«Avante!» de Abril de 1973

O Congresso Democrático de Aveiro
Avante! Nº 453 - Maio de 1973

UMA VITÓRIA A CONSOLIDAR
alargando o movimento unitário de massas

O 3º Congresso da Oposição Democrática foi um acontecimento de grande importância na vida política nacional. Ele realizou-se no meio de uma generalizada ofensiva repressiva fascista. Mesmo assim, ultrapassou as previsões mais optimistas. A sua realização, e a força patenteada pelo Movimento Democrático constituíram uma importante vitória das forças democráticas sobre o fascismo e foram a confirmação da justeza da orientação dos que preconizam a linha unitária da mobilização de massas.

O êxito do Congresso residiu na organização do Movimento Democrático que nos meses antecedentes, e paralelamente à luta pelo recenseamento, promoveu um trabalho de massas que se estendeu à principais regiões do país e no qual participaram milhares de democratas de todas as tendências. As caravanas, comissões e reuniões organizadas à volta do recenseamento, a afixação de cartazes e a distribuição de dezenas de milhar de documentos, por variadas regiões do país, foram um incentivo à acção aberta e legal com vista ao Congresso. As teses e comunicações apresentadas ao Congresso (cerca de 200), metade das quais colectivas, foram o produto de largos debates sobre diversos aspectos da situação económica, social, cultural e política de certas regiões ou distritos, de classes sociais e profissionais. Apenas dois exemplos: para a elaboração da tese colectiva de jovens trabalhadores do distrito de Setúbal, realizou-se um inquérito ao qual responderam mais de 500 jovens, tese que foi depois aprovada numa reunião com 150 jovens trabalhadores de toda a região. Para a elaboração de uma outra tese colectiva, relativa a uma região camponesa, fizeram-se várias reuniões com a participação de 60, 70, 80 democratas vindos de várias localidades dessa região.

Vê-se assim que o grande êxito do Congresso residiu na acção de massas previamente realizada pelo Movimento Democrático e pelas Comissões de cada uma das suas frentes de luta, muito especialmente pelos trabalhadores e movimento sindical, pelos movimentos de jovens trabalhadores, de estudantes, de solidariedade aos presos, de mulheres, camponeses e intelectuais.

Era desejo do Governo que o Congresso fosse uma reunião passiva de individualidades, para poder afirmar, ao país e ao estrangeiro, que a Oposição podia reunir-se livremente. Mas à medida que crescia o interesse, o entusiasmo e o movimento de massas gerado à volta do Congresso, assim ia subindo a escalada repressiva. As variadas Notas Oficiosas, proibições e ameaças, repetidamente transmitidas pela rádio, Televisão e jornais, visavam confinar o Congresso às salas fechadas de um cinema, intimidar os congressistas e todos os que pensavam ir a Aveiro. O governo só não impôs o encerramento do Congresso devido às suas contradições e fraquezas, e aos efeitos políticos que isso teria, mesmo internacionalmente. Em contrapartida, recorreu a uma campanha de intimidação e terror, visando dificultar ao máximo os trabalhos do Congresso e impedir que milhares de pessoas acorressem a Aveiro.

As forças repressivas cercaram Aveiro

A ditadura fascista montou um dispositivo policial que se estendeu a uma área de mais de 100 quilómetros à volta de Aveiro. Caravanas de automóveis e autocarros que se dirigiam a Aveiro eram interceptados à saída de Lisboa, Margem Sul, Vila Franca, Porto, Viseu, Castelo Branco. As pessoas eram aconselhadas a não irem a Aveiro, propagando a polícia, a GNR e a PIDE, os mais vaiados boatos: que já havia mortos; que ninguém podia entrar na cidade, por ordem da Com. Executiva do Congresso, etc. Em CANTANHEDE, uma caravana de 20 carros é interceptada pela GNR que apreende as cartas de condução. Todas as pessoas começam a protestar, os carros buzinam fortemente, a população da vila começa também a juntar-se e a protestar contra a GNR, a quem chamam "galegos". Outros gritam: "deixem passar as pessoas!". Gera-se um engarrafamento de trânsito, os protestos aumentam e a GNR vê-se forçada a devolver as cartas de condução e a deixar passar as pessoas.

Uma caravana de 3 camionetas, na portagem da auto-estrada à saída de Lisboa, é interceptada e os motoristas intimidados a assinarem documentos de responsabilização pelo que viesse a suceder. Todos os passageiros protestam, dizem que os motoristas nada tinham a assinar, mas que assinavam eles, passageiros. À chegada a Leiria, as mesmas camionetas são impedidas de seguir viagem. Todos os passageiros são identificados. Muitas camionetas ficaram retidas mas algumas outras conseguiram recorrer a estradas secundárias e chegar a Ílhavo. Daqui, só era possível continuar a pé, em boleias ou de bicicleta. O rápido do Porto-Lisboa foi mandado parar em Avanca durante 2 horas. Todas as pessoas são identificadas, intimidadas e algumas impedidas de seguir viagem.

Com todos estes meios repressivos, a que se juntam as prisões de numerosas democratas que em várias localidades colavam cartazes do Congresso, o corte sistemático de notícias pela censura, o encerramento do parque de campismo de Aveiro para impossibilitar o alojamento de muitos trabalhadores e estudantes, o Governo impediu que um número incalculável de pessoas tenha podido chegar a Aveiro. Mas mesmo com todos esses meios repressivos, o Governo não foi capaz de impedir a presença entusiástica de milhares de pessoas, vindas de todos os cantos do país.

Manifestação de rua de milhares de pessoas

Foi sob esse clima repressivo, com Aveiro cercada de forças repressivas, com uma Nota oficiosa que proibia a anunciada romagem à campa do Dr. Mário Sacramento, com o cemitério fechado e cercado pela polícia de choque, assim como a Praça José Estevão (local anunciado para a concentração), com o parque da cidade fechado (local aprazado para um piquenique dos congressistas), foi com os cafés e outros estabelecimentos encerrados por ordem da polícia, foi com todo esse clima opressivo que milhares de pessoas tiveram a coragem de se concentrar na Av. Peixinho. Aí, pelas 10,30 do dia 8 de Abril, umas 5 mil pessoas começaram a dar-se os braços, formaram filas e começaram a avançar a caminho do Congresso. Logo que a manifestação se inicia, surge um cartaz que dizia: "A juventude portuguesa está contra a guerra colonial". Começa-se a cantar o hino nacional e grita-se: "Fim à guerra colonial" - "Fora a PIDE" - "Amnistia". O primeiro slogan - "Fim à guerra colonial" - é o mais gritado, chegando a formar-se um coro.

A polícia de choque, armada de metralhadoras, capacetes e escudos de plástico especiais, acompanhada de cães, investe sobre os manifestantes com grande ferocidade, agredindo todos os que aparecem à sua frente. Diversas pessoas, entre as quais vários jornalistas estrangeiros, ficam bastante feridas. As pessoas resistem como podem, e não são poucos os que atiram pedras ou lutam corpo a corpo com a polícia. As portas das casas particulares abrem-se para abrigar os manifestantes, numa bela manifestação de solidariedade. Nas casas, os feridos são tratados e as roupas arranjadas. A ferocidade usada pelas forças repressivas causou a maior repulsa entre a população de Aveiro.

O Congresso aprovou uma Declaração Final

Na sessão de encerramento do Congresso, com a presença de umas 4.000 pessoas, numa sala com lotação oficial de apenas 1.700, foi aprovada, por aclamação, uma "Declaração Final". Nela se diz que "os objectivos imediatos, possíveis de atingir através da acção unida das forças democráticas, são:

- fim da guerra colonial

- luta contra o poder absoluto do capital monopolista

- reconquista das liberdades democráticas."

A aprovação dessa Declaração, de grande número de teses, e moções: a moção de condenação pelos crimes da guerra colonial; o minuto de silêncio de protesto contra o assassinato de E. Mondlane e A. Cabral; a moção que exige a libertação de todos os presos políticos; a moção sobre a extinção da PIDE/DGS, aprovada aos gritos "Assassinos! Assassinos!"; a moção de saudação e solidariedade para "com aqueles que na clandestinidade travam uma luta diária contra o fascismo"; a calorosa e prolongada ovação quando, na sessão inaugural, foi citado o nome do camarada Álvaro Cunhal, secretário-geral do PCP, tudo isso é a demonstração bem palpável da crescente combatividade e maturidade do Movimento Democrático.

É certo que também apareceram teses a defender posições oportunistas sobre o problema colonial e até mesmo sobre os trabalhadores. Mas no seu conjunto, o Congresso representou uma importante vitória política das forças democráticas unitárias, soube traduzir os justos sentimentos das massas e repudiar ideias e concepções aventureiristas ou oportunistas que nada têm a ver com a realidade objectiva e com os interesses superiores da luta e da unidade anti-fascista.

O furor fascista de Caetano

Não foi somente através da senha repressiva, mas também por outras formas, nomeadamente pela televisão ao serviço da Pide, que o Moreira Baptista e outros destacados fascistas vomitaram todo o seu ódio às forças democráticas e ao Congresso que eles desejavam tivesse sido diferente. M. Caetano foi quem maior furor revelou com o discurso de encerramento das "Conferências" ministeriais de Tomar a que eles chamaram "congresso". M. Caetano silenciou a grave crise em que o país se debate, mas como mistificador declara-se "liberal" e tem o descaramento de afirmar que procura praticar a "democracia" e garantir as "liberdades fundamentais". O furor repressivo que rodeou o Congresso e campeia no país, mostram o abismo que existe entre as palavras e os actos do fascista M. Caetano. Ele foi realmente sincero e verdadeiro quando ameaçou recorrer mais e mais à repressão para poder manter-se no poder. Essas e outras afirmações de M. Caetano são uma demonstração das contradições e fraqueza crescentes do regime.

As variadas arbitrariedades cometidas durante a campanha de recenseamento, as comissões dissolvidas, os postos encerrados, as prisões que se fizeram, não se limitaram a confirmar a "alergia" do regime a qualquer tipo de eleições honestas. Elas mostraram também o medo e a fraqueza do regime. Também por medo dos protestos que já se vinham a manifestar: o Governo viu-se obrigado a recuar e a adiar para melhor oportunidade a proposta de lei de aumento das rendas de casa, de 4 em 4 anos. Foi igualmente uma fraqueza do regime a mudança de Aveiro para Tomar do chamado "congresso" da UN-ANP. Foi uma prudente mudança! O confronto tornaria demasiado evidente que o "congresso" fascista foi uma caricatura do de Aveiro.

Consolidar a unidade democrática

Existe um ascenso da luta popular de massas, ascenso que a ditadura fascista procura contrariar intensificando a repressão. As forças democráticas não se devem deixar intimidar, mas para enfrentar a crescente repressão e fazê-la recuar, é indispensável consolidar a unidade e contrariar as tendências que enfraquecem o desenvolvimento da luta de massas, ou que propiciam pretextos para desencadear acções repressivas.

No Encontro Nacional de 4 de Março, 13 Comissões distritais do Movimento Democrático proclamaram a sua "determinação de intervir desde já na luta eleitoral, e o seu propósito de apresentar candidatos democráticos, escolhidos e apoiados pelas massas populares."

Esta importante decisão, aliada à plataforma unitária aprovada nesse mesmo Encontro (luta pelas liberdades fundamentais; luta contra todas as formas de repressão e pela libertação dos presos políticos; luta contra a guerra colonial, exigindo o seu fim imediato e a abertura de negociações com os movimentos de libertação; luta contra a carestia de vida e o congelamento de salários; luta contra o domínio dos monopólios e a submissão ao imperialismo), coloca na ordem do dia a tarefa de aproveitar as "eleições" para desencadear uma ampla campanha política pelos objectivos fundamentais do Movimento Democrático.

O alargamento da unidade actuante, o reforço da organização do Movimento Democrático, a criação de comissões nas freguesias, concelhos e distritos onde elas ainda não existam, a imposição através da acção do direito de organização, são tarefas que se colocam a todos os democratas.

O governo teme o Movimento Democrático e o seu desenvolvimento. Por isso, a par da repressão que intensifica, ele esforça-se também por dividir as forças democráticas. O discurso do Presidente da C. executiva da ANP na abertura do seu "congresso", é bem elucidativo. Ele falou nos "democratas sinceros", aludiu aos neo-colonialistas que ele designa como respeitadores da "integridade nacional", tudo isso com o fim de tentar impedir o alargamento da unidade democrática. Nisso, os fascista não estão sós.

Alguns que se proclamam liberais, defendem a criação do que chamam uma 3ª força, mas parece que o objectivo deles não é a luta contra a ditadura fascista e pelas liberdades democráticas, mas sim a divisão e o enfraquecimento da oposição ao regime. Outros, que se dizem "anti-eleitoralistas", opõem-se ao alargamento da unidade e esforçam-se por paralisar o Movimento Democrático tentando transformá-lo num "clube" de discussão e não num movimento virado para a acção de massas.

Unificar politicamente o Movimento Democrático na base da plataforma aprovada no Encontro Nacional de Março e da Declaração Final do Congresso, aceitando o trabalho de massas como direcção fundamental da acção, respeitando a diversidade de soluções orgânicas e de métodos, dos vários distritos, é o caminho que possibilitará alargar e consolidar a unidade democrática e desenvolver o movimento de massas.

Tal como se afirma no documento de Março da Comissão Política do PCP "Estão criadas as condições essenciais para reforçar rapidamente as diversas formas de organização, para consolidar uma ampla e combativa unidade anti-fascista, para multiplicar, em todas as frentes, as lutas por objectivos concretos, para preparar, com tenacidade, determinação e confiança uma nova grande ofensiva contra a ditadura fascista, pelo pão, pelo fim da guerra colonial, pela liberdade."