Governo apresenta proposta de Lei do Arrendamento Urbano
Liberalização do mercado imobiliário

Entrevista com Romão Lavadinho, Presidente da Associação de Inquilinos Lisbonenses
- «Avante!»(07.10.2004)

 

O Governo apresentou no dia 24 de Setembro uma proposta de Lei do Arrendamento Urbano, que deixou centenas de milhar de famílias a fazer contas à vida. Em entrevista ao Avante!, Romão Lavadinho, presidente da Associação de Inquilinos Lisbonenses, acusa o Governo de demagogia e denunciou que esta lei vai criar novos pobres e atingir duramente a classe média portuguesa.

A reforma legislativa incidirá sobre os inquilinos com contratos de arrendamento anteriores a 1990 - os posteriores já estão, através do Regime de Arrendamento Urbano, em sistema de renda livre -, num universo de 428 mil inquilinos. Ao todo estão definidos cinco escalões mediante a idade e o rendimento.

Em relação aos inquilinos com menos de 65 anos, situação em que poderá haver sempre lugar a denúncia de contrato, os que tenham rendimentos inferiores a três salários mínimos nacionais (SMN) - cerca de 100 mil pessoas -, estarão sujeitos, durante três anos, à renda condicionada, e durante outros três a renda negociada. Nestes casos haverá um subsídio estatal calculado com base numa taxa de esforço.

No caso dos que auferem entre três e cinco SMN o esquema é o mesmo, mas sem subsídio de renda. Por último, os que tenham rendimento superior a cinco SMN entram directamente no regime geral de arrendamento, ou seja, vão ter rendas negociadas num período mínimo de três anos.

O Governo delineou ainda duas categorias para os inquilinos com mais de 65 anos, que representam cerca de metade dos residentes sobre os quais a reforma incide. Neste caso, não havendo lugar a denúncia de contrato, os que tenham menos de cinco SMN não são abrangidos pela reforma, enquanto os que auferem mais de cinco SMN ficam sujeitos à renda condicionada.

Inquilinos descontentes

O presidente da Associação de Inquilinos Lisbonenses (AIL), Romão Lavadinho, manifestou sérias reservas quanto à nova lei do arrendamento, até porque o Governo colocou o período de duração dos contratos e o valor das rendas como sendo os principais factores da debilidade do mercado e do deplorável estado de conservação dos prédios.

«O problema é que actualmente não há mercado de arrendamento, ou seja, não há casas para alugar», afirmou Romão Lavadinho, sublinhando que o que existe é meramente especulativo, «com rendas que vão de 400 a dois mil euros, sem condições alguma, muitas vezes com o proprietário a anunciar que a casa precisa de obras».

Quanto à passagem de três anos de duração mínima dos contratos, e sem garantia de continuidade, o presidente da AIL entende que a instabilidade contratual só dificulta a dinâmica do mercado de arrendamento, favorecendo claramente o recurso à aquisição. Para ilustrar a situação, recordou o que sucedeu em Espanha, que em 1985 permitiu contratos de arrendamento de três anos e conheceu resultados desastrosos, o que obrigou, em 1994, a recolocar os cinco anos como prazo mínimo de duração dos contratos de arrendamento.

«Quando esta lei foi publicada em Espanha, o arrendamento baixou de 18 para 10 por cento, e a compra de habitação própria aumentou em cerca de 125 por cento», contou, ressalvando que se está a favorecer «a parte mais forte, que são os proprietários, desfavorecendo o elo mais fraco, que são os inquilinos».

Neste sentido, a AIL considera que o novo regime para o arrendamento urbano não passa de uma manobra para proceder a uma verdadeira liberalização das rendas.

Esta lei vai ainda beneficiar os grandes grupos económicos. «Como os pequenos proprietários não tem meios, são as grandes sociedades financeiras que vão absorver o mercado imobiliário nas grandes cidades. Compram as casas por um valor muito baixo, tiram as pessoas de lá, recuperam os imóveis, e vendem-nos por um preço bastante elevado», disse Romão Lavadinho.

Precariedade na habitação

Sobre os subsídios que o Governo anunciou dar aos mais desfavorecidos, Romão Lavadinho assegurou que após a entrada em vigor da lei, esta vai abranger não só todos os contratos de arrendamento anteriores a 1990, como aqueles que foram ultimados a partir de 1981.

«O que vai suceder é que as pessoas com menos de 65 anos, e com menos de dois salários mínimos, vão ter direito a um subsídio, não se sabendo ainda qual o seu valor. Mas o que eu tenho a certeza é que os novos contratos de arrendamento vão ter apenas uma validade de três anos, com a renda condicionada. Se já havia precariedade no emprego, na saúde e na educação, agora vai passar a haver precariedade na habitação, porque findos esses três anos, o proprietário pode aumentar a renda a seu belo prazer», explicou o presidente da AIL.

Quando não chegam a acordo, no que à denúncia de contrato concerne, e segundo o que tem vindo a público, o inquilino terá direito a uma indemnização calculada na base entre a melhor proposta do residente e a do proprietário. O problema, segundo Romão Lavadinho «é que a indemnização só é paga quando o inquilino sair». «É um poder completamente discriminatório do proprietário que põe na rua quando quer e entender o inquilino. Três anos depois o inquilino está na rua, sem poder fazer nada, limitando-se a ter uma indemnização que à partida pode parecer ser uma coisa óptima, mas que não o é, porque o inquilino não tem a possibilidade de poder fazer a sua proposta, ficando sem casa e sem dinheiro para outra habitação», afirmou.

O calculo, dessa indemnização, baseado numa hipótese, será mais ou menos assim: «O inquilino paga cem euros de renda neste momento e o proprietário, após os primeiros três anos, faz uma proposta de 500 euros. Se o inquilino propuser um aumento de 50 por cento, ou seja fica a pagar 150 euros, somados aos 500 euros e multiplicado por 36 mensalidades (três anos), isto dá 12, 13 mil euros. O que é que uma pessoa faz com cerca de dois mil contos? Vai viver para uma barraca, para a estrada?», interrogou-se o presidente do AIL.

Outro dos problemas, denunciado por Romão Lavadinho, é que esta lei vai permitir que ao valor da renda o proprietário possa acrescentar o valor das despesas do imóvel, como os seguros, a limpeza ou a porteira. «O inquilino tem ainda que pagar uma parte das despesas do prédio com uma agravante: é que os recibos dessas despesas são passados em nome do proprietário, mas é o inquilino que paga».

Governo ignora inquilinos

Depois há ainda uma outra questão: um dos oito decretos-lei vai permitir a celebridade dos despejos, uma medida que vai claramente favorecer os proprietários. «Os despejos, por incumprimento do contrato, demoravam muito a ser efectuados, mais de três anos, por vezes», admitiu o presidente da AIL, reconhecendo que isto não era justo. No entanto, com a nova lei, penalizando o inquilino, «quando o proprietário não faz obras nos seus imóveis, não há entidade alguma que o vá julgar». «Neste sentido, a associação propõe a suspensão do pagamento da renda, que o inquilino depositaria numa conta de um banco, até que as obras estivesses concluídas. Logo que os trabalhos estivessem terminados, o inquilino teria o direito a uma percentagem do valor depositado, pelo facto de estar a viver, por vezes anos, em condições deploráveis. Era uma forma de resolver este problema, mas que o Governo continua a ignorar».

A associação de inquilinos propõe ainda que Estado penalize em sede fiscal os proprietários dos fogos devolutos, ao mesmo tempo que devem ser beneficiados aqueles que os mantiverem em bom estado de conservação e arrendados.

«A não serem aplicadas estas fórmulas, não haverá mercado de arrendamento que funcione. Vão arrastar novamente as famílias para a compra de habitação», disse Romão Lavadinho, avisando que, caso o Governo aprove esta lei, da forma como está delineada, «vai haver, seguramente, grandes acções de luta, por parte dos inquilinos».

Neste sentido, a Associação de Inquilinos Lisbonenses vai realizar conversações com as centrais sindicais, entidades de caracter social e os Grupos Parlamentares para que as suas propostas possam ser ouvidas. Vão ainda promover debates em várias juntas de freguesia da área de Lisboa a fim de elucidar a população para aquele que vai ser um grande problema social.

Inquilinos exigem justiça social

Os inquilinos estão preocupadas com os efeitos sociais que a nova lei do arrendamento pode vir a provocar. Neste sentido a Associação de Inquilinos Lisbonense (AIL) e a Associação de Inquilinos do Norte de Portugal (AINP), após uma profunda análise desta lei, exigem que a nova legislação, prestes a sair, deve contemplar os seguintes aspectos:

# Os contratos de arrendamento devem ter um prazo longo de estabilidade, nunca inferior a seis anos e renováveis, aspecto importante para a estabilidade da vida dos inquilinos e igualmente para os proprietários;

# Qualquer agravamento extraordinário das rendas deve ser sempre precedido das necessárias obras, e cuja reabilitação seja confirmada pelo certificado de habitabilidade.

# A actualização das rendas deve ter em conta as obras entretanto já realizadas ao longo do tempo pelo inquilino, devendo o mesmo ser ressarcido pelas verbas gastas;

# Que a fiscalização das obras efectuadas seja realizada por entidades competentes na qual se deve incluir o inquilino ou um seu representante;

# Que as famílias sem condições económicas para suportar os aumentos da renda sejam apoiados pelo Estado e que os respectivos subsídios sejam canalizados directamente para os proprietários;

# A reabilitação dos prédios deve ser urgente, tomando as autarquias posse administrativa dos mesmos, sempre que os proprietários não a realizem, imputando-lhe posteriormente os respectivos custos;

# O Estado deve penalizar em sede fiscal os proprietários dos fogos devolutos, ao mesmo tempo que devem ser beneficiados aqueles que os mantiverem em bom estado de conservação e arrendados.

Termos técnicos

Certificado de Habitabilidade
O documento comprovativo de que os locais arrendados ou destinados a arrendamento para habitação, que não disponham de licença de utilização ou que, dispondo, a sua emissão tenha ocorrido há mais de vinte anos ou há menos de oito, consoante se trate da licença de utilização emitida nos termos do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro ou nos termos do artigo 9.º do RAU, reúnem os requisitos mínimos de segurança e de salubridade.

Renda Base Condicionada
A renda base condicionada é um indicador indirecto do nível de preços não especulativos no mercado de habitação.Este conceito foi introduzido em 1981, pelo Decreto-Lei n.º 148/81, de 4 de Junho, e o seu objectivo foi estabelecer um valor moderado de renda, cujo valor máximo está limitado a uma taxa de rendibilidade do investimento efectuado.

Renda Negociada
A renda negociada resulta de uma negociação entre proprietário e arrendatário em que os dois têm a possibilidade de revelar as suas preferências.

Rendimento anual bruto corrigido
A soma dos rendimentos de todos os elementos que compõem o agregado familiar corrigida em função do número de dependentes, do grau de incapacidade dos elementos com deficiência e da tipologia da habitação arrendada.

Agregado Familiar
O arrendatário e o conjunto de pessoas previstos nos artigos 13.º e 14.º do CIRS, que com ele vivam em comunhão de habitação, bem como os ascendentes nas mesmas condições.

Dependentes
A pessoa ou o conjunto de pessoas previstas no n.º 4 do artigo 13.º do CIRS, bem como os ascendentes que vivam efectivamente em comunhão de habitação com o arrendatário.

Retribuição mínima nacional anual
O valor da retribuição mínima mensal garantida (€ 365,60), a que se refere o n.º 1 do artigo 266.º do Código do Trabalho, multiplicado por catorze meses.

Taxa de esforço
O valor em percentagem, resultante da relação entre o rendimento anual bruto corrigido e a retribuição mínima nacional anual.