O sr. Cansado Silva

Artigo de João Amaral
no «Jornal de Notícias»

19 de Outubro de 1998



E que tal avivarmos a memória? É que já vão quase quatro anos, desde que o Cavaco Silva anunciou que, após as "legislativas" de 95, já não seria candidato a primeiro-ministro. Cavaco desistia. Abandonava o barco.
O anúncio foi feito poucos meses após os acontecimentos da ponte 25 de Abril, que puseram a nu a cada vez maior oposição que Cavaco sofria. O desgaste era evidente. O país indignava-se perante um Governo incapaz de promover a justiça e insensível perante as aspirações das populações.
Olhando essa época com a serenidade que hoje é possível, o que aparece é o fosso profundo entre o pulsar do país e aquilo que Cavaco era capaz de fazer. O seu tempo histórico estava esgotado.
Depois do anúncio da desistência, PSD e Cavaco seguiram caminhos paralelos. O PSD, a pagar a factura dos erros cavaquistas, chegou às eleições com Fernando Nogueira para um desastre estrondoso. Quando a Cavaco, inventou o tabu, esteve meses sem dizer se era candidato a presidente teve afinal de ser candidato face à derrota do PSD nas "legislativas". E acabou num desastre estrondoso nas eleições. O bom senso deveria tê-lo levado a dizer: "Política, ponto final!".

Mas não. Ei-lo que reaparece, para uma longa entrevista na SIC. Foi penoso de ver, e tentar justificar o facto de ainda em 1991 ser entusiasta da regionalização e ter mudado de posição em escassos meses.
Cavaco afirmou que durante um tempo os benefícios das regiões superavam os custos, mas que depois achou que isso se invertia. Falou então dos custos, para dizer que os políticos regionais seriam despesistas. Afirmou que com as regiões haveria mais dificuldades em investir nas zonas menos desenvolvidas. Embalado na propaganda, afirmou que com as regiões o Alqueva não se faria.
Estes "argumentos" expostos com o tom gasto e cansado de quem já não tem nada de novo para dizer acabam por se virar, todos eles, contra o próprio Cavaco Silva.
Então se o mal da regionalização é o despesismo, por que razão foi ele quem promoveu em 1991 a aprovação da lei-quadro das regiões, que no dia 8 está presente no referendo? Por que pôs no Programa Eleitoral do PSD a criação das regiões? Os políticos regionais não seriam igualmente "despesistas" antes ou depois de 91?

Se acha que o Governo Central é melhor para as regiões pobres do que seriam as regiões administrativas, por que razão nos seus 10 anos de governo as regiões pobres ficaram mais pobres? E por que razão não fez o Alqueva?
Cavaco está cansado. Deviam aconselhá-lo a poupar-se a este triste espectáculo. Os restos de imagem que conserva em parte da população vão assim desaparecer. Às vezes, ser sábio é saber estar de fora...