"Prostituição e tráfico de mulheres - Novas faces de uma velha escravatura" Debate
Intervenção de Ilda Figueredo, deputada ao PE e membro do Comité Central do PCP
3 de Outubro de 2003

 

Estamos preocupadas com o aumento da prostituição e do tráfico de mulheres, adolescentes e crianças, em Portugal, na Europa e no Mundo. Calcula-se que mais de 500 mil mulheres na Europa sejam vítimas do tráfico e muitos milhões no mundo.

Nem sempre o objectivo do tráfico é a exploração sexual das vítimas. Por vezes, são casamentos forçados, situações de trabalho clandestino, de trabalho doméstico e outras, em condições de escravidão. Mas, o fundamental, é a exploração sexual, a prostituição.

Todos sabemos que o tráfico de mulheres é o resultado de uma repartição desequilibrada das riquezas mundiais e que pôr-lhe fim exige uma outra ordem económica internacional que se baseie na justiça e solidariedade e não na exploração capitalista que hoje domina o mundo. As vítimas são as mulheres vindas de países africanos, de leste, da América Latina, ou seja, de zonas onde há pobreza, faltam oportunidades de emprego, escasseia a informação. Que grupos organizados a nível internacional, clandestinamente ou com o consentimento das vítimas, enganadas por promessas fraudulentas, transportam para as zonas mais ricas onde a população masculina dispõe de meios financeiros para recorrer à prostituição.

Este crime organizado do tráfico, que hoje usa métodos de gestão e tecnologias modernas, que é menos arriscado do que a droga, embora muitas vezes lhe ande associado, alimente negócios e actividades criminosas que o branqueamento de capitais e os paraísos fiscais facilitam.

Temos assim, aqui, um dos lados mais visíveis da exploração capitalista que, ao reforçar os seus mecanismos de exploração na fase actual de tentativa de mercantilizar tudo, incluindo o amor e a vida, humilha e explora as vítimas que, com medo de serem expulsas, são facilmente manipuladas, não se arriscam a apresentar queixa, sofrem um verdadeiro suplício, são transformadas em autênticas escravas.

Sabemos como no nosso país tem crescido a prostituição de mulheres estrangeiras e como se têm multiplicado por todo o lado as ditas casas de alterne e outros espaços onde as vítimas são obrigadas a prostituir-se. Mas há outras razões para a prostituição.

O agravamento do desemprego e das condições sociais, o alastrar da toxicodependência, designadamente nos jovens, está também a contribuir para um novo surto de prostituição nas ruas e estradas, em diversas zonas do País, de mulheres e jovens que são atiradas para situações de desespero e não vêem outra saída para sobreviverem.

Hoje, aqui neste debate, queremos falar-vos de três lados deste problema:

1. O tráfico de mulheres e crianças, a nível europeu, para fins de prostituição, que se agravou nos anos 90, com o crescimento do desemprego e da pobreza das mulheres dos países da Europa Central e Oriental, resultante da desintegração das respectivas estruturas sociais. No Parlamento Europeu, o nosso grupo, através das deputadas aqui presentes (Marianne Eriksson e Sylviane Ainardi), tem dado particular atenção a este problema, promovendo debates com especialistas, intervindo sobre o assunto e, sobretudo Marianne, elaborando relatórios e propostas de resolução.

Desde 1997 que há decisões positivas sobre este crime organizado do tráfico de seres humanos e da exploração sexual de crianças, incluindo a Acção Comum, de 24 de Fevereiro de 1997, a Conferência Ministerial de Haia, de Abril de 1997, e as deliberações do PE, de 1998.

Sempre pusemos o acento tónico nas causas da situação, que é preciso resolver, com maior apoio à cooperação e desenvolvimento dos países de origem, no combate ao crime organizado a nível europeu e na protecção às vítimas. Este apoio tem de assumir aspectos práticos de respeito pela sua dignidade, de garantia dos direitos humanos, de apoio à sua integração social, incluindo a autorização de residência, a concessão de autorização de trabalho, a possibilidade de formação profissional, etc., alargando estes apoios a todas as vítimas e não apenas às mulheres que desejem apresentar queixa formal contra o traficante ou às que, aparentemente, tenham mais possibilidade de obter a sua condenação.

2. Outro lado do problema de que aqui iremos falar tem a ver com a forma como se encara a prostituição na nossa sociedade, considerando-a um atentado à dignidade das mulheres e um grave problema de direitos humanos que importa encarar de frente, aprofundar o seu estudo, analisar as diversas causas e procurar medidas de intervenção em vários planos, designadamente na prevenção e na integração social das mulheres vítimas de prostituição.

Vamos ter apreciações deste problema partindo de três experiências diferentes: a portuguesa, com Inês Fontinha e o trabalho notável de O Ninho, que visitaremos à tarde; a francesa, com Sylvianne Ainardi, que tem dado particular atenção às crianças e adolescentes vítimas da exploração sexual; e a sueca, com Marianne Eriksson, especialista reconhecida nesta área, no seu país e no Parlamento Europeu, que certamente também abordará a forma inovadora como a Suécia está a tratar este problema da prostituição. Partindo destas experiências concretas, em contextos diferentes, procuraremos debater e aprofundar futuras linhas de intervenção. Posso dizer-vos que ontem mesmo, no Parlamento Europeu, no debate com a Comissária Diamantopoulou na Comissão para os Direitos e Igualdade das Mulheres, levantei, mais uma vez, este problema e a necessidade de acções conjuntas, pedindo-lhe que, face às dificuldades que invocou para conseguir que o Conselho Europeu e os governos dos Estados-membros estivessem dispostos a novas medidas de intervenção, sugerisse acções comuns. O que ela fez, sugerindo um debate na nossa Comissão Parlamentar, com a sua participação e a do Comissário António Vitorino sobre o tema do tráfico de mulheres e crianças, designadamente com fins de prostituição. Certamente que o iremos realizar a curto prazo. Será mais uma forma de pressão para medidas mais eficazes.

3. O terceiro aspecto, que também queremos abordar, refere-se à reinserção social das vítimas da prostituição. Ao reforço da luta pela dignidade. Recordo aqui o Concerto pela Dignidade no dia 8 de Março passado, que O Ninho organizou. Um marco importante na sensibilização da nossa sociedade para este grave problema, num momento em que se procura branquear a exploração sexual das mulheres, desvalorizar os atentados aos direitos humanos, que vivemos diariamente, culpar as mulheres da vida que têm, como se a escolha fosse sua, num mundo de possíveis opções diferentes, escamoteando o agravamento da situação social, do aumento do desemprego (cerca de 15 milhões na UE a 15, acrescendo vários milhões nos 10 países candidatos), níveis elevados de pobreza de uma Europa rica onde se mantém o escândalo de cerca de 60 milhões de pessoas na pobreza (mais de 15% da população), de que Portugal mantém um triste recorde europeu (21% da população, na União Europeia a 15).

Assim, quando lutamos pela suspensão e revisão do Pacto de Estabilidade, para permitir maior intervenção pública e dinamização económica, pela defesa de serviços públicos de qualidade, por mais emprego com direitos, por melhor educação pública e formação profissional, estamos a defender um contexto social mais favorável às pessoas, às mulheres e às crianças, numa outra Europa onde a coesão económica e social não seja apenas um slogan, mas uma realidade de solidariedade e desenvolvimento, aberta ao Mundo e disposta a maior cooperação com outros países.

Sabemos que um mundo melhor é possível, com mais respeito pela dignidade de todas as mulheres. Estamos a lutar por ele.

Mas sabemos também que não é uma meta fácil de atingir e que, no imediato, são necessárias medidas concretas de apoio às mulheres, jovens e crianças vítimas de prostituição, visando a sua integração social em vias alternativas que lhes permitam ter uma vida e um futuro com esperança e amor, a sua realização profissional e pessoal. Todas e todos podemos fazer algo por isso, embora, naturalmente, caiba aos políticos uma especial responsabilidade. Pela nossa parte não fugimos a isso. E, por isso, aqui estamos para ouvir as vossas sugestões.