Sobre a reunião do Comité Central
Declaração de Carlos Carvalhas, Secretário-geral do PCP
20 de Outubro de 2003

 

O Comité Central do PCP reunido a 20 de Outubro, tem procedido a uma avaliação da situação política nacional e internacional, marcada a nível interno por novos e perigosos desenvolvimentos da política do governo contra direitos e conquistas socais e no plano externo pela escalada agressiva do imperialismo, e à definição das principais tarefas e acções destinadas a dinamizar a actividade partidária e o desenvolvimento da luta e resistência necessárias para enfrentar a ofensiva em curso e para assegurar a interrupção e substituição, tão cedo quanto possível, deste governo e da sua política.

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O PCP considera dever apelar para uma desperta e aguda consciência por parte dos trabalhadores e de todos os democratas das devastadoras consequências sociais, económicas e políticas do prosseguimento da política do governo da direita.

O Comité Central tem salientado ainda que é no quadro de uma ofensiva global e da grave crise política, económica e social que recentes desenvolvimentos, pela sua repetição e amplitude assumem extrema gravidade para o regime democrático: crise governativa com demissões sucessivas de membros do Governo envolvidos em actos incompatíveis com os mais elementares princípios éticos, desprestigio das instituições (em que avulta o processo da Casa Pia), enfraquecimento do aparelho produtivo com uma continuada política de privatizações de importantes empresas para a economia portuguesa num quadro de recessão e de atraso na retoma, insistência em medidas e projectos de natureza inconstitucional incluindo projectos de revisão constitucional que representariam a completa subversão do regime democrático e constitucional, confirmação de uma política de submissão ao imperialismo e de hipoteca da independência nacional.

Relativamente ao processo Casa Pia, o Comité Central do PCP não pode deixar de considerar preocupante o clima de crescente descrédito institucional que se vem instalando na sociedade portuguesa, contribuindo para secundarizar importantes e graves problemas que atingem diariamente a vida dos portugueses e obscurecer as responsabilidades do Governo e da política por si prosseguida.

O Comité Central apela à contenção, responsabilidade e estrito cumprimento da legalidade por todas as partes envolvidas no processo e reitera a exigência do total apuramento da verdade e das responsabilidades criminais no respeito pelas liberdades, direitos e garantias dos cidadãos.

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Após a aprovação do denominado Código do Trabalho que comporta, já, sérias limitações a direitos individuais e colectivos dos trabalhadores, o Governo encetou a segunda fase do pacote laboral pela via de regulamentação das matérias ainda em aberto no código onde, para além de querer desvalorizar o Salário Mínimo Nacional, desproteger mais os créditos e os direitos dos trabalhadores nos casos de interrupção de actividade da empresa e não corrigir a situação dos acidentes de trabalho, persiste numa linha de ataque aos seus direitos colectivos. Após as limitações à lei da greve e da contratação colectiva expressas no código, o Governo avança agora com graves propostas de limitação dos direitos das comissões de trabalhadores e da actividade sindical. Não é por mera coincidência que o ataque é desferido com mais violência contra estes quatro direitos que a par do direito à segurança no emprego são os elementos constitutivos da constituição laboral consagrados no capítulo dos Direitos, Liberdades, e Garantias.

Em relação à Administração Pública, a chamada reforma proposta pelo Governo, para além de colocar como questão central a privatização de serviços públicos e funções sociais do Estado, confirma os alertas feitos pelo PCP de que o pacote laboral teria, directa ou indirectamente, aplicação à Administração Pública, nalguns casos de forma mais agravada, designadamente em relação aos trabalhadores com contrato individual de trabalho.

É neste quadro que o Governo avança com alteração aos subsídios de doença e de desemprego alterando critérios que visam prejudicar a maioria dos trabalhadores nesta situação.

O desemprego continua a atingir centenas de milhar de trabalhadores agravado recentemente com a não colocação de dezenas milhar de professores, e o anúncio recente de milhares de despedimentos na Administração Pública, na EDP e em muitas outras empresas.

O Comité Central do PCP considera que perante o grau e a dimensão desta ofensiva anti-social urge criar condições para a mobilização dos trabalhadores e avançar com o desenvolvimento da luta.

As lutas entretanto realizadas ao nível de empresas de que são exemplo a Carris, os CTT, a Lisnave, a Gestenave, as OGMA, e no sector ferroviário, nos serviços de identificação e notariado registaram uma adesão que ultrapassando expectativas e previsões confirmam as possibilidades de ampliar e tornar mais expressiva a corrente de resistência à política do Governo.

O PCP apela a todas os seus militantes e aos trabalhadores para participarem activamente na preparação e realização da jornada de luta do dia 30 de Outubro convocada e organizada pela CGTP-Intersindical Nacional, e anuncia que lançará a partir da última semana de Outubro uma campanha de esclarecimento e denúncia sobre a política do Governo, as suas consequências e a necessidade de a combater e derrotar.

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A par da acção contra os trabalhadores e os seus direitos o Governo prossegue uma ofensiva no sentido de impor a limitação ou amputação de direitos sociais, novas restrições no acesso à saúde e à educação, a redução de serviços públicos essenciais e a sua privatização.

Na política educativa o governo vem acentuando a selectividade no acesso e na diferenciação, desde muito cedo, de percursos educativos de acordo com a classe social de origem, com o abandono da perspectiva de que uma formação básica mais sólida e prolongada são factores essenciais para o desenvolvimento económico sustentável de que o País carece.

Esta errada orientação é evidente na prática corrente da política prosseguida pelo Ministério de Educação , em legislação já aprovada e noutra que se anuncia como a da alteração da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE).

Num quadro de evidente isolamento do governo no debate em curso sobre a LBSE seria grave que o PS, a pretexto de alguns recuos pontuais, viesse a "legitimar" um ajuste de contas da direita com uma lei da qual não tem resultado nenhuma das dificuldades com que o sistema educativo e a Educação se confrontam, e que a ser revista no sentido que o actual governo pretende corresponderia à eliminação das condições que garantem o direito constitucional à Educação.

As movimentações estudantis no ensino superior, são expressão da discordância face à Lei de Financiamento do Ensino Superior e ao diploma de Autonomia e Gestão das Escolas. O Comité Central saúda as lutas em curso de milhares de estudantes que em todo o país contestam o brutal aumento das propinas e exigem a revogação da Lei de Financiamento do Ensino Superior.

É particularmente grave que o Governo tenha suscitado o aumento das propinas e depois remetido a sua fixação para a direcção das instituições.

Na política de saúde prossegue a maior ofensiva de sempre contra os serviços públicos. Após anos de degradação do Serviço Nacional de Saúde, mercê das políticas de sucessivos governos, o Governo PSD/CDS-PP procura apresentar como inevitáveis a crescente entrega do sector aos grupos privados, a degradação dos serviços, o aumento dos gastos da população, as crescentes dificuldades de acesso aos cuidados de saúde ou a precarização e diminuição de direitos dos trabalhadores.

Durante o mandato deste governo agravaram-se os problemas já existentes com sérios prejuízos para os portugueses. Aumentaram as listas de espera para cirurgias, que devem abranger já cerca de 150 mil pessoas. Agravam-se as dificuldades para aceder a consultas de especialidade, a tratamentos vários ou para ter médico de família. Mantêm-se as deficiências na organização e funcionamento dos serviços e a falta de humanização das condições de atendimento. Mantém-se a ausência de medidas para contrariar a gravíssima situação da crescente falta de profissionais, com destaque para enfermeiros e médicos.

Na área dos medicamentos com a introdução de medidas para aumentar a utilização de medicamentos genéricos, há muito defendida pelo PCP, o Governo impôs aos utentes um injusto sistema de preço de referência. Muitos milhares de portugueses são assim obrigados a suportar do seu bolso um aumento real do preço que corresponde à diferença da comparticipação, caso o médico não aceite receitar genéricos.

A par disto o governo alargou o número de actos sujeitos a pagamento nos serviços de saúde (de 140 para 360) e aumentou entre 30% e 40% as taxas moderadoras para as consultas e urgências penalizando especialmente o acesso aos serviços públicos dos sectores mais desfavorecidos.

Prossegue a imposição de uma gestão economicista nas unidades de saúde, em especial nos hospitais públicos destinada a abrir caminho a uma cada vez maior entrada do capital privado no negócio da saúde à custa do orçamento de Estado.

O CC do PCP alerta para a extrema gravidade da política de saúde em curso e os seus efeitos na destruição do direito à saúde dos portugueses e apela a uma indispensável mobilização de populações e trabalhadores, no sentido de travar e fazer retroceder esta ofensiva.

No Ano Europeu das Pessoas com Deficiência, agrava-se a sua situação, sofrendo de forma agravada os efeitos da crise económica e social e da política do Governo, designadamente no desemprego, nas pensões degradadas e de outros apoios sociais, na destruição da educação especial e do ensino inclusivo e na manutenção de inaceitáveis discriminações e violações dos seus direitos e da sua dignidade.

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Uma primeira análise da proposta de Orçamento de Estado para 2004, confirma a manutenção da política de submissão cega aos ditames do Pacto de Estabilidade e Crescimento com graves prejuízos para o País. Acentua-se uma política de manutenção dos benefícios dos grandes grupos económicos e de graves prejuízos para os trabalhadores, os reformados, os pequenos empresários e as camadas mais desfavorecidas da população.

À semelhança de anos anteriores, o Governo propõe-se reduzir os salários reais dos trabalhadores da administração pública, o que condicionará igualmente os salários do sector privado, agravando a situação de quem trabalha, diminuindo o seu poder de compra e degradando as condições de vida da generalidade dos portugueses.

Agrava-se a situação de injustiça fiscal no País, e mantêm-se a grave situação da fraude e evasão fiscal. Tal como no ano corrente, o Governo propõe um novo agravamento real do IRS pago pelos trabalhadores ao mesmo tempo que diminui a taxa de IRC, que é já uma das mais baixas da União Europeia, de 30% para 25%.

E o Governo, que poderia ter limitado a descida da taxa do IRC às pequenas empresas, propõe ainda alterações no Pagamento Especial por Conta (do IRC) apenas favoráveis às grandes empresas, mantendo benefícios fiscais de dezenas de milhões de contos para o capital financeiro e especulativo e para o offshore da Madeira.

Acentua-se a diminuição do investimento público, especialmente grave no momento da crise económica que o País atravessa e com consequências directas no aumento do desemprego e na paralisação da construção e reparação de infra-estruturas básicas para o país e para as populações. A par de uma quebra global de 6,2 no PIDDAC, salienta-se a diminuição do investimento em mais de 20% nos Ministérios da Saúde, da Educação, da Ciência e Ensino Superior, da Justiça e da Segurança Social e do Trabalho.

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O Comité Central do PCP renova a sua viva oposição ao projecto de novo Tratado para a União Europeia elaborado pela «Convenção», que servirá de ponto de partida para os trabalhos da Conferência Intergovernamental (CIG), iniciada a 4 de Outubro.

O Comité Central do PCP insiste na denúncia do uso mistificatório dos conceitos de «constituição» e «tratado constitucional» para o que nunca poderá ser mais que um (mau) Tratado que reformula e substitui os anteriores tratados, até hoje base jurídica da União Europeia. O Comité Central insiste na sua oposição ao referido projecto de novo Tratado pela forma como foi elaborado e pelo seu conteúdo incompatível com a Constituição da República. Em particular, são completamente inaceitáveis:

O Comité Central do PCP repudia a inadmissível chantagem e humilhante pressão feita por algumas grandes potências (França e Alemanha) sobre Estados independentes e soberanos em vésperas da CIG, tentando condicionar a legítima e soberana intervenção destes na CIG, com a ameaça de que a continuidade dos fundos estruturais ficava condicionada à não perturbação dos equilíbrios e consensos contidos no projecto de tratado elaborado pela Convenção e aprovado na Cimeira de Salónica. É totalmente inadmissível a ausência de qualquer protesto público do Governo português relativamente a essas declarações.

Reafirmando as posições expressas pela sua Comissão Política, o Comité Central do PCP sublinha que, relativamente à importante questão do projecto de novo Tratado de integração europeia, a maior urgência está no desenvolvimento de um vasto movimento de opinião, esclarecimento e luta visando condicionar e impedir a vinculação do Governo durante a Conferência Intergovernamental às orientações que estão ensejadas.

O Comité Central do PCP reafirma, entretanto, a indispensabilidade, se como é previsível as principais orientações de fundo do projecto de novo tratado não forem anuladas, da realização em Portugal de um referendo em torno desta matéria, em data e com pergunta(s) que permitam aos portugueses pronunciar-se de forma esclarecida sobre o que efectivamente está em causa, e obrigatoriamente sempre antes da ratificação pela Assembleia da República, e de qualquer condenável tentativa de «adaptação» da Constituição portuguesa ao novo tratado.

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O Comité Central, no âmbito do movimento geral de reforço da organização partidária “Sim, é possível! Um PCP mais forte”, salienta o importante êxito da campanha de recrutamento de 2000 novos militantes decidida na Conferência Nacional até à Festa do Avante deste ano. A adesão ao Partido, no âmbito desta campanha, de 2040 novos militantes, mais de 40% dos quais com menos de 30 anos, revela a capacidade de atracção do Partido e proporciona novas forças na acção militante que é indispensável aproveitar plenamente assegurando a sua integração e responsabilização na organização partidária.

Na actual situação, face à ofensiva do Governo PSD/CDS-PP, a que em vários aspectos essenciais o PS se tem associado, o PCP desempenha um papel insubstituível, na dinamização da luta pela resolução dos problemas dos trabalhadores e de outras camadas da população, no alargamento da resistência popular de modo a contribuir para que, tão cedo quanto possível, o governo seja derrotado e sejam criadas condições para a sua substituição por uma política e uma alternativa que rompa com a política de direita das últimas décadas e dê resposta à exigência de um Portugal mais justo e mais desenvolvido.

O Comité Central apela às organizações e militantes para que, prosseguindo uma intervenção ímpar, se empenhem no desenvolvimento da acção partidária a todos os níveis, em profunda ligação com os trabalhadores, com a juventude, com o povo português. O CC, salienta no contexto actual, entre outras, como áreas e iniciativas importantes da intervenção partidária para os próximos tempos:

No âmbito das acções de reforço do Partido o Comité Central destaca após o êxito da campanha de difusão do Avante e da campanha de recrutamento e a par de outras linhas de trabalho, a necessidade de dar atenção à realização das Assembleias das organizações (com destaque para as organizações de base), à responsabilização de quadros, à acção para o reforço do Partido nas empresas e locais de trabalho e ao prosseguimento da difusão da imprensa partidária.

O CC, coloca como prioridade dos próximos meses, a concentração de atenções na acção nacional de contacto com os membros do Partido (para o esclarecimento de situações, actualização de dados e contactos e elevação da participação na vida partidária) e na campanha nacional de fundos “Um dia de salário para o Partido”, acções determinantes e estruturantes de múltiplos aspectos do reforço do Partido e sublinha a necessidade da intervenção de todo o Partido e da mobilização de quadros e meios para que estas importantes acções sejam concretizadas com êxito.

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O PCP alerta para que o essencial da acção e orientações do governo PSD-CDS/PP correspondem a um projecto global que, além de não dar solução aos problemas de fundo do país e da sociedade portuguesa, visam premeditadamente impor intoleráveis retrocessos sociais, golpear e liquidar direitos essenciais conquistados pelos trabalhadores na sequência da revolução de Abril, atacar importantes conquistas sociais, subverter importantes componentes da democracia política e reconstituir um poder absoluto do grande capital e dos seus privilégios, tudo ao serviço de uma grave desfiguração do regime democrático-constitucional.

O PCP reafirma o seu profundo compromisso de tudo fazer para que, como é do interesse da democracia e do país, pelo desenvolvimento do descontentamento e da luta popular e pela desejável acção convergente de todas as forças de oposição, este Governo e a sua política sejam derrotados e substituídos o mais depressa que for possível e se abra a perspectiva de uma nova política sustentada por uma alternativa de esquerda com a indispensável e insubstituível contribuição do PCP.

O PCP não desconhece as dificuldades que rodeiam os grandes combates sociais e políticos que é indispensável travar para resistir à ofensiva destruidora do governo da direita e para abrir um outro horizonte de esperança e de mudança na vida política nacional.

O PCP salienta porém que, vencendo a resignação e rejeitando falsas fatalidades, é possível afirmar na sociedade portuguesa a razão e a vontade democráticas de dar ao país um rumo de progresso, desenvolvimento, justiça social e plena democracia.