Comunicado do Comité Central do PCP

13 e 14 de Abril de 2002

 

1. O Comité Central do PCP analisou o novo quadro político decorrente das eleições legislativas e da formação do Governo do PSD e do CDS-PP.

A constituição e estrutura do Governo conjugadas com a primeiras declarações dos novos governantes permitem já antever, com clareza, alguns dos traços fundamentais da política de direita e confirma as preocupações oportunamente manifestadas pelo PCP face aos resultados eleitorais e suas consequências para o povo português e para o país.

Apesar de ainda não ser conhecido o Programa do Governo, que estará em apreciação na Assembleia da República na próxima semana, é já visível a intenção de prosseguir com uma política orçamental fortemente restritiva direccionada particularmente contra os salários dos trabalhadores da Administração Pública (mas com a óbvia consequência de procurar condicionar os aumentos salariais no restante sector público e no sector privado) e para cortes em despesas sociais impondo novas perdas de poder de compra e pesados sacrifícios que atingirão as camadas mais desfavorecidas. Simultaneamente, surge com mais visibilidade a intenção de acelerar e agravar as privatizações tanto no sector público como nos serviços públicos e funções sociais do Estado particularmente nas áreas da Saúde, da Segurança Social, do Ambiente e Saneamento, dos Transportes.

A dramatização feita por Durão Barroso na tomada de posse do Governo em torno da "crise financeira e orçamental", tornada "a questão central da governação", visa objectivos bem claros: fazer passar a ideia da necessária segmentação da legislatura em dois períodos. O primeiro até 2004, em que se trataria de equilibrar as contas públicas; o segundo até 2006, ano de novas eleições, para concretizar "o projecto de desenvolvimento e progresso", ficando assim encontradas as razões para não cumprimento no imediato, das promessas que engrossaram a demagogia eleitoral do PSD e CDS/PP atirando-as para as calendas, para quando já ninguém se lembrar. Simultaneamente, a dimensão dramatizada da "crise" destina-se a criar um ambiente psicológico e uma opinião pública que preparem e facilitem a aceitação passiva por parte dos trabalhadores e camadas de baixos recursos de medidas impopulares e pesados sacrifícios que também não deixariam de atingir sectores das camadas intermédias, e designadamente os micro, pequenos e médios empresários. Medidas que, no contexto dos desequilíbrios económicos que o País atravessa, sejam a contrapartida à manutenção e, se possível, à expansão dos lucros e rendimentos dos grandes grupos económicos e financeiros.

O Comité Central considera que seria ilusório esperar que contradições e dissenções entre o PSD e o CDS-PP, só por si, sejam obstáculos ou limitem temporalmente a existência do Governo e a execução da sua política de direita, num quadro em que seguramente os grandes grupos económicos, financeiros e seguradores exigirão ver satisfeitos os seus objectivos claramente manifestados antes das eleições legislativas.

Um seguro indício de que serão satisfeitas as suas pretensões foi a significativa presença ao mais elevado nível da alta finança (BES, BCP, etc.) no acto da tomada de posse do Governo, e sua representação directa no novo Executivo. Quando se vê, e apenas como referência aos casos mais visíveis, na Pasta da Saúde um quadro destacado do Grupo Mello para os negócios da saúde, no Ministério do Trabalho e da Segurança Social o representante dos interesses e pontos de vista das seguradoras na elaboração do Livro Branco da Segurança Social, e na Secretaria de Estado do Ordenamento do Território o advogado de uma das maiores empresas portuguesas de construção, bem se pode dizer que os grupos de interesses, que Durão Barroso prometia combater, assentaram arraiais no Governo.

O Comité Central do PCP sublinha que as orientações do governo favoráveis ao grande capital com forte incidência nas áreas económicas e sociais terão o seu mais firme combate e oposição em todos os planos da sua intervenção política com a convicção de que encontrarão na resistência e na luta a expressão do descontentamento social que inevitavelmente produzirão.

Mantendo-se válidas e actuais as causas, valores e propostas do PCP expressas na batalha eleitoral das legislativas, o Comité Central valoriza a apresentação feita pelo Grupo Parlamentar de importantes projectos-lei e iniciativas sobre o aumento do salário mínimo nacional e a actualização das pensões mínimas de invalidez e velhice, a redução progressiva do horário normal de trabalho para as 35 horas, a tributação das mais valias nos impostos, a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, a criação de Autoridades Metropolitanas de Transportes nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto e a proposta de agendamento de um debate de urgência sobre a situação no Médio Oriente.

Entretanto, a par do previsível desenvolvimento da política de direita, mantêm-se e agravam-se os problemas sociais, sendo de destacar as ameaças que decorrem para os postos de trabalho de milhares de trabalhadores, designadamente nos Estabelecimentos das Forças Armadas, em empresas têxteis e dos lanifícios e os bloqueios patronais nas negociações salariais.

A decisão dos trabalhadores de diversos sectores de encetar a luta na defesa dos seus direitos e dos seus salários, designadamente em sectores e empresas das Indústrias e Energia Eléctricas, Seguradoras, Têxteis e Vestuário, Hotelaria e Alimentar, no sector Ferroviário, Rodoviário e Fluvial e nos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, demonstra que há condições para o seu desenvolvimento.

2. O Comité Central sublinha a importância e o significado das comemorações do 25 de Abril e do 1º de Maio.

Vinte e oito anos passados sobre a data histórica que pôs fim ao fascismo, instituiu a liberdade e a democracia e proporcionou aos trabalhadores e ao povo conquistas políticas, económicas, sociais e culturais de relevante alcance (muitas das quais, entretanto destruídas, no todo ou em parte, pela política de direita),os ideais e os valores de Abril permanecem actuais e constituem componentes essenciais da política de esquerda de que Portugal e os portugueses necessitam.

Na situação actual, em que sobre os direitos e interesses dos trabalhadores, do povo e do país pesam novas ameaças, a necessidade da continuação e intensificação da luta dos trabalhadores e de todos os que são atingidos pela política de direita, emerge como questão fundamental.

O Comité Central apela a todos os militantes comunistas, aos trabalhadores em geral, aos homens, mulheres e jovens que se identificam com os valores de Abril e persistem na luta por uma política de esquerda para que participem nas manifestações que, por todo o país, assinalarão o 25 de Abril e considera que no actual contexto político e social as comemorações do 1º de Maio convocadas e organizadas pela CGTP-IN assumem uma grande importância, apelando igualmente aos militantes e organizações do Partido para o seu empenhamento, mobilização e participação transformando-as numa grande afirmação em defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores portugueses, do progresso e da justiça social.

3. O Comité Central sublinhou a gravidade extrema da situação no Médio Oriente e a urgente necessidade de obrigar o governo de Israel/Sharon a pôr termo à sua criminosa ofensiva contra o povo palestiniano que, na sua própria terra, está a ser vítima da mais brutal e desumana perseguição. É necessário e urgente forçar o governo israelita a respeitar os direitos humanos e a legalidade internacional, a pôr termo à utilização de métodos de ocupação, repressão e extermínio, a acabar com a brutal ofensiva contra a Autoridade Nacional Palestiniana e o intolerável cerco ao Presidente Yasser Arafat, a retirar de todas as povoações e territórios ilegalmente ocupados, a conformar-se com as resoluções da ONU.

O Comité Central reitera o firme apoio dos comunistas portugueses à justa causa nacional do povo palestiniano e à sua heróica luta, dirigida pela OLP, contra o ocupante israelita e pela instauração do seu próprio Estado independente e soberano com capital em Jerusalém-Leste. O PCP fará tudo o que estiver ao seu alcance, tanto ao nível de mobilização popular como nas instituições, para parar a agressão israelita tendo já apresentado uma proposta de um debate de urgência na Assembleia da República sobre esta matéria.

O Comité Central considera necessário que, pondo definitivamente fim a hesitações e ambiguidades, o governo português, de acordo aliás com a Constituição Portuguesa que explicitamente condena o colonialismo e o imperialismo, tome medidas políticas e diplomáticas que pressionem Israel a parar com os seus crimes e a respeitar a legalidade internacional. Considera também necessário que a União Europeia, ao contrário do que, uma vez mais, ocorreu na reunião "quadripartida" de Madrid com Colin Powel, acabe com a humilhante sujeição aos EUA e, nomeadamente, suspenda o acordo de associação com Israel, como defende uma resolução recente do Parlamento Europeu.

O Comité Central alerta o povo português para os perigos de alastramento do conflito no Médio Oriente, tanto mais que os EUA não escondem as suas ambições de domínio da região e proclamam novos projectos de agressão e guerra contra o Iraque e outros países. Uma paz justa e duradoura no Médio Oriente só será possível com o respeito e a garantia dos direitos nacionais do povo palestiniano, com a aplicação das resoluções 242 e 338 e outras resoluções pertinentes do Conselho de Segurança da ONU.

Valorizando as iniciativas, concentrações e manifestações de solidariedade que têm tido lugar em Portugal, o CC do PCP apela aos trabalhadores, à juventude, ao povo português, a todos os democratas e defensores da paz para prosseguirem e intensificarem o movimento de solidariedade com o povo palestiniano assim como com todas as forças de paz que em Israel erguem a sua voz e para que seja posto termo imediato à revoltante escalada de agressão do governo israelita.

O Comité Central salienta também o grande significado e importância dos recentes acordos de paz alcançados em Angola, saúda o MPLA e o povo angolano, ao qual deseja os melhores sucessos no caminho da consolidação da paz, da reconstrução nacional e do desenvolvimento.

O Comité Central condena firmemente a tentativa de golpe de Estado na Venezuela contra o governo legítimo do Presidente Hugo Chávez e expressa a solidariedade dos comunistas portugueses ao povo, aos patriotas e revolucionários venezuelanos na sua luta contra a reacção interna e as ingerências do imperialismo e por uma Venezuela livre, independente e progressista.

4. O Comité Central, nos termos do artº 30º dos Estatutos, convoca em definitivo para 22 de Junho a Conferência Nacional sobre o novo quadro político e tarefas para o reforço da intervenção e influência do Partido e sublinha a importância central desta iniciativa no actual momento da vida do Partido como espaço e processo de debate democrático entre os militantes e de apuramento de conclusões que permitam enfrentar com êxito os desafios que estão colocados ao PCP.

Exercendo as suas competências estatutárias, o Comité Central debateu e aprovou o regulamento da fase preparatória da Conferência, abrangendo designadamente as principais questões relativas ao debate nas organizações e à eleição de delegados.

Com a finalidade de apoiar o período inicial de debate, o Comité Central aprovou também, na generalidade, uma Nota de Trabalho que, a título meramente indicativo e sem nenhum prejuízo para a integral liberdade de opinião dos militantes, elenca um conjunto de temas e questões que considera úteis para a reflexão individual e colectiva no quadro da preparação da Conferência Nacional.

Na sua próxima reunião de 11 de Maio, e tendo em conta indicações e contribuições que resultem do período inicial de debate, o Comité Central deverá aprovar um projecto de Resolução da Conferência que será então submetido a debate em todas as organizações do Partido.

O Comité Central aprovou também a realização, inserida no trabalho de preparação da Conferência, de um conjunto de debates temáticos que contribuam para o aprofundamento do conhecimento da realidade nacional e permitam favorecer a mobilização da reflexão de membros do partido sobre importantes temas, tais como a democracia e o regime democrático - participação popular, eleições e comunicação social; aspectos da realidade social portuguesa; os direitos dos trabalhadores e outros direitos sociais; defesa de conquistas civilizacionais e luta por novos direitos; sector público, serviços públicos e funções sociais do Estado; comunicação e luta das ideias - formas e meios de intervenção; o mundo no início do séc. XXI e as novas exigências que coloca à acção dos comunistas.

O Comité Central decidiu ainda que, para além do normal acompanhamento noticioso da preparação da Conferência, o "Avante!" criará - em princípio, a partir da sua edição de 25/4 - um espaço destinado à publicação de textos com opiniões, reflexões e contribuições diversificadas dos militantes em torno do tema da Conferência.

O Comité Central renova o seu vivo apelo para que todos os membros do Partido participem no debate democrático interno que preparará a Conferência, e que importa que seja pautado pela seriedade e respeito mútuo, contribuindo com a sua opinião e reflexão para orientações e decisões à altura das necessidades da intervenção e afirmação do PCP na vida nacional.

5. O Comité Central, no quadro do desenvolvimento das conclusões da sua reunião de 20 de Março, destaca os seguintes aspectos:

O Comité Central apela a todos os militantes e organizações, para uma acção decidida na resposta e iniciativa sobre os problemas do país e das áreas em que actuam, para uma intervenção determinada e confiante na concretização das tarefas e iniciativas previstas para o reforço do Partido e da sua intervenção.

6. O Comité Central do PCP analisou e debateu aspectos da vida e situação partidária tendo constatado a deliberada atitude de alguns membros do Partido que, explorando compreensivas insatisfações com os resultados eleitorais e naturais preocupações e inquietações, têm vindo a insistir, na base de repetidas declarações públicas e de promoção de acções e iniciativas desenvolvidas à margem do Partido, numa espiral de confrontação com a base programática, ideológica e os princípios orgânicos do PCP. O Comité Central do PCP salienta que, muito mais do que a expressão pública de opiniões divergentes, se trata de uma tentativa premeditada de procurar impor na prática o que a vontade dos militantes do Partido sempre recusou em sucessivos Congressos: a constituição de fracções organizadas dentro do Partido, dotadas dos seus próprios porta-vozes e agindo coordenadamente com os seus próprios objectivos políticos contrapostos aos democraticamente decididos pelo colectivo partidário. Mostrando um profundo desprezo pelo trabalho e a vontade de muitos milhares de militantes e pelas decisões democráticas e soberanas do XVI Congresso estes membros do Partido tornam claro que as únicas regras de funcionamento que aceitarão serão as que forem ditadas por si.

O Comité Central do PCP não pode deixar de registar que, alguns membros do Partido que se procuram apresentar preocupados com o alegado "definhamento" do PCP, contribuíram para uma deliberada desmobilização de muitos eleitores para o voto na CDU, persistindo numa acção de degradação pública da imagem do Partido que, não contribuindo para resolver qualquer problema, se tem traduzido em sérios prejuízos para o Partido. São os que repetida e infundadamente insistem em atribuir ao XVI Congresso e às orientações aí estabelecidas sobre o papel do PCP no quadro das forças democráticas e do seu relacionamento com o PS (e que na altura não contestaram) as principais responsabilidades pelo alegado "declínio" do PCP. E sempre escamoteando que, pelo que disseram e escreveram, muito contribuíram para o favorecimento e branqueamento do PS no período eleitoral, no quadro de concepções que corresponderiam a atrelar o PCP aos desígnios e objectivos da política do PS em prejuízo da autonomia e afirmação própria do PCP no campo democrático. São os que insistem em atribuir todas as dificuldades a alegados erros de "orientação estratégica" do Partido sem adiantarem elementos sérios e verdadeiros que os identifiquem ou sustentem.

O Comité Central do PCP chama a atenção para o significado, objectivos e consequências do continuado afrontamento por parte de alguns membros do Partido, com princípios e normas estatutárias obrigatórias para todos os seus membros e de uma acção fraccionária que visa dividir e enfraquecer a unidade e influência do Partido. O Comité Central do PCP não pode deixar de chamar a atenção para que, quem opte por se excluir da vida normal do Partido e insista numa actividade atentatória da sua unidade e do seu reforço, assumirá inteiramente a responsabilidade pelas consequências dos seus actos.

7. O Comité Central do PCP valoriza e saúda o esforço e o empenhamento de muitos milhares de militantes que, num quadro de interrogações, inquietações e opiniões diferenciadas procuram dar o seu contributo para o debate político e ideológico, a superação de deficiências e preparar o Partido para responder à previsível ofensiva do governo da direita que se avizinha contra os trabalhadores e importantes conquistas democráticas e reitera o seu apelo a todos os militantes para que, pela sua reflexão e intervenção, contribuam para os trabalhos da preparação da Conferência Nacional e para o reforço orgânico e interventivo do Partido. Com a consciência de que no quadro político actual se apresenta como Partido ainda mais necessário para dar combate à ofensiva que os trabalhadores e o povo português virão a enfrentar.