Debate de urgência sobre a venda de empresas a entidades estrangeiras
Intervenção de Lino de Carvalho
5 de Maio de 2004

 

Senhor Presidente
Senhores Membros do Governo
Senhores Deputados

Nos últimos tempos têm vindo a multiplicar-se os casos de vendas de empresas nacionais a investidores estrangeiros, resultado tanto de uma estratégia de ambição especulativa da parte de grandes empresários portugueses visando pura e simplesmente o encaixe financeiro de umas centenas de milhões de euros, como de deslocalizações e de falências, tudo conduzindo, em muitos dos casos, ao encerramento de centenas de empresas e ao despedimento de milhares de trabalhadores.

No sector dos transportes marítimos, o grupo José de Mello – um dos mais ferozes subscritores do manifesto dos 40 a favor da defesa dos centros de decisão nacionais – vendeu a SOPONATA (adquirida na privatização de 1993), os navios e o respectivo negócio do transporte de petróleo aos norte-americanos da General Maritime por 342 milhões de euros. Entretanto a administração da GalpEnergia prepara-se para vender a empresas espanholas ou italianas a Sacor Marítima. Isto é, o sector estratégico do que resta dos transportes marítimos passa para as mãos de americanos, espanhóis e italianos!

Na construção civil e cimentos aí tivemos a venda da SOMAGUE aos espanhóis da Sacyr e a entrega de 49% da SECIL aos irlandeses da CRHç No sector mineiro é a venda por privatização das Minas de Neves Corvo aos canadianos da Eurozinc Mining. Noutras áreas temos a venda da Triunfo (também do Grupo Mello) aos britânicos da United Biscuits.

Na área financeira depois da venda da totalidade do Banco Nacional de Crédito Imobiliário do Grupo Amorim ao Banco Popular de Espanha está em curso a venda da Companhia de Seguros Tranquilidade para a qual concorrem investidores espanhóis, franceses e alemães.

E depois da privatização da PORTUCEL se ter concluído por uma operação que não acrescenta nenhum valor acrescentado à produção de pasta e papel temos agora, na área energética, essa nebulosa que é a privatização da GALP. Ainda havemos um dia de saber quem é quem e quem ganha o quê e quanto neste processo. Que interesses existem entre a CARLYLE do Sr. Carlucci, o Sr. Martins da Cruz que saltou directo de MNE para intermediário desta operação, a CGD e o próprio Governo.

De um levantamento exemplificativo que fizemos de empresas encerradas e deslocalizadas durante 2003 e 2004 encontrámos quase 200 empresas dos mais diversos sectores de actividade, com particular relevo para o Têxtil, Vestuário e Calçado mas também do sector da Metalurgia e Metalomecânica, do Turismo e Hotelaria, do sector Eléctrico e Electrónico, da Transformação de Papel e Gráfica, do Mobiliário, dos Transportes e Automóvel, da Construção Civil, da Madeira e Cortiças, da Cerâmica e Vidro, da Indústria de Moldes e Plásticos, Mármores, Comércio e Serviços, Águas, entre muitos outros.

Este é um retrato dramático da situação em Portugal. Cego, surdo e mudo o Governo faz de conta que não é nada com ele. E no entanto a crise que se vive na economia e nas empresas deve-se, essencialmente, à errada e incompetente política orçamental e económica seguida pelo Governo e à sua inacção perante os escândalos e as ilegalidades que se multiplicam. A cegueira do défice – caso único na União Europeia – com a redução cega do investimento público, a paralisia de muitos serviços do Estado e a diminuição brutal do poder de compra dos portugueses com todas as consequências para o mercado interno, associado a um discurso catastrofista por meras razões de combate político-partidário levou o País a uma recessão nunca anteriormente vista. Não é pois de estranhar que Portugal lidere o aumento das falências na Europa, com o encerramento de 2980 empresas em 2003 (mais 42,4% do que em 2002) e já cerca de 400 este ano.

As gravíssimas consequências sociais da política do Governo estão à vista: de acordo com os dados do Instituto do Emprego e Formação Profissional, em Março passado o número de desempregados atingia já mais de meio milhão de trabalhadores, 9,2% da população activa. Desde a tomada de posse do Governo do PSD/CDS-PP o País tem tido uma média de 193 novos desempregados por dia com um cortejo de salários em atraso, de miséria, de novos milhares de pobres. A título de exemplo, só no Distrito de Aveiro o volume de salários em atraso é estimado em 15 milhões de euros.

E perante isto, o que faz o Governo? Nada ou pouco mais que nada. Limita-se a lamentar mas a dizer que são as regras das suas opções neo-liberais. O Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social põe aquele ar seráfico e compungido, distribui umas esmolas e vai dizendo que tudo isto é inevitável (menos para ele, seguramente). Só lhe falta dizer, como o presidente da Reserva Federal dos Estados Unidos, Alan Greenspan, que o desemprego “é um dano colateral secundário” das políticas económicas. E no meio disto tudo o que faz o Ministro da Economia? Ninguém sabe. Ninguém dá por ele a não ser quando o Primeiro-ministro o desautoriza retirando-lhe dossiers importantes como agora o da Galp sem que ele tenha a dignidade de se demitir. Ao fim de dois anos de governação descobriu que é necessário pôr a economia em movimento, através de mais uma mão cheia de promessas a somar às anteriores sem resultados visíveis. Entretanto as empresas nacionais são vendidas, deslocalizam-se e encerram em condições verdadeiramente intoleráveis como é o caso da Bombardier-Sorefame. Mas quantos mais exemplos têm vindo a público de patrões sem escrúpulos que mandam os trabalhadores para férias e quando estes regressam encontram a empresa encerrada e vazia? Dezenas. Só que o nosso Ministro da Economia olha impávido e sereno para a crise que se alastra, sem um movimento, sem uma iniciativa, sem uma palavra que questione o sagrado direito de propriedade e do patronato fazer o que quiser das suas empresas. É o mercado livre em funcionamento, diz o Ministro. Pois é, Sr. Ministro. É o mesmo mercado que o Senhor e o Governo liberalizaram em relação aos combustíveis com a promessa da diminuição dos preços e aí está o resultado: 8% a 9% desde o princípio do ano, numa prática concertada entre as Companhias petrolíferas sem qualquer intervenção do Governo ou da tão falada entidade reguladora. É uma vergonha. É a falência demonstrada das teses neo-liberais da liberalização dos mercados com a entrada do Estado na clandestinidade. É o mesmo mercado, Sr. Ministro, em que enquanto o povo aperta o cinto e milhares de pequenas e médias empresas vão à falência os grandes bancos privados aumentaram os lucros em mais 15% no primeiro trimestre deste ano, a fuga e a fraude fiscal continuam a constituir um escândalo e bancos há, como o BCP, que pagam apenas 5,2% de IRC. Mas nada o perturba, Sr. Ministro? Nada o inquieta?

É que não basta falar-se na necessidade de se aumentar a produtividade e a competitividade. São precisas medidas concretas que não passem pela diminuição dos salários e por mais despedimentos. É necessária uma visão estratégica da economia. Investir na melhoria da gestão das empresas e na formação dos recursos humanos, designadamente dos próprios empresários; no alargamento do mercado interno com o aumento do investimento público e a melhoria do poder de compra dos portugueses; no aumento do valor acrescentado das nossas produções; na consolidação da malha de pequenas e médias empresas; na procura de novos mercados.

Mas se ainda assim não sabe o que fazer sugiro-lhe quatro medidas concretas e imediatas: Primeiro – que o Estado penalize fiscalmente as vendas de empresas nacionais a estrangeiros através da aplicação de uma taxa especial sobre as mais valias resultantes da operação. Segundo – aprovem o nosso projecto de lei sobre a deslocalização de empresas que entregamos hoje mesmo na mesa. Terceiro – Use os poderes do Estado para intervir junto das empresas que encerram ou se deslocalizam fraudulentamente, avançando com processos cíveis e crime contra os seus proprietários e, se caso disso, assumindo o Estado, mesmo que transitoriamente a administração e gestão das respectivas empresas. Quarto – acabe ou no mínimo suspenda as privatizações.

Senhor Presidente,
Senhores deputados,

Estas são questões sérias que nos deveriam preocupar a todos sobretudo aqueles que enchem os discursos sobre a importância dos centros de decisão nacionais mas nada fazem para os manter em Portugal. Deixamos propostas. Só esperamos que o Governo e a maioria intervenham também de forma séria neste debate.

Disse.