Sessão Solene Comemorativa do 26º Aniversário do 25 de Abril
Intervenção do Deputado Bernardino Soares
25 de Abril de 2000

 

Senhor Presidente da República,
Senhor Presidente da Assembleia da República,
Senhores Membros do Governo,
Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
Senhor Presidente do Tribunal Constitucional,
Altas Autoridades,
Senhores Deputados,


Diz-se que só se ama o que se vive. E os jovens do Portugal de hoje não viveram o 25 de Abril. Mas nem por isso são menos capazes de amar esta Revolução, os seus ideais, as suas conquistas. Assim lhes seja dada a hipótese de aprender o que aconteceu em Abril de 74 e nos tempos que se seguiram. Assim possam saber o que foi o Portugal da ditadura e o Portugal da liberdade.

É que a Revolução dos Cravos, que não fizeram nem viveram foi-lhes sendo escondida. E estes jovens de hoje, não conhecem muito do que Abril de mais belo teve. Não viram a explosão de alegria irreprimível de um povo oprimido durante meio século que finalmente conquistava a liberdade.

Muitos, talvez a maioria, nem sequer na escola encontraram a Revolução dos Cravos, que é matéria escondida ou pelo menos secundária nos programas escolares. E foram vendo e ouvindo as sucessivas campanhas de branqueamento da ditadura a que nessa madrugada de Abril se pôs fim.

As tentativas de alterar e rescrever a história do fascismo e da Revolução, o ataque às suas conquistas e o esconder da intensa e profunda participação popular que lhes deu corpo, poderia ter conseguido afastar a juventude dos ideais de Abril. Para muitos terá sido esse mesmo o objectivo.

E contudo a juventude está com Abril. E com os militares de Abril que com o seu acto heróico abriram as portas à Revolução que o povo abraçou. Daqui saudamos pois os militares de Abril, a sua coragem e o seu amor à liberdade, que encontram nos jovens de hoje um profundo reconhecimento.

E estes mesmos jovens certamente sentirão a mesma justa incompreensão que nós sentimos ao ver que muitos dos que fizeram o 25 de Abril foram nas suas vidas e nas suas carreiras injustiçados. E certamente não compreenderão, tal como o PCP não aceita, que a lei que há um ano atrás foi aprovada nesta Assembleia, destinada a pôr fim à discriminação na carreira dos militares de Abril, continue à espera do decreto-lei regulamentar que o Governo está obrigado a fazer por força da lei da Assembleia.

Já não é possível compensar mais de 20 anos de injustiça porque há injustiças que de nenhuma forma podem ser reparadas. Mas exige-se que pelo menos elas terminem imediatamente. Sabem os jovens de hoje e de ontem que tais injustiças, feitas sobre quem tão grande contributo deu para que se fizesse o 25 de Abril, envergonham o seu próprio espírito.

A Revolução de Abril é também dos jovens de agora. Sim, ela também nos pertence. E não se trata de um património apenas conquistado. É usado todos os dias em que os jovens lutam por um futuro melhor. Por um ensino democrático. Por um emprego com direitos. Pela democracia na escola e na empresa. Pela defesa do ambiente. Na luta contra o racismo e a xenofobia.

Olhando para a actual situação da nossa sociedade e também da juventude, não é possível esconder que muito da Revolução de Abril está ainda por concretizar.

Neste país de Abril aumenta a precariedade e a desregulamentação laboral a que os jovens são em cada vez maior número sujeitos. Continua a política dos baixos salários e crescem os obstáculos ao exercício dos direitos dos trabalhadores. Utilizam-se os jovens como mão de obra barata. Como se fossem um qualquer produto descartável que se usa enquanto se quer e que depois se deita fora. Aliás é a própria lei que permite que se contrate um jovem a prazo apenas e só porque é jovem.

Neste país de Abril o acesso aos mais elevados graus de ensino continua para tantos a estar vedado e o sistema educativo vai sendo transformado num funil, cada vez mais apertado e onde as desigualdades sócio-económicas ditam a lei da exclusão.

Neste país de Abril apenas ouvimos certos responsáveis clamar pelos direitos dos cidadãos e indignar-se com a morosidade da justiça quando os acusados são poderosos e bem relacionados. Porque quando o acesso a uma justiça célere eficaz é negado ao cidadão comum cala-se a indignação dessas vozes.

Neste país de Abril aumenta ainda mais o fosso entre ricos e pobres ao mesmo tempo que a riqueza produzida é distribuída de forma cada vez mais desigual. E vemos esquecidos e desprezados os deficientes, tantos deles vítimas da guerra colonial, que continuam a ter difícil acesso ao emprego, ao ensino, à igualdade.

Neste país que em Abril renasceu, a educação sexual continua no papel e nas palavras, utilizada com descaramento e hipocrisia quando dela é preciso falar e rapidamente engavetada logo que é possível. Em pleno ano 2000 o planeamento familiar e os meios contraceptivos continuam longe de estar generalizados a toda a população. Somos por isso os campeões das gravidezes indesejadas e das mães adolescentes. Somos um país onde os jovens continuam a ver negado o seu direito à sexualidade consciente e responsável.

É também por tudo isto que o povo e a juventude se juntam por todo o país às comemorações do 25 de Abril. Renovando os ideais da Revolução na busca do seu cumprimento. Como o fazem os milhares de pessoas que ainda agora celebram a liberdade aqui bem perto, a descer a avenida do mesmo nome. E muitos deles são jovens, empunhando com orgulho os cravos vermelhos que agora são seus. Que sabem que apesar de tudo é mil vezes preferível a avenida da liberdade a qualquer viela da ditadura. E no 25 de Abril conquistámos a liberdade.

Comemorar a Revolução dos Cravos é tempo para lembrar ao que ela pôs fim. Para lembrar que houve a PIDE, a censura, a prisão política, a tortura e a guerra colonial - numa palavra, que houve o fascismo.

Para lembrar que durante quase meio século de ditadura milhares de portugueses lutaram contra ela. Homens e mulheres, comunistas e outros, tantos deles jovens, que com a sua luta abriram caminho ao 25 de Abril.

Comemorar o 25 de Abril é festejar a liberdade conquistada pela Revolução. Que já ninguém nos tira.

Mas ao comemorar a Revolução dos Cravos temos também de olhar para o futuro. E saber que o caminho não pode ser outro senão continuar a lutar. Contra novas e velhas injustiças, novas e velhas desigualdades e discriminações. A luta pela defesa da liberdade, para aprofundar a democracia e perseguir a igualdade.

Por isso Abril é o futuro.

Por isso Abril é nosso. De todos. Dos que o fizeram e viveram. Mas também dos que o receberam, ainda por acabar, e que continuarão a lutar por um amanhã melhor.

Viva o 25 de Abril!

Viva Portugal!