquias regionais.

Os titulares de dezenas de cargos nos actuais serviços regionais não são democraticamente eleitos, mas sim designados pelo Governo. Não têm rosto, não são conhecidos, não prestam contas às populações. A intervenção dos serviços regionais dos vários ministérios não é coordenada. O resultado é visível: O Estado tem administrado de forma caótica as regiões, agravado as desigualdades entre a cidade e o campo, entre o interior e o litoral.

As regiões com órgãos eleitos não são panaceia para todos os males. Mas com a sua criação vai ser possível dar rosto a poderes que agora são invisíveis e se encontra fora do controlo democrático. As populações passarão a ter direito de escolher os seus representantes ao nível regional e sobretudo de os responsabilizar e pedir contas.

Alguns adeptos do "não" utilizam como argumentação a ideia de que "Portugal ficará feito num oito", que se trata de uma "guerra" entre a província e a capital, ou entre Lisboa e o Porto... Não é verdade. As futuras regiões administrativas, como a Constituição determina, são autarquias. Tal como as freguesias e os municípios, não terão competência legislativa nem autonomia fiscal, ou seja, não poderão lançar impostos. As futuras regiões administrativas não servirão para dividir o País, servirão sim para o unir, tornando-o mais coeso e equilibrado. O que poderia provocar a desunião e divisão do País seria a continuação da desigualdade, a exclusão social, a desertificação de vastas zonas e a desumanização da vida quotidiana nos grandes centros.

É necessário aproximar o poder das populações. É o Portugal democrático que o exige. É essencial aprofundar a descentralização da administração pública, através de regiões com órgãos democraticamente eleitos.

O que queremos é dar voz às pessoas, para que todos tenham nas suas mãos o poder de melhorar a sua região. É construir um Estado que possa vir a ser um sólido contributo para o desenvolvimento, para a democracia e para a descentralização da administração do nosso país, deixando de ser o Estado mais centralista da Europa, mais burocraticamente ineficaz, longe dos interesses e da intervenção dos cidadãos.

O debate público sobre a regionalização tem que prosseguir como batalha pelo progresso do País, pelos direitos das populações e por mais democracia.