A Europa veio a Lisboa
Isabel Araújo Branco
LISBOA - 24 de Maio


«Que os povos decidam o futuro da Europa». Os milhares de pessoas que encheram o Campo Pequeno, em Lisboa, no sábado passado, puderam ler esta frase em diversas línguas. Mais do que isso, puderam manifestar a sua vontade de mandar nos seus destinos e reivindicar uma União Europeia de progresso social, paz e cooperação conjuntamente com representantes de 14 partidos de 10 países. Uma jornada de luta e de solidariedade internacional a demonstrar que a esquerda europeia está viva e cada vez mais forte.

Porque a união faz a força, milhares de pessoas juntaram-se em Lisboa, no sábado, exigindo a criação de novos postos de trabalho, a manutenção dos direitos conquistados, o aumento dos salários e a diminuição dos horários de trabalho. Com os mesmos objectivos irá decorrer em Madrid, no início de Julho, o «Encontro das Forças Progressistas de Esquerda da Europa».

As preocupações passam pela necessidade de um desenvolvimento económica e ecologicamente equilibrado, pelo bem estar geral das populações, pelo diálogo entre cidadãos e governos, por um referendo à revisão do Tratado de Maastricht e à moeda única, a travagem do reforço da Nato.

Como disse Carlos Carvalhas na sua intervenção, os manifestantes vieram a Lisboa afirmar que «o caminho da modernidade e do progresso, não é entrar no século XXI com o cortejo das chagas sociais e com as conquistas e direitos dos trabalhadores ao nível do princípio do século, mas sim lutar por avanços de civilização, pela construção de uma nova sociedade num projecto humanista, enriquecido e renovado que acolha o melhor do património já conquistado pelo movimento popular e que esteja aberto para as necessidades que o devir histórico seguramente trará.»

Apresentado por Ruben de Carvalho, membro do CC do PCP, o comício iniciou-se com uma saudação de Albano Nunes, do Secretariado do CC, a quantos «vieram a Lisboa para partilhar connosco reflexões, experiências de luta e propostas para combater o desemprego, defender direitos e conquistas sociais alcançadas por décadas de dura luta, construir uma Europa de progresso social, paz e cooperação».

Como sublinhou Albano Nunes, «a sua presença entre nós representa por si só um valioso estímulo à luta dos comunistas e dos trabalhadores portugueses», e significa sobretudo, que o que nos une é muito mais forte do que aquilo que possa separar-nos. Uma realidade que radica no facto de todos estarem «animados de uma vontade comum: dar resposta ao flagelo do desemprego e outros gravíssimos problemas sociais que percorrem todos os países da União Europeia, abrir caminho a alternativas de progresso social, reforçar a nossa cooperação e solidariedade.»

Catorze partidos de dez países diferentes participaram no comício, conscientes de que para problemas comuns há que encontrar respostas e formas de luta comuns. As intervenções, lidas em português por Fernanda Lapa e Cândido Mota, encontraram eco no entusiasmo dos milhares de manifestantes que transformaram a jornada de luta numa verdadeira festa de solidariedade internacional. Uma festa que começou ao som vibrante dos foguetes e continuou com o ribombar das caixas e bombos que pontuaram cada intervenção.

E não foram apenas portugueses que ouviram e aplaudiram os seus representantes. Grupos de espanhóis, italianos e alemães também se deslocaram a Portugal para lutar por objectivos que são de todos os europeus. O número de bandeiras vermelhas desfraldadas a par de outras unitárias era incontável.

Isso mesmo nos disse o primeiro espanhol que encontrámos: «Vim aqui hoje por causa desta iniciativa das esquerdas europeias, das esquerdas transformadoras, algo muito importante no contexto da política geral que está em curso. É necessário que haja uma espécie de frente comum a nível europeu.»

O seu filho, um estudante de 20 anos, apela também à união: «As perspectivas dos jovens são muito negras, muito escuras. A juventude comunista tem de se unir agora, não mais tarde. Se não fizermos nada agora, quando faremos?»

A mesma opinião tem outro jovem, este português, de 25 anos, empregado no Arsenal do Alfeite: «Os jovens podiam desempenhar uma papel mais importante, se fossem mais informados. Os mass media não informam muito ou tentam camuflar o que se passa na realidade. Além disso, a maioria dos jovens têm medo de se sindicalizar especialmente os que estão a contrato ou que trabalham em empresas pequenas.» Quanto ao comício, diz que «esta é uma inicitaiva simbólica, mas devia ser muito mais abrangente».

Mais de 20 milhões de desempregados

O emprego é uma das principais preocupações de todos os europeus, e dos portugueses em particular. Oficialmente existem 20 milhões de desempregados na União Europeia e a tendência é para aumentar. Nestes números não estão incluídos aqueles que trabalham temporariamente, em empregos instáveis e precários. Grande parte deste grupo é constituído por jovens e mulheres.

É por isso que Manuel Pereira, pai de dois filhos, um deles desempregado e outro em vias de o ser, veio ao comício internacional. «Estou aqui pelos meus filhos e contra o desemprego em geral. Este é um meio para tentarmos modificar alguma coisa, com a luta de todos os camaradas presentes. O Governo não dá apoio à maior parte dos jovens, em vez de os ajudar ajudar cada vez os atraiçoa mais», acusa.

Augusta Silva, actualmente a trabalhar como empregada doméstica, também refere o Governo como responsável pela actual situação. «O senhor engenheiro Guterres fez o favor de prometer coisas e não está a cumprir.» «Nós viemos do Porto para lutar contra o desemprego e o custo de vida, e com toda esta gente dá mais gosto, mais vontade de vir», acrescenta.

Assunção Almeida, de 47 anos, sublinha as dificuldades que se levantam àqueles que lutam. «É difícil os trabalhadores estarem mobilizados, porque há muita repressão nas empresas. As perdas de direitos têm sido muitas e as pessoas têm muito medo de perder o emprego», diz.

«O internacionalismo é fundamental»

Segundo todos os nossos entrevistados, a saída deste problema só será possível com uma alternativa ao neoliberalismo e às políticas de direita. Uma batalha em que a solidariedade dos povos deve desempenhar um papel importantíssimo.

Nas bancadas do Campo Pequeno encontrámos Oliviero di Liberto, presidente do grupo paralmentar da Refundação Comunista (Itália), que partilha essa opinião: «O internacionalismo é fundamental no nosso mundo. A situação é muito difícil, mas vamos vencer com a unidade dos trabalhadores.»

Um outro cidadão de Itália acrescenta que «duas das medidas concretas para resolver pelo menos parcialmente este problema é a redução dos horários de trabalho e a paridade de salários. Esta luta será eficaz através de movimentos nacionais muito fortes, mas também com uma interajuda do movimento operário a nível europeu. Iniciativas como esta ajudam a esquerda de toda a Europa a prosseguir as suas batalhas por causas e objectivos comuns.»

A defesa dos trabalhadores foi o principal objectivo deste metting. «Este tipo de iniciativa é muito recente, mas mostra acima de tudo que a união é muito importante contra o federalismo», afirma Daniel Santana, de 21 anos, estudante de História de Arte. Os problemas são muitos e entre eles está a xenofobia: «Há muitos exemplos de racismo. Os países barram a entrada aos imigrantes, agem contra eles de várias formas. Em toda a Europa assistimos a isso: na Alemanha, na França, em Portugal há muitas vítimas de racismo.»

Quanto ao seu futuro, Daniel reflecte uma preocupação partilhada por milhões de outros estudantes: «Estou num curso em que no fim não há perspectivas, não há apoios nenhuns. O mercado de trabalho, no que diz respeito ao ensino por exemplo, está muito preenchido. Não há vias para quem quer seguir o caminho da investigação ou da museografia. A realidade é que não há saídas para isso. Por isso, sabemos há partida que estamos muito limitados em termos de emprego», explica.

Como afirmou Albano Nunes, este Comício Internacional de Lisboa constituiu uma «clara confirmação de que há forças empenhadas na luta, de que é possível inverter num sentido progressista o rumo de uma "construção europeia" dominada pela lógica do grande capital», e projecta «um novo e forte sinal de confiança num futuro melhor.»

Ao som da Internacional, do «Avante!» e de «Unidos Venceremos!» - que muitos ouviram com emocionadas lágrimas nos olhos - partiram com novo ânimo para a luta de todos os dias. O próximo encontro ficou marcado para Madrid.